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4 DA CONDIÇÃO DE TRABALHADOR À CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIO

5 OS USOS DO TRABALHO PELOS EMPRESÁRIOS PARA EDIFICAR SEUS EMPREENDIMENTOS

5.1 Mapeamento individual dos usos do trabalho

Empresário 1:

Ao montar sua estrutura produtiva com a ajuda da família, capitalizou-se vendendo, principalmente, para sacoleiras – “Elas compram constantemente e não pechincham no preço. A compra é feita a dinheiro ou cartão”.

A venda para as sacoleiras é continua em função da forma de pagamento, que é segura quanto ao recebimento. Não menciona entrega de nota fiscal ou qualquer documentação que comprove a venda, possivelmente é uma venda informal. Assim, não precisaria pagar impostos, a venda era totalmente livre, lucrava tudo o que pudesse vender. O sacoleiro é um trabalhador autônomo que revende confecção na feira ou a domicilio. A constância da presença da sacoleira no negócio desse empresário, oferecia

um ganho permanente, criando uma relação de parceria. Isso não invalidava a participação do empresário na feira.

A família foi envolvida na produção desde o início, primeiro trabalhando na estrutura produtiva que foi montada, depois, quando instalou a fábrica, pode contar com a colaboração da esposa que desempenhava a função de designer.

Sendo assim, consolidou sua posição de empresário através de quatro tipos de trabalho: o seu, o da esposa, o dos funcionários da sua produção e o das sacoleiras.

Empresário 2:

Contou com a ajuda da mãe, mas fez uso principalmente do seu trabalho, realizando a maior parte das etapas produtivas. Quando não conseguia resolver tudo sozinho, buscava ajuda de conhecidos. Possui funcionários contratados e também utilizou o trabalho de facção para completar a realização da sua produção.

O acúmulo de funções no processo de produção demonstra as limitações em empreender praticamente sozinho. Ele compra o tecido, faz o trabalho de modelagem, passa a modelagem para a peça (risco) e cria ideias para os detalhes da roupa (bordados). Além dessas atividades, no seu fabrico se realiza o trabalho da costura. A realização do bordado e o corte da peça faz através do trabalho de facção.

Neste caso, vem utilizando cinco formas de trabalho: o seu, o da mãe, dos amigos que o ajudam, o das costureiras e o da facção.

Empresária 3:

Ergueu seu negócio com seu trabalho e o trabalho do esposo. Sua produção tem se realizado, principalmente, através do trabalho assalariado, embora no Quadro 3 tenha afirmado que ela e o esposo, no início das atividades profissionais quando tinham uma pequena fábrica, produziam informalmente para vender na feira, o que significa que utilizaram o trabalho informal. Atualmente, se queixa que o trabalho assalariado custa caro, chegando a afirmar que representa 50% dos custos de sua produção. Computa também neste custo, possíveis prejuízos que o funcionário pode dar quando quer ser demitido. Não utiliza trabalho terceirizado. Possui uma lavanderia como complemento de sua produção; tanto na empresa de confecção de jeans quanto na lavanderia, os funcionários são formalizados. Uma das maneiras de aproveitar o trabalho assalariado,

mediante os custos que o funcionário representa, é exigir o cumprimento exato do horário de trabalho.

Além do trabalho que desempenha na fábrica, a empresária contou com mais três formas de trabalho: o do esposo, que se capitalizou pelo trabalho na empresa de ônibus e ergueu o empreendimento, e dos funcionários atuais, formalizados. Inicialmente, utilizou o trabalho informal.

Empresário 4:

Iniciou pelo uso do seu trabalho, desde quando trabalhava na loja de tecidos e depois como fabricante e vendedor do que produzia. Tomou como inspiração o trabalho da mãe e também fez uso dele ao se apropriar das suas máquinas antigas, para iniciar sua produção. Não se deve esquecer que, no âmbito doméstico, presenciava a desenvoltura do trabalho das ajudantes da mãe. O trabalho doméstico lhe serviu como instrução prática para empreender sua confecção.

Depois, consolidou seu negócio fazendo uso do trabalho de seus funcionários na fábrica de confecção e do trabalho das quatro facções agregadas à sua produção. É importante lembrar que o trabalho de facção é um trabalho informal, normalmente realizado na zona rural ou na periferia, envolvendo famílias e sua rede de relacionamentos. O trabalho informal também se estendeu à fábrica, pelo tempo que passou na informalidade, depois foi substituído pelo trabalho assalariado. Usou, portanto, cinco formas de trabalho: o seu, o da mãe, dos funcionários informais, depois os funcionários assalariados e o da facção.

Empresária 5:

Além do trabalho próprio, desenvolvido no âmbito da Feira da Sulanca, na sua fase de vendedora, contou com vários trabalhos na sua trajetória. Como o trabalho doméstico de sua mãe e de seus filhos. Da mãe, quando revendia roupas na feira, pois foi através dela que a empresária foi levada ao negócio das confecções; dos seus filhos, que desde cedo lhe ajudaram a empreender o negócio, como seus auxiliares. Fez também uso do trabalho de quem produzia as confecções para dona da mercadoria (Fornecedora 5) e o trabalho da dona da mercadoria, ao repassar os vestidos para venda. Agrega-se a esse

quadro, o trabalho dos feirantes de confecção que faziam a feira acontecer e dinamizar o comércio informal de confecções.

Quando começou a produzir, passou a agregar no seu histórico de usos do trabalho, o trabalho dos seus funcionários que se caracteriza como trabalho assalariado. Em função da sua falência e depois do retorno à produção, ficou alternando o trabalho informal, típico do ambiente de feira, e o trabalho assalariado, típico do ambiente de fábrica. Utilizou, assim, sete formas de trabalho: o dela própria, o da mãe e dos filhos, o dos produtores dos vestidos que revendia, o da dona da mercadoria para revenda, o dos feirantes e o dos seus funcionários.

Empresário 6:

O seu trabalho sempre foi associado ao trabalho do irmão. Com ele iniciou na produção de calçados, depois passou à produção de confecções e, por fim, na sua produção doméstica, incluindo o trabalho da mãe e do pai. O trabalho da mãe, por ser sua primeira costureira, ela produzia e os filhos vendiam as roupas na feira. O trabalho do seu pai, através do capital para investir no negócio, acumulado quando trabalhava com o taxi e o taxi serviu de transporte para carregar mercadoria a ser costurada na zona rural e depois ser vendida nas feiras. Também conta aqui, indiretamente, o trabalho dos outros agentes sociais quando era auxiliar de confecção na tenda, pois, da vivência dessa experiência, resultou seu aprendizado inicial sobre confecção e o repasse dos fardos de tecidos para produzir.

Quando passou a investir na produção, associou-se diretamente com o trabalho informal das costureiras na zona rural, um trabalho de facção, para realizar a costura das peças que já levava cortadas. Sendo assim, utilizou nove tipos de trabalho: seu trabalho, do irmão, da mãe, do pai, do patrão, dos colegas do trabalho, das costureiras que faziam facção, dos funcionários informais e depois dos funcionários assalariados.

Empresário 7:

O trabalho dos familiares foi a grande ajuda recebida para se capitalizar e começar a empreender. Primeiro, o trabalho do seu pai, que ergueu o negócio da família nuclear, dando continuidade à posição da família extensa no grupo de comerciantes de revenda de alimentos. A experiência em participar do comércio e as primeiras atuações

como gerenciador de um negócio vem do mercadinho da família. Quando separou do seu pai, contou com o trabalho dos tios maternos, ao ser acolhido por eles para trabalhar e através do aconselhamento e indicação que deram para produzir confecções.

Na sua produção de confecções contou, primordialmente, com o trabalho de facção, até constituir sua fábrica e sua lavanderia. Uma vez constituídos seus empreendimentos, passou a contar com o trabalho assalariado. Dispôs de cinco formas de trabalho: o seu, do pai, dos tios, da facção e dos funcionários assalariados.

Empresário 8:

O seu trabalho propiciou um certo acúmulo de capital financeiro, através das duas ocupações que tinha (vender alimentos na feira e atuar como policial militar). Associado ao trabalho da esposa, que era costureira, garantiu sua iniciação na produção de peça completa. Uma produção modesta, que inicialmente contava com a esposa como única trabalhadora, costurando num local terceirizado para poder vender na Feira da Sulanca.

Com o que ganhou nas vendas, passou à produção de fundo de quintal agregando ao seu ambiente doméstico algumas máquinas e funcionários. Funcionários trabalhando na informalidade por quase duas décadas, chegando a um quantitativo numérico alto, antes de se formalizar. Após formalizado, além do seu trabalho e da esposa, continuou contando com o trabalho dos funcionários, porém, assalariados.

Utilizou, portanto, quatro formas de trabalho: o seu, o da esposa, dos funcionários informais e dos funcionários assalariados.

Empresária 9:

O primeiro trabalho que lhe serviu de alicerce foi dos seus pais, principalmente, do pai que ergueu e estruturou o negócio. O pai trabalhou como feirante, vendendo aviamentos e outros itens, com o que acumulou abriu a loja de tecidos, já contando com o trabalho da esposa, que havia se aposentado como professora e deixou os correios. A Empresária 9 passou a complementar o trabalho do pai como ajudante no setor financeiro. Após a morte do pai, assumiu junto com a mãe o comando do negócio. Foi nesse momento que sua gestão passou a contar diretamente com a colaboração dos funcionários, em

função da empresária e sua mãe não entenderem tecnicamente do funcionamento da fábrica.

Após o falecimento da mãe, a empresária passou a comandar sozinha a empresa e continuou tendo como principal fonte de trabalho os seus funcionários. Sendo assim, desfrutou de quatro formas de trabalho: dela, do pai, da mãe e dos funcionários.

Empresário 10:

A modalidade de trabalho que mais o ajudou foi o trabalho familiar. Primeiro, da sua mãe, enquanto provedora, que migrou de Recife para Caruaru em busca de um trabalho para sustentar os filhos: o trabalho a ser realizado na loja de aviamentos de um primo. Esse trabalho foi extensivo ao Empresário 10, como sua primeira experiência no comércio e em atividades afins da confecção. Não é demais considerar o trabalho do primo ao estruturar a loja onde teve a primeira experiência de trabalho e onde aprendeu a atuar no comércio.

Depois contou com o trabalho do sogro, que ergueu a fábrica de confecções onde o Empresário 10 passou a atuar como gestor, ao lado da esposa e da cunhada. O trabalho familiar, após sua ascensão à condição de empresário, passou a dividir importância com o trabalho assalariado formal dos funcionários da fábrica. Estruturou-se fazendo uso de sete formas de trabalho: o dele, da mãe, do primo, do sogro, da esposa, da cunhada e dos funcionários assalariados.

Empresário 11:

Não teve um histórico de trabalhar sozinho, no sentido de ser autônomo, ou em parceria com alguém da família antes de se tornar empresário. Viveu a condição de trabalhador de uma multinacional, um trabalhador qualificado, pois possuía curso superior em Administração. Foi nessa experiência que aprendeu princípios práticos de gestão.

Em seguida, seu trabalho foi associado ao trabalho do sogro. Este, por sua vez, montou sua fábrica nos moldes já conhecidos aqui: produção informal voltada para o mercado de feira. Com o trabalho e a experiência do sogro constituiu seu negócio para atuar na Feira da Sulanca. Passou a contar, nesta circunstância, com o trabalho assalariado

formal dos funcionários. Dispôs, portanto de três formas de trabalho: o dele, do sogro e dos funcionários assalariados.

Após o mapeamento individual dos usos do trabalho pelos empresários, vejamos algumas considerações.

Ainda que produzir peça completa seja a atividade que preside o acesso à posição de empresário, os agentes sociais aqui analisados não estruturam seus negócios sozinhos. O esforço maior, para a maioria dos empresários entrevistados, foi pessoal, mas não foi essa a única forma de trabalho utilizada. É preciso considerar os outros tipos de trabalho envolvidas na produção de confecções no Polo.

Cada relação mantida entre os empresários e seus parceiros – seja alguém da família, um empregador, um comerciante ou produtor que o ajudou, ou outras pessoas que passaram a integrar suas relações familiares, resultou na associação de diferentes tipos de trabalho a seu dispor. E os usos que os empresários fizeram dos diferentes tipos de trabalho não foi apenas o trabalho de realização da produção, mas se estendia à possibilidade de garantir, assegurar, sua condição de produtor e meio de conquistar poder na estrutura produtiva: o poder de quem tem estrutura mínima para produzir associado ao poder de contratar ou pagar pelo trabalho de terceiros. Segundo Bourdieu (2004, p.14),“Isso significa que o poder simbólico não reside nos sistemas simbólicos em forma de uma ‘illocutionary force’, mas que se define numa relação determinada entre os que exercem o poder e os que lhe estão sujeitos”.

A partir do Mapeamento Individual dos Usos do Trabalho é possível inferir que o segundo elemento significativo na conquista da posição de empresário foi a apropriação de várias modalidades de trabalho para fazer a produção acontecer e consolidar a mudança da condição de trabalhador para a de empresário. Foi colocado anteriormente que o primeiro passo para chegar à condição de empresário era produzir peça completa, este seria o mecanismo que presidia o acesso à posição de empresário. A apropriação de vários tipos de trabalho, por sua vez, foi o mecanismo que conduziu à consolidação da posição recém ocupada. Se a produção garantia o acesso à posição, o trabalho deu o alicerce para produção continuar acontecendo e assegurar o negócio.

Assim, o trabalho foi o alicerce tanto da entrada quando da consolidação da posição de empresário. Na entrada, propiciou o acúmulo de algum capital, associado a outros capitais também conseguidos pelo trabalho, para montar a estrutura mínima de produzir peça completa. Na consolidação, a continuidade da produção somente foi

possível pela apropriação do trabalho de outros agentes sociais que, somado ao do empresário, o impeliram para consolidar a posição conquistada. Ao chegar nesse ponto, já não se tratava mais de chegar à condição de empresário, mas de manter-se na posição e manter-se socialmente neste status.

Cabe indagar, mediante a situação, porque parecia tão corriqueiro, tão simples, tão normal, a apropriação dos trabalhos dos outros pelos empresários?