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CAPÍTULO 4 IMPRESSÕES E PERSPECTIVAS SOBRE AS CONVENÇÕES DE

4.2 Resultados práticos, impressões e perspectivas com relação ao regime de

4.2.2 Escopo geográfico

As convenções de 1992 sobre responsabilidade e compensação por poluição por petróleo são geograficamente definidas como aplicáveis exclusivamente, conforme artigo II da CLC 1992 e artigo 3 da convenção para o Fundo de 1992:

(a) a dano por poluição causado:

(i) no território, incluindo o mar territorial, de um Estado Contratante, e (ii) na zona econômica exclusiva de um Estado Contratante, estabelecida de acordo com o Direito Internacional ou, se um Estado Contratante não tiver estabelecido tal zona, numa área além e adjacente ao mar territorial daquele Estado, determinada por aquele Estado de acordo com o Direito Internacional e não se estendendo a mais de 200 milhas náuticas das linhas de base a partir das quais é medido o seu mar territorial;

(b) a medidas preventivas, onde quer que tenham sido tomadas, para impedir ou minimizar tais danos.

Conforme já analisado, o lugar onde o incidente ocorreu e a nacionalidade do navio envolvido são irrelevante, bastando que o dano oriundo de poluição por petróleo advenha de incidente com navio-petroleiro e que esse dano tenha ocorrido no território, mar territorial ou na zona econômica exclusiva de um Estado contratante. No entanto, e quanto ao alto mar? Por que o dispositivo não faz referência às áreas marinhas comuns?

A convenção do Mar, de 1982, entende alto mar como “[...] todas as partes do mar não incluídas na zona econômica exclusiva, no mar territorial ou nas águas interiores de um Estado, nem nas águas arquipelágicas de um Estado arquipélago.” 20 Atualmente o alto mar é aberto a todos os Estados, quer costeiros ou não, mas não foi sempre assim. Nos séculos 15 e 16, Espanha e Portugal, apoiados pelas bulas papais de 1493 e 1506 que dividiam os mares do mundo entre as duas potências, haviam proclamado o conceito de “mar fechado” 21

. Essa noção foi substituída no século 18 pelo conceito do “mar aberto”, decretando a liberdade dos mares. A essência da liberdade do alto mar é que nenhum Estado pode submeter à sua soberania qualquer parte dele 22. Não significa, no entanto, que não exista qualquer tipo de ordem e jurisdição em alto mar. A regra se dá pela nacionalidade do navio e a consequente jurisdição do país de bandeira a qual determinado navio arvora, de forma que no âmbito daquele navio, aplicar-se-ão as leis do Estado de bandeira. Isso, todavia, não soluciona a questão do regime em análise no caso de, num incidente, esse navio ocasionar poluição por derramamento por petróleo, justamente porque a regra nas convenções de responsabilidade e compensação é dada pelo local do dano, não do incidente ou da bandeira do navio. Ou seja, como em alto mar não há soberania de nenhum navio, não há direito a ação de compensação pelos danos ocorridos nessa área, pois, em tese, nenhum Estado foi afetado.

O posicionamento do Fundo IOPC de 1992 é que ações de compensação somente são cabíveis nos casos de alguma medida preventiva ou de limpeza tenha sido tomada em alto mar, desde que ao incidente sejam aplicáveis as convenções de 1992, isto é, que o navio, o petróleo, e outras definições estejam de acordo com o estipulado nas convenções. Além disso, os custos somente serão compensados caso os atos tomados tenham sido efetivos em reduzir

20

Convenção do Mar, art. 86. BRASIL. Decreto nº 1.530, de 22 de junho de 1995. Declara a entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, concluída em Montego Bay, Jamaica, em 10 de dezembro de 1982. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 jun. 1995. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/1995/decreto-1530-22-junho-1995-435606-publicacaooriginal-1- pe.html>. Acesso em 12 fev. 2017.

21

SHAW, Malcolm N. International law. 7th. ed. Cambridge (UK): Cambridge University Press, 2014. p. 441. 22

ou prevenir os danos pela poluição. Cumpre lembrar que a intervenção em alto mar é autorizada pela convenção internacional sobre intervenção em alto mar em casos de incidentes com poluição por petróleo, assinada em 1969, motivada pelo incidente de Torrey Canyon em 1967, como já apontado no capítulo 2. A convenção estipula que os Estados parte podem, em caráter excepcional, tomar medidas em alto mar quando for necessário prevenir, mitigar ou eliminar perigo ou ameaça grave e iminente de poluição por petróleo a sua costa ou no mar em consequência de um incidente marítimo, do qual é razoável esperar como resultado consequências extremamente danosas 23. Essa convenção, portanto, trata do direito de os Estados agirem, na prática, em casos de incidente que venha causar poluição dos mares e costas, mas não trata da questão da responsabilidade e compensação pelos danos, que ficam a cargo das convenções de 1992.

Fora as ações de limpeza e prevenção, no entanto, não há espaço para aplicação das convenções em danos ocorridos em alto mar. Isso decorre, em grande parte, pela falta de motivação entre os Estados para mitigar danos que não afetam nenhum direito ou interesses de um Estado 24. Os Fundos IOPC argumentam que devido às rotas de navegação mundiais tais derramamentos são raros e, ainda que possíveis, o mais provável é que, pela dispersão do petróleo, qualquer consequência adversa será eventualmente manifestada no território do Estado contratante e a compensação requerida por via de ações nacionais. Ou seja, caso o incidente ocorra em alto mar, os danos não serão indenizáveis até/ a menos que atinjam um Estado contratante.

O governo italiano tentou argumentar contra essa determinação no caso Patmos, em que o petroleiro grego colidiu com o petroleiro espanhol Castillo de Montearagon próximo a costa italiana, resultando num derramamento de 700 toneladas de petróleo cru do navio Patmos. O petróleo derramado se dispersou pelo mar e algumas toneladas chegaram à costa italiana, causando danos por poluição. As autoridades italianas tomaram inúmeras medidas para conter petróleo e prevenir danos nas regiões da Sicília e Calábria, na Itália. O governo italiano submeteu uma reclamação pleiteando o valor de 2 milhões de libras por danos ao meio ambiente marinho. Entre os pedidos constava a compensação por poluição fora do mar territorial, que correspondia a 20% da área total poluída. No entanto, o pleito foi negado em

23

Artigo I (1) - INTERNATIONAL CONVENTION RELATING TO INTERVENTION ON THE HIGH SEAS IN CASES OF OIL POLLUTION CASUALTIES. Brussels, 1969. Disponível em: <http://www.oman.om/wps/wcm/connect/9d90cd82-26a6-4980-98e1-

31469d70bc1d/14(1969)+International+Convention+Relating+to+Intervention+on+the+High+Seas+in+Cases +of+Oil+Pollution+Casualties.pdf?MOD=AJPERES>. Acesso em: 12 fev. 2017.

24

MASON, Michael. Transnational compensation for oil pollution damage: examining changing spatialities of environmental liability. London: LSE Research Online, 2002. p. 15. Disponível em: <http://eprints.lse.ac.uk/570/1/RPESA-no69%282002%29.pdf>. Acesso em: 3 mar. 2016.

grau de recurso, com a Corte reafirmando que o Estado italiano não poderia sob os termos da convenção de responsabilidade civil trazer ação de compensação pelos danos ocorridos em alto mar. A corte somente aceitou o pedido de indenização pelas medidas preventivas de remoção do petróleo, aprovando a compensação no valor de apenas 827.000 libras. 25

Esse posicionamento por parte do Fundo ressalta e deixa evidente que o regime de responsabilidade e compensação por poluição por petróleo está confinado aos danos ocorridos nas zonas costeiras dos Estados 26. Mas, como pode o Fundo assim entender se o alto mar é um espaço comum, de toda a coletividade? Como lidar com danos por poluição lá ocorridos, que afetam não apenas um Estado, mas todos por ser um direito difuso? Essa é uma questão que pode ter um possível encaminhamento com as sugestões dos tópicos a seguir.