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CAPÍTULO 3: AVALIANDO A EFETIVIDADE DO PNLD QUANTO ÀS RELAÇÕES

3.2 História dos afrodescendentes

3.2.1 Escravidão e resistência

O processo de colonização do Brasil, sobretudo, a aquele empreendido a partir de sua segunda fase iniciada em 1532, passa a fundamentar sua atividade econômica e relações de produção, predominantemente, no latifúndio monocultor e trabalho compulsório. Sai de sua fase pré-colonial, marcada por uma economia extrativista de mercadorias como o pau-brasil, papagaios e outros e no escambo entre os portugueses e índios para se organizar nas atividades de monoculturas exportadoras como a cana-de-açúcar, tabaco, café, dentre outros baseadas na grande propriedade e no trabalho escravo tanto dos indígenas como dos africanos e de seus descendentes (SILVA, 1990). Por isso, o tema da escravidão é tão recorrente em nossos livros didáticos, pois foi no trabalho compulsório que se desenvolveu a atividade comercial de monocultura de exportação que configurou o período colonial e imperial de nossa história. Além da escravidão passa a ser abordado também os processos de resistência contra a escravidão.

Nas coleções didáticas aqui tratadas, como já vimos, esses temas estão presentes, especialmente quando tratam dos processos de colonização do Brasil, os sistemas econômicos e sociais aqui desenvolvidos. No entanto, suas abordagens apresentam algumas limitações, por vezes, problemáticas. Uma dessas limitações refere-se às justificativas que envolvem a substituição da mão de obra indígena escravizada para a africana escravizada, no qual os livros apresentam justificativas incompletas, destacando, principalmente, o fator econômico advindo do lucro promovido pelo tráfico negreiro, outras vezes, apresentam uma resistência dos indígenas ou de sua incompatibilidade cultural que os impedia de serem utilizados como mão de obra.

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Outro fator problemático encontrado nos livros quando refere-se à apresentação dos africanos e afrodescendentes no período colonial apenas como escravos, silenciando quanto a possibilidade de estarem em outra condição social, como os negros forros, por exemplo. Apesar disso, os autores dos didáticos tentam apresentar a distintas funções que os escravizados desempenhavam na sociedade colonial, além das atividades domésticas e os que trabalhavam na lavoura/no eito, como corriqueiramente são descritos. Por fim, quanto à resistência negra a escravidão as obras didáticas concentram-se na abordagem, principalmente, da formação de quilombos, mencionam outras formas, mas de modo superficial. Essa mesma superficialidade é tratada a resistência cultural dos africanos e seus descendentes no Brasil.

Quando os livros didáticos descrevem as justificativas que teriam levado a substituição da mão de obra indígena escravizada pela africana escravizada os autores elencam vários motivos. No entanto, tais justificativas são incompletas ou, em alguns casos, imprecisas. Vejamos como as obras apresentam essa abordagem.

Na obra de Braick e Mota (2013b), essa discussão é apresentada, rapidamente, no capítulo 4, tópico: O vantajoso tráfico negreiro, p. 46:

No início da colonização, os indígenas foram obrigados a trabalhar no sistema de

plantation ou nas roças de subsistência. Mas eles não supriam totalmente as

necessidades dos senhores: tinham baixa imunidade às doenças de origem europeia; alguns povos resistiam com armas à captura; e, sempre que possível, fugiam para os sertões. Outro fator, para alguns estudiosos o mais importante, era o alto lucro que o tráfico negreiro representava para as metrópoles portuguesas. Além disso, os índios contavam com a proteção dos jesuítas que provocava conflitos entre esses religiosos e colonos. Esses aspectos contribuíram para a substituição do trabalho escravo nativo pelo africano na agroindústria açucareira do Nordeste (BRAICK; MOTA, 2013b, p. 46).

Já Boulos Júnior (2013b), destaca no capítulo 5, tópico “Mão de obra”, pág. 83, as seguintes razões como as responsáveis pela mudança de mão de obra indígena pela africana:

 A alta lucratividade do tráfico de africanos. O trafico atlântico dava lucros aos comerciantes brasileiros, europeus e ao governo de Portugal, que cobrava impostos sobre o comércio;

 A habilidade dos africanos em funções como mestre de açúcar, purgador, ferreiros, caldeireiros etc. Os portugueses já tinham se utilizado dos seus serviços nos engenhos da Ilha da Madeira, Cabo Verde e Açores;

 A escassez de indígenas (por morte ou fuga) nas áreas açucareiras (BOULOS JÚNIOR, 2013b, p. 83).

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E, por fim, a abordagem dada pelo Cotrim (2013b) quanto a essa questão encontra-se no capítulo 3, tópico: “Mão de obra: a escravização do trabalho africano”, p.35-36, no qual o autor elenca e descreve os seguintes razões para justificar essa mudança:

 Barreira cultural – os indígenas do sexo masculino não estavam adaptados ao trabalho nas lavouras, que era incumbência das mulheres indígenas. Havia, portanto uma barreira cultural difícil de ser rompida pelo colonizador.

 Epidemias – o contato intenso com os colonizadores, nas aldeias e nos engenhos, levou à transmissão de varias doenças europeias epidêmicas (varíola, gripe, etc.) aos indígenas, que não tinham resistência imunológica contra elas. Milhares deles morriam em decorrência dessas epidemias [...]

 Domínio de certas técnicas pelos africanos – muitos negros provinham de culturas familiarizadas com metalurgia e a criação de gado – atividades úteis na empresa açucareira. Como escreveu o historiador Stuart Schwartz, os africanos sem dúvidas não eram mais “predispostos” ao cativeiro do que índios, portugueses, ingleses ou qualquer outro povo arrancado de sua terra natal e submetido à vontade alheia, mas as semelhanças de sua herança cultural com as tradições europeias valorizavam-nos aos olhos.

 Oposição à escravidão indígena – vários setores da Igreja e da Coroa opuseram-se à escravização dos indígenas, o que não aconteceu em relação à escravidão dos africanos.

[...] a preferência pela escravização dos africanos foi principalmente motivada pelos lucros gerados com o tráfico negreiro, que se inseria na “engrenagem do sistema colonial” montado no Brasil (COTRIM, 2013b, p. 35).

Desse modo, os autores dos livros didáticos apresentam várias razões para justificar a predominância da mão de obra escravizada africana no lugar da indígena. Dentre essas razões a questão econômica aparece preponderante nas descrições. Com certeza, o lucro resultante do tráfico negreiro foi um fator importante para essa “mudança”, no entanto, quando as obras citam esse elemento o fazem, na maioria das vezes, acentuando o protagonismo quase exclusivo dos europeus ou brasileiros nesse tráfico, minimizando ou omitindo a participação dos africanos. Podemos notar isso na descrição citação de Boulos Júnior (2013b), quando atribui os lucros dessa atividade comercial apenas aos comerciantes brasileiros, europeus e o governo português. Fato que colabora para perceber a justificativa econômica de modo incompleto, visto que minimiza ou omite parte dos agentes envolvidos na dinâmica e, por sua vez, nos lucros do tráfico de escravos africanos.

No que concernem às demais razões destacadas notamos algumas imprecisões. Dentre elas destacamos “a escassez de indígenas, seja por morte ou fuga, nas áreas açucareiras”, conforme apontou Boulos Júnior (2013b, p. 83). Embora muitos autores, como Darcy Ribeiro (1995), já apontassem a questão das epidemias como um dos fatores cruciais para a dizimação que vivenciou os povos indígenas na primeira fase da colonização, a argumentação dessa escassez de mão de obra indígena afirmada por Boulos Júnior (2013b) é imprecisa. Isso porque, conforme aponta Carvalho (2006):

123 Para dar conta dessa afirmação, precisaria levantar, relacionar e apresentar o número de indígenas naquele contexto a fim de analisar se a opção pelos negros realmente foi porque não tinha população nativa suficiente para a demanda de trabalho com a cana-de-açúcar (CARVALHO, 2006, p. 94).

Desse modo, a afirmação da escassez de contingente indígena para trabalhar nos latifúndios monocultores, sobretudo, da cana-de-açúcar, seria necessária realizar uma investigação mais precisa que envolve levantamento de dados, comparação desses dados demográficos da população indígena e o contexto/região no qual estava inserida para ver se era necessário a demanda pelos escravizados africanos.

Além dessas imprecisões as justificativas quanto à mudança de mão de obra escrava nos livros didáticos estão incompletas, visto que nenhuma das obras menciona um fator que perpassou a escravização dos negros africanos, que foi os estereótipos raciais que conferiam uma suposta inferioridade do negro perante o branco que, portanto, justificaria sua submissão. Conforme aponta M’Bow (2010):

Desde que foram empregadas as noções de “brancos” e “negros”, para nomear genericamente os colonizadores, considerados superiores, e os colonizados, os africanos foram levados a lutar contra uma dupla servidão, econômica e psicológica. Marcado pela pigmentação de sua pele, transformado em uma mercadoria entre outras, e destinado ao trabalho forçado, o africano veio a simbolizar, na consciência de seus dominadores, uma essência racial imaginária e ilusoriamente inferior: a de

negro (M’Bow, 2010, p. XXII).

Assim, fixou-se nas diferentes características físicas, sobretudo, na cor da pele uma noção/conceitos de “negro” e “branco” que serviu não apenas para classificar ou distinguir os grupos humanos, mas, principalmente, para criar um suporte ideológico que justificasse a submissão, escravização e exploração dos africanos, fixando-lhes a partir da cor uma imagem negativa, inferiorizada. Inclusive, conforme apontam Del Priore e Venâncio (2004), os autores da antiguidade, os relatos de alguns navegantes, os mapas medievais produzidos pelos geógrafos antigos, as parábolas medievais ajudaram a construir e sustentar essa imagem negativa que se produziu em relação ao negro/africano. Ou seja, os autores destacam como os escritos teológicos produzidos pelos árabes, cristãos e judeus serviu de justificativa ideológica para fixar uma imagem de inferioridade entre os negros/africanos e legitimar a sua escravização.

Um dos contextos que ajudou a consolidar a relação negativa entre a imagem e a cor do africano foi o das parábolas medievais. Espécie de sermão com orientação moral, o chamado exemplum era passado às pessoas durante a missa dominical. Nele, a figura de Satã é sempre “negra como um etíope”. Em contraposição aos anjos,

124 resplandecentes de brancura, o Diabo é um gigante, uma sombra, um animal, enfim, tem mil formas, mas sempre negro. [...] Nesse tipo de literatura, mesmo o pecador branco passa a ter pele negra pela gravidade dos males cometidos. [...] O livro do Gênesis, no qual bebia a cultura clerical europeia, revela que Cã, segundo filho de Noé, exibiu-se diante de seus irmãos, gabando-se de ter visto o sexo de seu pai, quando esse se encontrava bêbado. Para castigá-lo, o patriarca amaldiçoou Canaã, filho de Cã; ele e sua descendência se tornariam servidores de seus irmãos e sua descendência. [...] Lendas contam que os filhos dos filhos dos amaldiçoados foram viver em terras iluminadas por um sol que os queimava, tornando-os negros (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2004, p. 58-59).

Assim, foram construindo a partir dos escritos teológicos, dos escritos dos navegantes uma imagem de inferioridade e negatividade em torno da cor negra dos africanos que serviu de suporte ideológico para tornar sua exploração e escravização justificável. Conforme aponta Silva (2002a), essa adulteração que associa os negros/africanos aos filhos amaldiçoados de Canaã é feita pelos autores islâmicos, embora já existissem nos escritos cristãos e judeus e, serve ainda segundo o autor para fundamentar “um vínculo estreito entre a cor da pele e a escravidão” (SILVA, 2002a, p. 59). Assim, cria-se uma justificativa na qual o negro é visto como sinônimo de escravo, em decorrência dos estereótipos criados pelo estranhamento quanto à cor da sua pele, que dentre as explicações religiosas seria uma característica resultante da maldição lançada por Noé aos descendentes de Cã.

Desse modo, ao descrever, ou melhor, elencar as razões que levaram a substituição do trabalho escravo indígena para o africano esses elementos devem ser explicitados, inclusive, para dar conta da argumentação de que a igreja católica se opôs a escravização dos indígenas, como apontou Cotrim (2013b), uma vez que, a própria igreja católica foi conivente com o processo de escravização dos africanos, criando, como vimos um suporte ideológico que justifica essa exploração. Por isso, quando os livros didáticos omitem os estereótipos raciais como um dos fatores que ajudaram a justificar essa mudança de mão de obra cativa, nossa compreensão quanto aos fatores que legitimaram a dominação e exploração dos africanos torna-se incompleta, sendo justificada, majoritariamente, a questão econômica e negligenciando o que deu sustentação a essa exploração, ou seja, o suporte ideológico, os estereótipos que conferiram uma pretensa inferioridade e negatividade em torno dos negros/africanos.

Quando se referem à população negra/africana no período colonial os livros apresentam-na apenas como escrava. Em uma das obras didáticas aqui tratadas, inclusive, não há menção a existência de negros em outras condições como livres, forros. Conforme podemos ver na citação a seguir, quando o autor faz uma descrição da sociedade colonial açucareira,

125 Entre aqueles que compunham a sociedade açucareira havia senhores, escravos e pessoas de diversas ocupações, como: feitores, mestres de açúcar, purgadores, agregados, padres, alguns funcionários do rei e profissionais liberais (médicos, advogados, engenheiros) (COTRIM, 2013b, p. 32).

Como podemos perceber, os negros/africanos são descritos apenas como escravos. Apesar disso devemos considerar a menção apresentada nos outros livros didáticos, mesmo que de modo breve, a existência de negros/africanos e indígenas em outros status que não o de escravo, como apresentamos na citação abaixo:

Durante o período colonial existiu um conjunto heterogêneo de pessoas, na maioria pobres, designados como desclassificados. Tal contingente era formado por escravos libertos, mestiços, índios aculturados e brancos pobres. Os homens tendiam a trabalhar como artesãos, alfaiates, sapateiros e barbeiros. Já a mulheres costumavam trabalhar como costureiras e vendedoras ambulantes (BRAICK, MOTA, 2013b, p. 74).

É importante para construir o conhecimento histórico quanto à sociedade colonial não era formada pela oposição simples entre senhores (brancos) e escravos (negros), mas existia outros contingentes como os mestiços, os indígenas também faziam parte dessa sociedade, bem como alguns negros forros, libertos. Assim, alguns negros desfrutavam outro status social.

Vale destacar aqui um dos pontos positivos encontrados nas obras foi à preocupação dos autores em destacar a diversidade de funções, ou melhor, ocupações desempenhadas pelos africanos escravizados na sociedade colonial, ultrapassando as funções domésticas e na agricultura como corriqueiramente são referidas. Conforme destacado abaixo:

Na obra de Boulos Júnior (2013b), esse tema é assim apresentado:

[...] a população escravizada estava assim distribuída: escravos do campo (agricultores, criadores e condutores de boiadas, pescadores, caçadores, carroceiros etc.) constituíam 80% do total; trabalhadores dedicados a fabricação e beneficiamento do açúcar correspondiam a 10%; os domésticos (cozinheiras, faxineiras, camareiras etc.) e artesãos (oleiros, pedreiros, ferreiros), juntos, compunham os outros 10% (BOULOS JÚNIOR, 2013b, p. 87).

O autor ainda acrescenta a seguinte observação junto ao desenho de três escravos que ilustra esse ponto: “os negros escravizados trabalhavam também construindo casas e chafarizes, transportando mercadorias e/ou pessoas, comerciando pelas estradas e vilas” (BOULOS JÚNIOR, 2013b, p. 87).

Na obra de Braick e Mota (2013b), as autoras apresentam também uma descrição sucinta sobre os usos da escravidão africana no Brasil:

126 [...] utilizada na produção de açúcar, nas lavouras, nas tarefas da casa-grande, na mineração e, em menor escala, na criação de gado. Nos centros urbanos, existiam os escravos domésticos, os de ganho e os de aluguel. Os escravos de ganho trabalhavam em diversas funções remuneradas: transportadores de cargas e de pessoas, vendedores ambulantes, barbeiros, curandeiros, prostitutas, “negras do tabuleiro”, que vendiam doces e quitutes, entre outras atividades. Parte do dinheiro obtido nesses serviços era repassado aos senhores, e o restante era guardado pelos escravos para seus gastos com alimentação, vestuário, compra de ferramentas, e, eventualmente, para obtenção de alforria. Escravos de aluguel, por sua vez, eram alugados a terceiros para o desempenho das mais variadas tarefas (BRAICK, MOTA, 2013b, p. 74).

Por fim, na obra de Cotrim (2013b), essa descrição é mais detalhada, classificando escravizados africanos pelas funções desempenhadas, tempo de vivencia na colônia e grau de “adaptação”, conforme apresentamos abaixo:

Escravos de ganho: [...] eram aqueles que viviam nas cidades e realizavam trabalhos temporários em troca de pagamento, que era revertido, parcial ou totalmente, para os seus proprietários. Entres os escravos de ganho predominava o comércio ambulante. Devido às maiores possibilidades de circulação e de ganho, a vida nas cidades era preferível para os escravos; ali, podiam juntar algum dinheiro com suas tarefas e, eventualmente, conseguir comprar sua liberdade.

Escravo do eito: Os escravos que trabalhavam nas lavouras eram chamados de negros do eito. Assim como os que lidavam com a mineração, viviam sobre fiscalização do feitor e trabalhavam 15 horas por dia.

Escravos domésticos: Os escravos domésticos eram escolhidos entre aqueles que os senhores consideravam mais bonitos, dóceis e confiáveis.

Boçal e ladino: Outro fator que distinguia os escravos era o processo de “adaptação” cultural. Tinha menor valor o boçal, designação dada ao escravo recém-chegado da África, que desconhecia a língua portuguesa e o trabalho na colônia. Em contrapartida, o ladino era mais valorizado: o escravo que entendia a língua portuguesa e já havia aprendido a rotina do trabalho. (COTRIM, 2013b, p. 43).

Desse modo, percebemos em todos os livros didáticos a preocupação dos autores em apresentar, alguns de modo mais detalhados que outros, as diversas funções desempenhadas pelos africanos escravizados no Brasil, inclusive algumas dessas funções com uma relativa mobilidade, como é o caso dos escravos de ganho. Atentar para uma abordagem de que a sociedade colonial os negros não foram apenas escravos, bem como que desempenharam variadas funções, não necessariamente ligada à agricultura, sinaliza para uma mudança de perspectiva, que tende a quebrar a visão restrita e simplista propagada pela historiografia que tende a associar, unicamente, o negro a condição de escravo e de trabalhador braçal.

Quando se referem à origem dos escravizados africanos trazidos para o Brasil os autores das obras didáticas adotam a classificação segundo o grupo linguístico, entre sudaneses e bantos. Conforme destaca Braick e Mota (2013a, p. 223) “arrancados de sua comunidade e privados

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de liberdade, esses africanos eram originários, principalmente, de dois grandes grupos linguísticos, sudaneses e bantos”. Essa mesma classificação é apontada por Cotrim:

[...] Entre os principais grupos africanos trazidos para o Brasil, destacam-se: Os bantos: originários da África central, geralmente de Angola e do Congo [...] e os sudaneses: provinha das regiões africanas de Daomé (Benin), Nigéria e Guiné, na África ocidental (COTRIM, 2013B, p. 43).

Já na obra de Boulos (2013b, p.101), ele também classifica os povos segundo o grupo linguístico e a localização geográfica de onde eram embarcados os escravizados, apresentando também alguns povos que teriam constituído um desses grupos:

[...] A maior parte desses africanos era banto, vinda do Congo, do Ndongo (Angola) e Moçambique [...]. Outra parte era proveniente de uma extensa área da costa ocidental da África chamada, na época, de Guiné. Nela foram embarcados os sudaneses, entre os quais se destacam os iorubas, conhecidos na Bahia como nagôs, e o jejes [...]. Além desses dois grandes grupos, foram trazidos também povos islamizados, como os mandigas e os hauçás (BOULOS JÚNIOR, 2013b).

De fato, os africanos forçosamente trazidos para trabalhar no Brasil eram provenientes desses dois grupos étnico-linguístico: os sudaneses e bantos. No entanto, o que as obras não mencionam, com exceção da de Boulos Júnior (2013b) que ainda apresenta alguns povos pertencentes ao grupo sudanês, é que cada um desses grandes grupos é composto por diversos povos, falantes de uma grande diversidade de línguas e pertencentes a uma diversidade maior grupos étnicos. Desse modo, ao apresentar uma abordagem que classifica os africanos escravizados em sudaneses e bantos, sem explicar quem seriam os povos e/ou etnias, as obras didáticas acabam por transformar as diversas étnicas africanas em apenas duas.

Já, quanto aos processos de resistência negra/africana a escravização as obras dão maior destaque a formação dos quilombos, sobretudo, o quilombo dos Palmares. Na obra de Cotrim (2013b) e de Boulos Júnior (2013b) há uma descrição mais detalhada desse tema, no entanto, todas as obras apresentam um breve histórico cronológico que vai de sua formação à sua destruição. Há referências a outras formas de resistência negra, mas ganham, no geral, menor destaque. Dentre as obras avaliadas a que apresenta uma descrição mais detalhada dessas outras formas de resistência vivenciadas pelos africanos e seus descendentes é a obra de Cotrim (2013b), que elenca as seguintes formas:

 Violência contra si mesmo – algumas mulheres, por exemplo, provocavam abortos para evitar que seus filhos também fossem escravos; outros cativos chegavam a praticar o suicídio, enforcando-se ou envenenando-se.

128  Fugas individuais e coletivas – as fugas eram constantes. Alguns escravos fugidos buscavam a proteção de negros livres que viviam nas cidades; outros, para dificultar a captura e garantir a subsistência, formavam comunidades, chamadas quilombos, com organização social própria e uma rede de alianças com diversos

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