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2 METODOLOGIA DA PESQUISA

2.1 Escolhas teóricas da pesquisa

A construção teórica da pesquisa foi a base para a compreensão do fenômeno estudado, propiciando uma observação sistemática do contexto e das reflexões já construídas sobre ele. Este instrumental corroborou a análise das ações do sujeito pesquisado, mas não diz respeito apenas aos sujeitos, e sim à própria comunidade envolvida.

A construção teórica foi montada a partir da revisão de literatura que se formou em diferentes momentos de reflexão: debates de sala de aula, especialmente, nas disciplinas Trabalho, ação coletiva e políticas públicas e Sociologia do trabalho6;

reuniões e palestras promovidas pelos grupos de estudo – TDEPP e LAEPT7, participação

em seminários (SOBER Nordeste, outubro/2014 e I Seminário ABET Regional Nordeste – novembro/2014), congressos ( XIV Encontro Nacional da ABET, setembro/2015) e aprofundamento sobre a bibliografia utilizada.

As escolhas teóricas que dão sustentação às descrições e análises realizadas nesta pesquisa contemplam dois tipos de orientação: uma orientação destina-se a embasar a descrição contextual e a outra destina-se a embasar a análise das ações dos agentes sociais

6 A primeira disciplina ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais - PPGCS/UFCG, em

2013; a segunda ofertada pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia – PPGS/UFPB, em 2014.

7 TDEPP – op.cit, p.11; LAEPT: Laboratório de Estudos e Pesquisas em Políticas Públicas e Trabalho –

investigados. Os dois tipos de orientação teórica são entrelaçados como uma costura, através dos capítulos, esboçando e analisando o objeto de pesquisa.

A orientação teórica referente às descrições contextuais utiliza estudos de cientistas sociais tanto internacionais quanto brasileiros, para dimensionar a interação das duas primeiras categorias teóricas: o capitalismo industrial e a constituição sociocultural. Os cientistas sociais internacionais (Friedman & Naville, Grint, Braverman; Harvey) apresentam abordagens de caráter marxista, ponderando os efeitos da expansão do capitalismo sobre os países que se industrializaram após as nações industriais. Os cientistas sociais brasileiros (Ianni, Kowarick, Furtado, Fernandes, Oliveira, Moraes, Marini, Barbosa, Guimarães Neto, Véras de Oliveira, etc.) também fazem abordagem marxista, porém, voltadas à adaptação do capitalismo industrial ao ambiente sociocultural brasileiro, evidenciando as condições de trabalho erigidas sob o processo de industrialização, os efeitos da concentração regional, a expansão da informalidade e os desdobramentos de tais condições no Nordeste. Todos apostando no desenvolvimento social como base de suas críticas.

Desenvolvimento social ou social desenvolvimentismo, no sentido atribuído pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (2013):

Nesse momento, ganha espaço a questão social e seu papel no desenvolvimento. O desenvolvimento no século XXI requer ações específicas para enfrentar a questão social em suas múltiplas dimensões: distribuição de renda, geração de empregos de qualidade, educação, saúde, transporte público, saneamento, habitação popular, previdência social, pobreza agrária e urbana, etc. (CGEE, 2013: p.20)

A orientação teórica para analisar as narrativas dos agentes sociais investigados e, a partir delas, dimensionar a terceira categoria teórica – configurações de trabalho – categoria central desta pesquisa, optou pela epistemologia sociológica de Pierre Bourdieu. Compreendendo tanto o uso de textos introdutórios ao seu pensamento quanto suas obras pertinentes ao objetivo desta investigação, são elas: O poder simbólico; A economia das trocas simbólicas, A distinção, Razões práticas, O desencantamento do mundo (ou Trabalho e trabalhadores na Argélia) e O senso prático.

Por que epistemologia sociológica e não Sociologia de Pierre Bourdieu?

Primeiro, porque o pensamento de Bourdieu não é exclusivamente sociológico. Se a pretensão desta pesquisa é analisar as configurações de trabalho conjugando vários

elementos como a história, o espaço geográfico, a cultura, a estrutura social, as relações políticas, a economia e a ação dinâmica dos agentes sociais envolvidos, então, quanto mais ampla for a composição da teoria utilizada para compreender o comportamento dos agentes, maiores serão as chances de perceber a interseção entre elementos do capitalismo industrial e a constituição sociocultural do campo investigado.

Por isso, Bourdieu foi o teórico escolhido, pois sua formação que também partilha orientações marxistas, compreende: Filosofia, História da Ciência e da Lógica, Epistemologia, História, Sociologia, Estatística, Etnologia, Linguística e Antropologia (WACQUANT, 2002). A diversidade da composição do pensamento deste autor se equipara à diversidade da vida social, daí sua pertinência em ser utilizado nas pesquisas sociais.

Se o modo de argumentar de Bourdieu é como uma teia, com ramificações, se seus conceitos-chave são relacionais (habitus, campo e capital são todos constituídos de feixes, de laços sociais em diferentes estados – personificados, objetivados, institucionalizados – e funcionam muito mais eficazmente uns em relação aos outros), é porque o universo social é constituído dessa maneira, segundo ele (WACQUANT, 2002, p. 102).

Segundo, porque sua marca principal é apostar nunca construção epistemológica que articula dialeticamente agente e sociedade.

A problemática teórica dos escritos de Bourdieu repousa essencialmente sobre a questão da mediação entre o agente social e a sociedade. Por isso, Bourdieu considera o problema dos métodos epistemológicos como uma discussão que oscila entre dois tipos de conhecimentos polares: o objetivismo e a fenomenologia. Enquanto a perspectiva fenomenológica parte da experiência primeira do indivíduo, o objetivismo constrói as relações objetivas que estruturam as práticas individuais. [...] A proposta de Bourdieu para resolver a oscilação entre objetivismo e subjetivismo é articular dialeticamente o ator social e a estrutura social, essa abordagem epistemológica se chama conhecimento praxiológico (ORTIZ, 1983, p. 8-9).

Desde o início desta pesquisa, foi colocado que a compreensão das configurações de trabalho seja nacional, regional ou local, somente podem ser feitas considerando a interação de vários elementos que se resume a agentes e sociedade, para compor reflexões que unam contexto geral e especificidades.

O pensamento de Bourdieu não apenas evita uma abordagem ingênua da trama social, ao unir sociedade e pessoas em constante interdependência, como vai mais além.

Sua epistemologia sociológica não se reduz à questão de destacar a interação entre agentes e sociedade, subjetivismo e objetivismo, mostra que apesar da interdependência as relações sociais são desiguais em termos de posição e posse de determinados poderes (capitais simbólicos), pressupõe relações de poder que não se instituem de forma mágica, senão através dos agentes sociais, de forma consciente ou não – “Bourdieu aceita, pois, a consideração de Marx segundo a qual os homens fazem sua própria história, mas não sabem que a realizam” (ORTIZ, 1983, p,14). Constitui-se, assim, uma abordagem em que o agente social não é apenas condutor das diferenças e desigualdades, mas de todos os elementos que compõem a estrutura social.

Para Bourdieu, a comunicação se dá enquanto interação socialmente estruturada, isto é, os agentes da fala entram em comunicação num campo onde as posições sociais já se encontram objetivamente estruturadas. O ouvinte não é o “tu que escuta o outro” como elemento complementar da interação, mas se defronta com o outro numa relação de poder que reproduz a distribuição desigual de poderes agenciados ao nível da sociedade global (ORTIZ, 1983, p. 13).

Some-se a estas razões o fato de sabermos que o motor do comportamento dos agentes sociais são as ideias apreendidas a partir da estrutura social e que encontram expressividade exatamente nas categorias de pensamento que o sujeito conhece, adota como pensamento legítimo e toma como fundamento de suas ações (ORTIZ, 2003). Somente investigando o comportamento do agente social em seu campo de ação é possível desvendar os valores, os símbolos e as estruturas que os personificam – “Para Bourdieu, o exercício da dúvida, a crítica, só pode manifestar-se quando historicizada, localizada num lugar específico produzido pela sociedade e passível de uma leitura sociológica” (ORTIZ, 2003, p.11). No caso de analisar trajetórias, não se tem acesso apenas ao comportamento atual, mas às suas origens, gerando a oportunidade de desvendar o sentido histórico de suas ações.

Terceiro, a noção de campo em Bourdieu delimita um espaço para análise que não perde suas características próprias, não perde seus vínculos com a realidade que o cerca, engata as ações presentes com o curso histórico e não dispensa as ações do agente social como condutor das relações sociais. Wacquant (2002, p.98) se refere à noção de campo como uma ferramenta analítica forjada “designando espaços relativamente autônomos de forças objetivas e lutas padronizadas sobre formas específicas de autoridade, para dar força à estática e reificada noção de estrutura e dota-la de dinamismo

histórico”. Portanto, é uma delimitação consciente para tornar possível a análise de um fenômeno que não se encerra em si próprio.

Quarto, abordar relações de trabalho não é típico deste cientista social, contudo, os conceitos centrais da sua obra como campo, habitus, capital simbólico, disposição, distinção, disputas de poder, entre outros, favorece uma abordagem que não irá limitar a compreensão das configurações de trabalho a fatores econômicos, embora sejam determinantes. Nos mostra a realidade de forma estruturante, quer dizer, dinâmica, relacional, podendo ser alterada, redefinida, pelos agentes sociais, mesmo que permaneçam limitados pela estrutura social. A capacidade de ação e reinvenção da realidade pelos agentes sociais é considerada primordial no entendimento de que a estrutura social não é estática e não paira acima das pessoas, como se fosse um elemento à parte.

Quinto, as práticas e expressões dos agentes sociais, nesta pesquisa, além de ser o viés por onde se resgata as configurações de trabalho, também os coloca como seres atuantes ao invés de vítimas do sistema. Por este ângulo, a tradicional fórmula de denúncia de trabalhadores explorados na produção capitalista, passaria a dividir lugar com a importância das opiniões e ações dos agentes, enquanto fonte de revelação das nuances do sistema produtivo do qual participam e de sua criatividade pessoal, ao elaborar estratégias que conduzam ao próprio reposicionamento dentro do sistema social. Certamente, esse modo de produzir/trabalhar no Polo não foi um milagre e não ocorreu à toa, apenas não condiz com as interpretações tradicionais, por isso, merece uma investigação mais acurada para sua compreensão.

Neste sentido, é possível utilizar o testemunho de Thiry-Cherques ao expor o pensamento de Bourdieu:

A epistemologia de Bourdieu implica, antes de tudo, a objetivação do sujeito objetivizante, a autoconsciência, o auto posicionamento. Ele procura se colocar para além dos modelos existentes e da rigidez de qualquer modelo explicativo da vida social. Que se deve procurar o que subjaz a esses fenômenos, a essas manifestações. Bourdieu adota o estruturalismo como método, mais que como teoria explanatória. Parte de um construtivismo fenomenológico, que busca na interação entre os agentes (indivíduos e grupos) e as instituições encontrar uma estrutura historicizada que se impõe sobre os pensamentos e as ações (THIRY- CHERQUES, 2015, p.30).

O pensamento de Bourdieu será citado no decorrer dos capítulos, após se analisar contextualmente trechos das narrativas dos sujeitos de pesquisa, classificando suas ações no campo produtivo e, a partir delas, destacando a formação e reprodução das configurações de trabalho.