2.5 Fonologia de Uso
3.2.1 Escolha da metodologia do estudo piloto
Para a escolha da metodologia utilizada neste trabalho, foi realizado, preliminarmente, um estudo piloto com oito crianças com aquisição já completada. A fim de observar a influência da fala materna na aquisição da linguagem infantil, também foram coletadas amostras da fala das mães das crianças selecionadas. Os dados das crianças e das mães foram gravados e, posteriormente, transcritos para a análise.
Sabe-se que as experiências lingüísticas nas quais as crianças estão expostas são de extrema importância para o processo de aquisição da linguagem, sendo as relações da criança com os adultos fundamentais para o desenvolvimento das habilidades lingüísticas (BORGES E SALOMÃO, 2003). Devido à ligação afetiva, a figura materna exerce uma influência particularmente privilegiada no desenvolvimento da linguagem da criança (SNOW, 1977; ELY & GLEASON, 1996; DOCHERTY & FOULKES, 2002).
Na tentativa de identificar a extensão na qual a performance da criança reflete características da fala de adultos, Docherty & Foulkes (2002) estudaram amostras de interação entre as mães e as crianças. Os resultados mostraram correlação entre padrões de mães e crianças a respeito do número de variantes estudadas. Os autores afirmam que a variabilidade lingüística encontrada na fala da criança está relacionada à variabilidade encontrada na fala do adulto, sendo estruturada a partir de experiências lingüísticas recebidas.
84 O estudo piloto foi iniciado com os seguintes procedimentos: conversa espontânea, nomeação e reconto de estórias. Com a utilização da fala espontânea, poderíamos obter amostras do padrão de comunicação habitualmente utilizado pelo informante em questão. Entretanto, percebeu-se que tal procedimento apresentava algumas restrições para a pesquisa realizada. No estudo piloto, observou-se que na conversa espontânea gastava-se muito tempo de coleta de dados, sem que os informantes pronunciassem palavras com os padrões sonoros que constituíam o objeto de investigação, uma vez que os encontros consonantais não são tão produtivos na fala. Além disso, este estudo pretende analisar se o cancelamento da líquida em encontros consonanatais tautossilábicos relaciona-se com a tonicidade da sílaba CCV e, através da conversa espontânea não há como controlar os dados coletados, tornando-se difícil analisar tal aspecto, uma vez que teríamos que ter palavras com o encontro consonantal localizado em sílaba tônica, postônica e pretônica em números compatíveis para uma análise quantitativa. Por isso, o procedimento de fala espontânea foi excluído da metodologia.
Portanto, no estudo piloto foram utilizados os seguintes procedimentos:
1. Reconto de estórias com figuras seqüenciadas representando palavras com o encontro consonantal tautossilábico.
2. Interação entre a mãe e a criança, utilizando-se um jogo da memória com figuras representando palavras com o encontro consonantal tautossilábico. 3. Nomeação de figuras.
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1. Reconto de estórias com figuras seqüenciadas:
Foram contadas 2 estórias pelo pesquisador (ANEXO 1), contendo palavras com o encontro consonantal tautossilábico. Cada vez que ouvia uma das estórias, a mãe a recontava para a criança. Após ouvir a estória contada pela mãe, a criança recontava a mesma estória. Inicialmente, o reconto de estórias não era realizado com figuras seqüenciadas. No entanto, observou-se que as crianças esqueciam a estória com muita facilidade. Era preciso fazer perguntas para a criança sobre a estória e, dessa forma, perdia-se um pouco da naturalidade, pois a criança era induzida a responder a palavra com o som que estava sendo analisado e não se tinha fala encadeada. Sendo assim, passou-se a utilizar figuras seqüenciadas que representavam palavras com o encontro consonantal na tentativa de possibilitar o reconto com pouca ou nenhuma intervenção do examinador, bem como para aumentar o interesse da criança.
2. Interação entre a mãe e a criança
Na tentativa de coletar uma fala natural, foi confeccionado um jogo da memória contendo figuras que representavam palavras com o encontro consonantal tautossilábico. Tal jogo permitiria analisar a fala das crianças, bem como a interação entre as mães e as crianças, de forma descontraída, o que aumentaria a espontaneidade da fala. Para a confecção do material, foram selecionadas, inicialmente, 38 figuras representando as palavras mostradas no quadro 3.
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QUADRO 3
Itens lexicais selecionados inicialmente para a confecção do jogo da memória
Encontro Consonantal
Pretônica Tônica Postônica
Brasil Braço Cobra Brigadeiro Branco Zebra Brinquedo Brinco
Bruxa
Travesseiro Estrela Quatro Troféu Trator Criança Cruzeiro Microfone Presente Prato Princesa Preto Professora Príncipe Dragão Pedra
Quadro Igreja
Refrigerante Frango Cofre Fruta
Livro Placa Chicletes Bicicleta Blusa Floresta
Atlético
O jogo da memória deveria conter palavras que faziam parte do vocabulário da criança. Para identificar as palavras que faziam parte do vocabulário infantil, realizou-se previamente um teste de nomeação de figuras com dez crianças de 5 a 6 anos de idade, de ambos os sexos, que freqüentavam a Creche das Rosinhas, em horário integral. A Creche das Rosinhas atende crianças da Comunidade da Serra, em Belo Horizonte, de baixo nível sócio-econômico.
Com a realização deste teste prévio de nomeação, algumas figuras foram excluídas do jogo da memória. As crianças não foram capazes de nomear as figuras:
brinquedo, criança, microfone, braço, troféu, travesseiro, refrigerante, cofre, brigadeiro, brinco . Ao invés de dizer brinquedo , diziam boneca ou carro ; ao invés
87 de criança , diziam menino , ao invés de braço , diziam mão , ao invés de
brigadeiro , diziam doce e ao invés de brinco , diziam orelha . Além disso, a maioria das crianças não identificou a figura do microfone, do travesseiro, do troféu,
do refrigerante e do cofre . Por isso, essas palavras foram retiradas do jogo da
memória.
A fim de realizar um estudo mais detalhado, optou-se pela seleção de palavras com o encontro consonantal constituído somente por (obstruinte + [ ] ), excluindo-se os itens com seqüências do tipo (obstruinte + ). Portanto, as figuras que representavam as palavras floresta, placa, blusa, atlético, bicicleta, chicletes com o encontro consonantal constituído por (obstruinte + ) também foram excluídas do jogo da memória.
Para que o número de palavras com o encontro consonantal em posição tônica, postônica e pretônica fosse exatamente o mesmo, foram excluídas, aleatoriamente, as palavras: Brasil, frango, prato, preto . Dessa forma, foram selecionadas 18 palavras para os procedimentos de nomeação e jogo da memória, conforme mostra o quadro a seguir.
QUADRO 4
Itens lexicais selecionados para o jogo da memória
Encontro Consonantal
Pretônica Tônica Postônica
Branco Cobra Bruxa Zebra Trator Estrela Quatro Cruzeiro Presente Príncipe Princesa Professora Dragão Pedra
Quadro Igreja Fruta
Livro TOTAL 6 6 6
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3. Nomeação de figuras pela criança e pela mãe.
Após a realização do jogo da memória, as mães e, em seguida, as crianças, nomearam as 18 figuras do jogo da memória. A tarefa de nomeação possibilitou a produção de palavras com os sons desejados (encontros consonantais tautossilábicos), obtendo-se a vantagem de uma grande economia de tempo.
No estudo piloto, foram analisadas as variáveis:
1) Tonicidade
Foi observado se o cancelamento do tepe era maior em encontros consonantais localizados em posição pretônica, tônica ou postônica.
2) Freqüência da palavra
Considerou-se, no estudo piloto, a freqüência de ocorrência das palavras, a fim de verificar se o cancelamento da líquida era influenciado pela freqüência.
A freqüência de ocorrência dos itens lexicais foi obtida através da consulta ao corpus LAEL online (Lingüística Aplicada e Estudos da Linguagem). Existem 2 corpora disponibilizados na internet pelo LAEL: o corpus da escrita e o corpus da fala. A pesquisa sobre a freqüência dos itens lexicais com o encontro consonantal tautossilábico foi feita no corpus da escrita, pois o número de itens do corpus LAEL fala não é muito expressivo, sendo bem inferior ao número de palavras
89 disponíveis no corpus da escrita: fala (197.901 palavras), escrita (1.182.994 palavras).
Neste estudo piloto, consideramos como freqüência alta os itens lexicais com ocorrência acima de 10.000 e como freqüência baixa os itens lexicais com ocorrência inferior a 10.000.