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As relações raciais: uma avaliação da efetividade do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS

ANA CAROLINA ARAÚJO DE FRANÇA

AS RELAÇÕES RACIAIS: UMA AVALIAÇÃO DA EFETIVIDADE DO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO – PNLD 2015

NATAL/RN

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ANA CAROLINA ARAÚJO DE FRANÇA

AS RELAÇÕES RACIAIS: UMA AVALIAÇÃO DA EFETIVIDADE DO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO – PNLD 2015

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de mestra em Ciências Sociais, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

Orientador: Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa

Natal/RN

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França, Ana Carolina Araújo de.

As relações raciais: uma avaliação da efetividade do Programa Nacional do Livro Didático - PNLD 2015 / Ana Carolina Araújo de França. - 2017.

146f.: il.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais. Natal, RN, 2017.

Orientador: Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa.

1. Programa Nacional do Livro Didático (PNLD). 2. Livro didático. 3. Relações étnico-raciais. 4. Políticas públicas. I. Costa, João Bosco Araújo da. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 37.014.5

Elaborado por Ana Luísa Lincka de Sousa - CRB-15/748

Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes – CCHLA

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ANA CAROLINA ARAÚJO DE FRANÇA

AS RELAÇÕES RACIAIS: UMA AVALIAÇÃO DA EFETIVIDADE DO PROGRAMA NACIONAL DO LIVRO DIDÁTICO – PNLD 2015

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de mestra em Ciências Sociais, pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.

Orientador: Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa

BANCA EXAMINADORA

Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa – UFRN

Orientador

Prof. Dr. Luiz Carvalho de Assunção – UFRN

Examinador Interno

Prof. Dr. Vanderlan Francisco da Silva – UFCG

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DEDICATÓRIA

Dedico esse trabalho aos meus pais, Joaquim Carlos e Vilma Aparecida, pelo apoio, compreensão e incentivos incondicionais. Obrigada, pai e mãe! Às minhas amigas, Mikelly e Mikarla Gomes por todo apoio e solidariedade que tiveram por mim nos momentos de adversidade. Obrigada!

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AGRADECIMENTOS

Esse trabalho não seria possível sem a compreensão e apoio das pessoas que acompanharam a minha jornada durante a elaboração dessa pesquisa.

Agradeço, em primeiro lugar, à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior – CAPES por ter financiado essa pesquisa. À Base Poder Local, Desenvolvimento e Políticas Públicas – UFRN, que foi o local de apoio aos meus estudos e pesquisa no decorrer do mestrado.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFRN pelo apoio, sobretudo, aos secretários da pós-graduação Jefferson e Otânio pela presteza e dedicação para sanar minhas dúvidas, obrigado!

Ao meu orientador, Prof. Dr. João Bosco Araújo da Costa, por ter aceitado me orientar, pela atenção e paciência que teve durante meu processo de escrita e por permitir que eu o concretizasse dentro do meu tempo. Obrigado, professor! Ao professor Dr. Luiz Assunção, por ter participado e contribuído, tanto na graduação quanto no mestrado para meu amadurecimento acadêmico com ótimas sugestões para que esse trabalho crescesse e se concretizasse. Estendo os agradecimentos a professor Drª. Joana Moura pelas contribuições que fez durante minha qualificação.

Agradeço aqueles que me proporcionaram o acesso os livros didáticos aqui avaliados e tornaram essa pesquisa possível, à Karla Danielle, Fernando Júnior, Hermínio Gomes, Jandson e os coordenadores da Escola Estadual Duarte Pereira, Wilson e Sandra, obrigado!

Aos colegas e amigos que fiz no mestrado do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais – PPGCS/UFRN, que compartilharam os momentos de alegria, angústia, solidão, enfim, a “gangorra” emocional que é nosso amadurecimento acadêmico, sobretudo, aqueles que me apoiaram e me incentivaram nesse processo, Michael Marques, Sidney Oliveira, Marlla Suéllen, Zeneide Rodrigues, Fátima Lucia, Clécio Jamilson e Juliana Magalhães, meu muito obrigado!

Aos amigos que estiveram comigo me apoiando e ajudando nos momentos de maior angústia, que acreditaram em mim e me incentivaram quando eu mesma duvidei. A Marcos Mariano pelos incontáveis sorrisos que me proporcionou, pelos abraços ternos, pelas dicas e ajuda que me deu todas as vezes que pedi. A Tarcisio Pinheiro pela alegria com que me acolhe cotidianamente, pelos sorrisos sempre fáceis e largos que põe em meus rosto, meu muito obrigado aos dois.

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À Mikelly Gomes e Mikarla Gomes por tudo que fizeram por mim. Pela atenção, paciência, carinho, amizade que sempre me dedicaram durante esses quase sete anos de amizade. Por terem acredito em mim, me apoiado e incentivado quando, por inúmeras vezes, pensei não conseguir. Esse trabalho só foi possível porque contei com a solidariedade dos meus “dois presentes humanos” que caminharam ao meu lado por toda essa jornada. Mesmo que palavras não sejam o bastante para expressar minha gratidão, reitero: obrigada, amigas!

À Thaís Zimmermann pela amizade, pelas palavras de carinho, incentivo e, sobretudo, pela torcida por meu sucesso em cada escolha que fiz. Obrigada, amiga!

E por fim, mas não menos importante, agradeço a minha família. Aos meus irmãos Gutemberg Moura, Gustavo Henrique e Pedro Ivo, que entenderam minhas mudanças de humor, sobretudo, a minha irmã Luana França que entendeu melhor que todos os outros, as angústias e inseguranças durante o processo de escrita e de amadurecimento acadêmico que viveu e compartilhou comigo todas essas emoções. Ao meu pai, Joaquim Carlos e minha mãe, Vilma Aparecida, que entenderam as minhas mudanças de humor, me acolheram e incentivaram nos momentos de insegurança e angústia, que acreditaram incondicionalmente em mim e não me deixaram desistir, meu muito obrigado!

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Pele negra, máscaras Brancas – Franz Fanon

[...] Não se deve tentar fixar o homem, pois o seu

destino é ser solto.

A densidade da História não determina nenhum de

meus atos.

Eu sou meu próprio fundamento.

É superando o dado histórico, instrumental, que

introduzo o ciclo de minha liberdade.

A desgraça do homem de cor é ter sido escravizado. A

desgraça e a desumanidade do branco consiste em ter

matado o homem em algum lugar. Consiste, ainda

hoje, em organizar racionalmente essa

desumanização. Mas, eu, homem de cor, na medida

em que me é possível existir absolutamente, não tenho

o direito de me enquadrar em um mundo de

reparações retroativas.

Eu, homem de cor, só quero uma coisa:

Que jamais o instrumento domine o homem. Que

cesse para sempre a servidão do homem pelo homem.

Ou seja, de mim por um outro. Que me seja permitido

descobrir e querer bem ao homem, onde quer que ele

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RESUMO

A escola é um espaço de disputa de concepções e visões de mundo. Em relação às questões de ordem étnico-raciais essa disputa no campo escolar perpassa duas visões, a primeira voltada a uma perspectiva unilateral de caráter eurocentrista, que reproduz uma suposta inferioridade dos povos africanos e de seus descendentes ao supervalorizar as experiências históricas e culturais do segmento branco, supostamente “superiores” e desvalorizar e estereotipar as experiências culturais, históricas e as identidades dos africanos e afrodescendentes. A segunda visão, percebe a escola como um lugar de desconstrução dessa “inferioridade” atribuída aos africanos e afro-brasileiros. A pesquisa “As relações raciais: uma avaliação da efetividade do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2015” trata-se de uma avaliação da política pública que versa sobre o material didático (PNLD) em relação ao cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana no intuito de identificar como são tratados os conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos livros didáticos de história aprovados pelo programa. Avaliar, especificamente, se esses materiais didáticos estão em consonância com o que estabelece as Diretrizes, isto é, se incorporaram em seus conteúdos a temática história e cultura africana e afro-brasileira de modo positivo. O processo metodológico consistiu em uma pesquisa documental e análise de conteúdo em três coleções didáticas aprovadas pelo programa. Os resultados apontam para uma efetividade parcial dessa política pública na medida em que a abordagem dos temas sobre história e cultura africana e afro-brasileira recebe um tratamento generalista e simplificado, não necessariamente negativo, mas bastante superficial.

Palavras-chaves: Escola, PNLD, Livro didático, Relações étnico-raciais, Políticas

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ABSTRACT

The school is a place of dispute of conceptions and visions of the world. In relation to ethnic-racial issues, this dispute runs through two visions, the first is focused on a unilateral Eurocentric perspective, which reproduces a supposed inferiority of African people and their descendants by overvaluing the historical and cultural experiences of the segment supposedly "superior", devaluing and stereotyping the cultural, historical, identical of Africans and Afro-descendants. The second view perceives school as a place of deconstruction of this "inferiority" attributed to Africans and Afro-Brazilians. The research "Racial relations: an evaluation of the effectiveness of the National Program of Didactic Book (PNLD 2015)", is an analysis about public policy of teaching materials in relation to their compliance with the National Curricular Guidelines for Education of Ethnic and Racial Relations for the Teaching of Afro-Brazilian and African History and Culture. We search identify how the contents of Afro-Brazilian and African history and culture are dealt in the books of History approved by the program. We wish evaluate, if these didactic materials are in accord with is established by the guidelines, it means, if they incorporated in their contents an African, Afro-Brazilian history and culture in a positive way. The methodological process consisted of a documentary research and content analysis in three didactic collections approved by the program. The result points to a partial effectiveness of this public policy, as far possible, the approach to themes of African and Afro-Brazilian history and culture receives a general and simplified treatment, not necessarily negative, but rather superficial.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Festa de Iemanjá, Bahia e Tambor de Crioula, Maranhão... 129

Figura 2 Grupo de Congada de Olímpia, São Paulo... 129

Figura 3 Homens jogando capoeira... 129

Figura 4 Irmandade da Boa morte – Bahia, em festejo da Assunção de Nossa Senhora... 129

Figura 5 Mesquita de Djenné, no Mali... 131

Figura 6 Vilarejo no Sahel, no Mali... 131

Figura 7 Máscara do Benin e ioruba... 131

Figura 8 Estatueta em madeira, representando maternidade, encontrada no atual Congo... 131

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Evolução do PNLD no ensino fundamental de 2004 a 2013 ... 81 Tabela 2: Evolução no PNLD no Ensino Médio de 2005 a 2013 ... 82

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LISTA DE SIGLAS

CNE/CP – Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno DCN’s – Diretrizes Curriculares Nacionais

ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente ECT – Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos EJA – Educação de Jovens e Adultos

FAE – Fundação de Assistência ao Estudante FNB - Frente Negra Brasileira

FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação GT – Grupo de Trabalho

LDB – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional MEC – Ministério da Educação

MNU – Movimento Negro Unificado PCN’s – Parâmetros Curriculares Nacionais

PLIDEF - Programa Nacional do Livro Didático – Ensino Fundamental PNBE – Programa Nacional Biblioteca da Escola

PNLD – Programa Nacional do Livro Didático

PNLD EJA - Programa Nacional do Livro Didático para a Educação de Jovens e Adultos PNLD – Campo – Programa Nacional do Livro Didático para Educação do Campo PNLEM – Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio

PROUNI – Programa Universidade para Todos

REUNI - Programa de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais SECAD - Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão SEB – Secretaria de Educação Básica

SEF – Secretaria de Educação Fundamental

SEPPIR – Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial TEN – Teatro Experimental do Negro

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UHC – União dos Homens de Cor

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura ONU – Organização das Nações Unidas

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 16

CAPÍTULO 1: AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E O PAPEL DA ESCOLA ... 27

1.1 A formação social do Brasil: o lugar dos povos africanos ... 28

1.2 As relações étnico-raciais: o racismo à brasileira ... 37

1.3 O tratamento dado às relações étnico-raciais e o papel da escola ... 44

CAPÍTULO 2: AS LUTAS SOCIAIS DA POPULAÇÃO AFRO-BRASILEIRA E A POLÍTICA EDUCACIONAL PÓS 2003 ... 52

2.1 As lutas dos movimentos negros e a política educacional ... 53

2.2 A Lei nº 10.639/03 e as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana66 2.3 O desenho institucional do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD ... 79

CAPÍTULO 3: AVALIANDO A EFETIVIDADE DO PNLD QUANTO ÀS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS ... 94

3.1 História da África ... 95

3.1.1 A África dos grandes “reinos” e “impérios”: ... 101

3.1.2 Escravidão, tráfico negreiro e resistência ... 112

3.2 História dos afrodescendentes ... 119

3.2.1 Escravidão e resistência ... 120

3.3 Cultura africana e cultura afro-brasileira ... 130

3.3.1 Arte africana ... 131

3.3.2. Religiosidade africana/afro-brasileira... 133

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 137

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16 INTRODUÇÃO

O livro didático possui grande legitimidade no campo educacional, especialmente por constituir um dos principais objetos da cultura escolar. Por meio dele se desenvolvem relações entre conteúdos, metodologias, princípios que norteiam o processo de ensino-aprendizagem dentro das salas de aula. Essa legitimidade pode ser vista como resultado da “unificação – até de uniformização – nacional, linguística, cultural e ideológica” (CHOPPIN, 2008, p.13) que seu uso proporciona.

Ainda segundo o autor, o advento dos Estados modernos foi acompanhado pelo processo de institucionalização dos procedimentos escolares, sendo assim, a responsabilidade da educação antes destinada às famílias e instituições religiosas passa a ser responsabilidade do poder público. Esse, por sua vez, vai atuar, principalmente, intervindo no conteúdo da educação através de programas oficiais e, consequentemente, nos livros didáticos, pois é por meio deles que se materializam esses programas.

Os programas, ou melhor, as normatizações do poder público para a ação escolar, ainda segundo Choppin (2008) estabelecem os objetivos e conteúdos para o ensino, ou seja, legislam sobre os princípios, finalidades e conteúdos da educação, estabelecem assim, um currículo que os materiais didáticos acabam instrumentalizando. Esse currículo, como aponta Apple (1982) não é uma coleção neutra de saberes, mas se constitui por um conjunto de saberes eleito por alguém (indivíduo ou grupo) a partir das visões, ideologias e princípios de um grupo sobre o que seria um saber legítimo a fim de garantir um controle hegemônico.

Nesse sentido, portanto, ainda segundo Apple (1982), o currículo corresponde a um instrumento de poder/dominação por onde se distribui determinado saber, valores, ideologia através da educação escolar, que em muitos casos, reforçam as hierarquias sociais e econômicas na medida em que não inculcam apenas valores e saberes, mas também ajustamentos junto ao sistema econômico e social. A relação do currículo envolve, nesses termos, a dimensão social, política, econômica e cultural, sendo assim, a educação escolar não é um processo neutro.

Por isso, o currículo e, em consequência, os livros didáticos que são sua dimensão operativa, requer, como aponta Cassiano (2013), que poder público atue para controlar estritamente e, inclusive, orientar em seu proveito a concepção e utilização do material didático, pois todo livro didático carrega um projeto de sociedade, há um forte cunho ideológico, logo, os princípios que orientam esse projeto de sociedade e, por conseguinte, de

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educação estão em constante negociação pelos diversos grupos e segmentos sociais que compõe essa sociedade em cada momento histórico.

A importância do livro didático não se limita, apenas, ao seu valor enquanto instrumento cultural, pedagógico e até ideológico, mas deve-se também aos benefícios econômicos que seu caráter de indústria proporciona, assim como aponta Castañeda (2005). Nesse sentido, sua importância está ligada ao fato de ser um produto cultural, que pode ser comercializado, colaborando assim, na consolidação de um mercado editorial, no qual o livro didático é o produto mais rentável do setor, especialmente, entre os países que possuem programas estatais de compra e distribuição de materiais didáticos para alunos e professores.

A ênfase no material didático como política educacional faz parte do pacote de medidas sugerida pelos organismos internacionais, principalmente, o Banco Mundial, aos países em desenvolvimento como estratégia de garantir as melhorias no acesso, qualidade e equidade educacional e, consequentemente, desenvolvimento social. Destarte, o livro didático é, dentro do pacote de medidas do BM, o principal insumo para alcançar a qualidade educacional dos sistemas de ensino dos países em desenvolvimento recém democratizados e, portanto, área prioritária da ação estatal em educação (TORRES, 2003). Isso pode ser percebido em muitos países da América Latina, inclusive o Brasil, que possuem programas de compra e distribuição de livros didáticos bem consolidados e centro das políticas educacionais. No caso brasileiro, por meio do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD.

Embora a relação oficial entre o Estado e o livro didático tenha se dado desde 1937, somente em 1985 com a instituição do PNLD o Brasil ganha evidência para o segmento editorial de didáticos, pois o novo programa se institui estabelecendo como princípio fundamental a aquisição e distribuição universal e gratuita de livros didáticos aos alunos da rede pública brasileira. No primeiro momento, que vai de 1985 a 1995 atende os alunos do então 1º grau (1ª a 8ª séries) e, no segundo momento, a partir de 1995 com a reestruturação do programa passa a atender todas as áreas e todos os alunos do 1º grau. E, após 2003 com a criação do Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM), os alunos do ensino médio são atendidos (CASSIANO, 2013), desse modo, cobrindo todo o ensino básico. Segundo Cassiano (2013), o programa se amplia também para aquisição e distribuição de livros didáticos para a Educação de Jovens e Adultos (PNLD EJA), em 2007, como também na distribuição de dicionários.

Assim como já citado, em 2003 foi criado o Programa Nacional do Livro Didático para o Ensino Médio (PNLEM) por meio da Resolução nº 38 de 15 de outubro de 2003 e da Portaria nº 2.922 de outubro de 2003 que amplia a ação do programa na medida em que

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estende de forma gradativa a aquisição e distribuição dos livros didáticos a todos os alunos das escolas públicas de ensino médio do país (CASSIANO, 2013). Vale destacar que em 2010, o PNLEM é incorporado ao PNLD, que passa a cobrir tanto o ensino fundamental quanto o ensino médio e Educação de Jovens e Adultos – EJA.

Percebe-se, portanto, conforme aponta Gatti Júnior (2007) um esforço do Estado brasileiro no que se refere à ampliação dos processos de aquisição e distribuição de livros para os alunos da rede pública de ensino a fim de garantir a educação como direito social. Logo, por meio dos programas de aquisição e distribuição de materiais didáticos, principalmente o PNLD, o Brasil passa a representar o principal nicho de mercado do setor de didáticos da América Latina, tendo o Estado brasileiro como o maior comprador de livros do país e um dos três maiores do mundo (CASSIANO, 2013).

Desse modo, tanto pela importância que possui na dimensão cultural, pedagógica, linguística e ideológica que os conteúdos educativos do qual é portador proporciona, como pela posição estratégica que ocupa na dimensão econômica se instituiu frente ao livro didático e, por conseguinte, frente ao PNLD uma disputa de interesses e demandas dos diversos atores públicos e privados envolvidos no processo da política educacional voltada ao livro didático no intuito de incidir sobre os processos de sua elaboração, compra e distribuição. Assim, cada etapa que compõe o Programa Nacional do Livro Didático, do seu planejamento a sua execução, como também as alterações que sofreu desde a sua criação em 1985 reflete as relações entre os diversos atores públicos e privados envolvidos na cadeia do livro, dentre os quais estão o Estado, as editoras, os autores, as gráficas entre outros.

O PNLD constitui-se como uma política pública que centraliza em âmbito federal o planejamento, a compra e distribuição gratuita do livro escolar para os estudantes das escolas públicas do Brasil (CASSIANO, 2013), ele lança as diretrizes, ou seja, o desenho institucional que vai regulamentar a relação do Estado brasileiro com o manual escolar. Dentre as principais diretrizes estão: i) a adoção de livros reutilizáveis; ii) a escolha dos livros realizada pelo conjunto dos professores e iii) utilização exclusiva de recursos federais para a compra e distribuição dos livros as escolas públicas.

Em 1995 o programa sofre uma reestruturação e passa a incluir em seu desenho institucional, além das diretrizes já citadas, o processo de avaliação pedagógica das obras didáticas a serem escolhidas pelos professores e distribuídas pelo programa. O estabelecimento de uma avaliação governamental e a fixação de critérios avaliativos correspondeu, conforme assinala Batista (2001), um esforço sistemático do Estado brasileiro, via Ministério da Educação – MEC, em garantir a qualidade do material didático destinado às

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escolas públicas brasileiras tanto do ponto de vista editorial e gráfico como do ponto de vista didático-pedagógico.

Paralelamente a reestruturação do programa ocorreu uma reforma curricular que estabeleceu novos marcos normativos para a educação brasileira. Essa reforma curricular está pautada nos novos princípios outorgados pela Constituição Federal de 1988 e incide, significativamente, no processo de avaliação governamental feito pelo programa na medida em que regula sobre os princípios, os conteúdos, as abordagens didático-pedagógicas e as metodologias nas quais deve-se basear a educação nacional (CASSIANO, 2013). Dentre esses marcos normativos estão a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996; as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Fundamental de 1998 e os Parâmetro Curriculares Nacionais – 1997 que passam a subsidiar as avaliações das obras didáticas pelo PNLD e, portanto, compor seu desenho institucional.

Essas alterações respondem aos novos princípios que orientam um projeto democrático de sociedade e educação emergentes, estando comprometidas com a garantia da consolidação da cidadania, justiça, equidade e do reconhecimento da educação como direito social universal para todos. Diante desses princípios, os movimentos sociais negros, principalmente, pós anos 70 intensificam conforme aponta Santos (2005), as reivindicações que envolvem estudos sobre história e cultura africana e afro-brasileira em suas agendas como estratégia de combate as discriminações, preconceitos e desigualdades que atinge esse segmento e como forma de consolidar os princípios de igualdade, justiça e respeito que orientam um projeto democrático de sociedade e escola.

No entendimento do movimento negro a educação escolar corrobora na propagação do “mito da inferioridade do negro” (ROCHA, 2007), ou seja, ela também é responsável por reproduzir os discursos racistas presente na sociedade, seja limitando o negro a objeto da escravidão, seja omitindo a colaboração dos africanos e afro-brasileiros a cultura e identidade nacional.

Dentre os veículos que reproduzem esse discurso racista na escola estão os livros didáticos. Esses materiais, conforme aponta Silva (2004), ora silenciam quanto ao processo histórico e cultural de alguns segmentos sociais, dentre eles o segmento negro, ora o apresenta de forma preconceituosa, associando-os quase sempre a estereótipos de inferioridade. Convém explicitar que os livros didáticos não são os únicos veículos de perpetuação do racismo/estereótipos na escola, mas, conforme atentamos na discussão inicial, a importância social e cultural que possui como depositário de um conjunto de saberes, metodologias,

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princípios que norteiam a relação de ensino-aprendizagem nas salas de aula acaba por conferindo-lhe um “caráter de verdade”.

Diante disso, os movimentos negros passam a demandar do Estado Brasileiro políticas educacionais que possam promover a formação de novas posturas e valores sociais, onde a diversidade étnico-racial e cultural presente no nosso território seja reconhecida, valorizada e respeitada e, deste modo, que sejam cumpridas os princípios equidade, igualdade, exercício pleno da cidadania por todos, conforme dispõe nossa Constituição Federal. A educação formal passa a ser entendida como um dos principais veículos para proporcionar essa mudança.

Respondendo as demandas da sociedade civil, especialmente os movimentos negros, o Estado Brasileiro a partir de 2003, no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva constrói algumas ações, dentre elas a promulgação da Lei 10.639/031, que estabelece a obrigatoriedade de inclusão nos currículos das redes de ensino a temática “História e cultura afro-brasileira” e, para subsidiar sua implementação, as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e Ensino da História e Cultura Afro-brasileira e Africana”.

A partir desses novos marcos normativos a construção de programas, projetos, planos pedagógicos, isto é, a construção dos currículos; o processo de formação de professores; as práticas pedagógicas; a produção de materiais didáticos; o desenvolvimento de pesquisas devem contemplar abordagens que visibilizem as experiências históricas, culturais, as lutas políticas, identidades das populações africanas e afrodescendentes que ajudaram a povoar e construir social, histórico, político e culturalmente o Brasil.

Essa modificação curricular é incorporada ao desenho institucional da avaliação do PNLD, sendo assim, passa a constar como critério a ser avaliado nas obras didáticas inscritas no programa. Portanto, as obras didáticas avaliadas e aprovadas pelo programa devem, como aponta Timbó (2009), proporcionar novos abordagens frente à história e cultura africana e afro-brasileira que colaborem para eliminar ideologias, desigualdades e estereótipos racistas que envolvem africanos e afro-brasileiros e, assim, reflitam em novas posturas e valores frente à diversidade étnico-racial.

1

Deve-se salientar que a Lei 10.639/03 foi modificada em 2008 pela Lei nº 11.645. Nela é incorporada a temática indígena ao currículo, passando a ser obrigatório o ensino de “história e cultura afro-brasileira e indígena”. Entretanto, tratarei, especificamente, da Lei nº 10.639/03.

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Nesse sentido a pesquisa “As relações raciais: uma avaliação da efetividade do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD 2015” propõe fazer uma avaliação do PNLD em relação ao cumprimento das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, objetivando identificar como são tratados os conteúdos de história e cultura afro-brasileira e africana nos livros didáticos de história2 aprovados pelo programa e apresentados no Guia de Livros Didáticos – PNLD história do ensino médio (2015). Entende-se aqui efetividade do programa na medida em que esses materiais aprovados estão em consonância com as Diretrizes.

Isto é, buscamos avaliar como os livros didáticos de história adquiridos e distribuídos aos alunos do ensino médio via PNLD tem incorporado as DCN’s para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana. Ou seja, os livros têm abordado em seus conteúdos as temáticas sobre história e cultura dos africanos e afro-brasileiros? Essa abordagem está em conformidade com as proposições estabelecidas pelas DCN’s? Ou reproduz as simplificações, preconceitos e estereótipos a muito denunciados por pesquisadores e movimentos negros?

Esse interesse em pesquisar as questões étnico-raciais no programa do livro didático é um desmembramento dos resultados da pesquisa que desenvolvi para a monografia de conclusão do curso de graduação em ciências sociais da UFRN, no qual busquei identificar as dificuldades de implementação da Lei 10.639/03 nos currículos e projetos escolares de uma escola pública de ensino médio da cidade do Natal. Dentre as dificuldades encontradas estava a fragilidade de materiais didáticos que contemplassem temas da cultura e história afro-brasileira e africana.

Por este trabalho se tratar de uma avaliação de política pública convêm explicitar, brevemente, o que entende-se por política pública e avaliação de política pública. Políticas públicas podem ser compreendidas, conforme aponta Graça Rua (1998), como um conjunto de decisões e ações tomadas pelo Estado para gerenciar os conflitos quanto à disputa dos bens públicos originários tanto das demandas da sociedade civil quanto das demandas do interior do próprio sistema político. São, portanto, o modo pelo qual o Estado age para resolver (ou não) os problemas políticos e/ou demandas da sociedade e garantir, assim, o seu bem estar.

Para atingir esse bem estar o Estado age a partir das políticas públicas, estabelecendo por meio de seus programas de governo as demandas e setores prioritários que serão

2 A escolha da área de história levou em consideração a sensibilidade da área com a temática étnico-racial, bem

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beneficiados com sua ação (MAIA; OLIVEIRA, 2014). Ou seja, o bem estar da sociedade é definido pelo Estado. Nesse sentido, a sociedade busca por meio do seu segmento organizado (sociedade civil) incidir sobre as prioridades de ação estatal, apresentando aos dirigentes políticos – os governantes e tomadores de decisão – suas demandas.

Essas demandas sociais são tão diversas quantos os grupos que compõe a sociedade contemporânea, essa última, como aponta Rua (1998), é diversa tanto em termos de idade, sexo, religião, estado civil, etnia, renda, profissão como em termos de ideias, valores, interesses e aspirações. Nesse sentido, há por parte dos diversos segmentos sociais uma diversidade de demandas e expectativas. No entanto, em decorrência das limitações de recursos o Estado fica impossibilitado de atender a todas as demandas e, assim, os bens e serviços públicos passam a ser objeto de disputa dos diversos grupos.

Portanto, cabe ao formulador da política pública processar essas demandas e eleger as prioridades de ação, nesse sentido, as políticas públicas resultam das disputas dos diversos grupos ou segmentos sociais que buscam defender ou garantir seus interesses.

Já a avaliação de política pública, conforme aborda Arretche (1998), consiste:

[...] no estabelecimento de uma relação casual entre uma determinada modalidade de política pública e o sucesso ou fracasso na realização de seus propósitos, ou ainda entre esta política pública e um dado resultado ou impacto sobre a situação social prévia à sua implementação [...] (ARRETCHE, 1998, p.2).

Desse modo, para autora avaliação de políticas públicas consiste numa metodologia de pesquisa que permite estabelecer uma relação de causalidade entre um programa x e um resultado y, ou que sem o programa x não havia o resultado y. Marta Arretche (1998), ainda distingue a avaliação de políticas públicas em três tendências, sendo elas: a efetividade, eficácia e eficiência.

A avaliação da efetividade da política pública diz respeito ao exame da relação entre a implementação de um determinado programa e seus impactos e/ou resultados, ou seja, busca identificar se os produtos oferecidos pela política sob avaliação produziram (ou não) mudança efetiva nas condições de vida das populações por ela incidida. A avaliação da eficiência corresponde à avaliação da relação entre os objetivos e/ou metas explícitos de um programa e seus resultados alcançados e a avaliação da eficácia é avaliação dos custos que envolvem a implementação da política pública.

Nesse sentido, a efetividade da qual trata-se esse trabalho diz respeito a avaliar o Programa Nacional do Livro Didático quanto o cumprimento das DCN’s para a Educação da Relações Étnico-raciais e para o ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, ou

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seja, busca investigar como os livros didáticos de história aprovados pelo PNLD-2015 têm incorporado a temática de história e cultura africana e afro-brasileira em seus conteúdos didáticos.

O processo metodológico da pesquisa consistiu, no primeiro momento, na revisão da literatura sobre relações étnico-raciais, políticas educacionais e livro didático, políticas públicas e avaliação de políticas públicas para construir um quadro teórico e analítico. No segundo momento, realizamos a avaliação dos conteúdos sobre história e cultura afro-brasileira e africana em três coleções didáticas de história, modalidade ensino médio, aprovadas pelo PNLD-2015.

Para empreender a avaliação nos livros didáticos utilizamos a método da análise documental, a pesquisa e análise em documentos, sendo eles: as três coleções didáticas de história – modalidade ensino médio, o Guia de Livros Didáticos – PNLD/2015: história ensino médio; as DCN’s para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana e o Edital de convocação para inscrição e avaliação de obras didáticas para o PNLD – 2015. Bem como a análise de conteúdo, que consiste, conforme Bardin (2011, p. 37), em um “conjunto de técnicas de análise das comunicações”, trata-se, ainda segunda a autora, de uma técnica de análise e interpretação do conteúdo manifesto nas comunicações escritas, nas imagens, símbolos, que utiliza um processo objetivo e sistemático de descrição e tratamento das mensagens a fim de interpretá-las. A análise de conteúdo pode ser uma análise de significado (exemplo: análise temática), bem como uma análise dos significantes (análise lexical, análise dos procedimentos). Para esse trabalho privilegia uma análise temática.

Na análise de conteúdo se estrutura em três fases, das quais estão: 1) pré-análise; 2) a exploração do material e 3) o tratamento dos resultados e a interpretação. A primeira fase é constituída por três etapas: a escolha dos documentos submetidos à análise, a formação de hipóteses/objetivos e a elaboração dos recorte/índices que fundamentam a interpretação. Nessa fase, a despeito do que propomos nesse trabalho, elegemos como copus, isto é, o conjunto de documentos submetidos à análise, os livros didáticos de três coleções de história – modalidade ensino médio, aprovados pelo PNLD-2015. A escolha do material didático de história se baseou em dois pontos, o primeiro deles levou em consideração o estabelecido pela Lei 10.639/03, que sinaliza disciplina de história como área focal para o tratamento desses temas. Já o segundo, refere-se à escolha das coleções didáticas que compõe o corpus desse trabalho, no qual levamos em consideração os dados estatísticos disponibilizados no portal

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FNDE (órgão executor do programa), assim, elegemos as três primeiras coleções de história (ensino médio) mais distribuídas no ano de 2015, dentre as dezenove (19) coleções aprovadas.

A partir de nosso objetivo de pesquisa, avaliar a efetividade do PNLD (via material didático) quanto ao cumprimento das proposições curriculares indicadas nas DCN’s para a Educação das Relações Étnico-raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana, elegemos como recortes/índices para a construção dos nossos indicadores os temas mais recorrentes tratados nas obras didáticas sobre história e cultura afro-brasileira e africana. Priorizamos, assim, uma abordagem/análise temática dos conteúdos didáticos. A partir disso, empreendemos a exploração do material didático que corresponde à segunda fase da análise de conteúdo, e após uma “leitura fluente” elencamos os temas mais recorrentes tratados nos capítulos que trabalham, especificamente, com história e cultura da África e dos afrodescendentes. Para a última fase da análise, correspondente ao tratamento dos resultados e interpretação, os temas elencados foram classificados em três indicadores: 1) história da áfrica; 2) história dos afrodescendentes e 3) cultura africana e cultura afro-brasileira e descritos e interpretados a partir das proposições das DCN’s e dos estudos de pesquisadores que estudam e pesquisam sobre elementos da história e cultura africana e afro-brasileira.

Vale destacar ainda, que diante da abrangência e diversidade de temas que compõe a história e cultura afro-brasileira e africana no decorrer dos vários períodos históricos foi necessário estabelecer mais recortes. Desse modo, em nosso trabalho nos concentramos na análise das obras didáticas destinadas ao primeiro e segundo ano do ensino médio de cada uma das três coleções escolhidas para avaliação. Essa escolha deve-se, em primeiro lugar, porque os livros didáticos destinados ao primeiro ano tratam de temas da história pré-colonial da África, ou seja, passam a visibilizar os processos históricos e culturais dos povos africanos anteriores ao colonialismo, tráfico atlântico e a diáspora africana. Em segundo lugar, a escolha dos livros didáticos destinado ao segundo ano (o segundo volume das coleções) são os que corriqueiramente trabalham os temas da história e cultura dos afrodescendentes, já que se destinam, principalmente, a abordagem do período histórico colonial e imperial do Brasil. No entanto, nos concentramos nos temas tratados no período colonial, já que os capítulos específicos que trabalham a história dos afrodescendentes no Brasil estão vinculado a esse período histórico.

Embora a proposta de análise de conteúdo proposta por Bardin (2011) seja articulada quali-quantitativamente priorizamos uma abordagem qualitativa, visto que a implementação das questões étnico-raciais a partir dos conteúdos sobre história e cultura afro-brasileira e africana no PNLD conforme determina as DCN’s já citadas não se caracteriza pela

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quantificação (quantas vezes aparece) dos temas sobre história e cultura africana e afro-brasileira, mas por sua abordagem positiva, isto é, como são apresentado.

A presente dissertação está estruturada em três capítulos. No primeiro capítulo intitulado “As relações étnico-raciais no Brasil e o papel da escola” se constitui por três itens. O primeiro item intitulado “A formação social do Brasil: o lugar dos povos africanos” descrevemos algumas contribuição dos povos africanos na formação social e cultural do Brasil. O segundo item, intitulado “As relações étnico-raciais: o racismo à brasileira”, comentamos a literatura que discute a particularidade do racismo no Brasil e o terceiro item, intitulado “O tratamento dado as questões raciais e o papel da escola”, discutimos qual o tratamento dado as relações étnico-raciais na literatura acadêmica e na mídia e o papel da escola para a produção e/ou eliminação do preconceito e discriminação frente à diversidade étnico-racial.

O segundo capítulo intitulado “As lutas sociais da população afro-brasileira e a política educacional pós 2003”, constitui-se de três itens. O primeiro item intitulado “As lutas sociais dos movimentos negros e a política educacional”, abordarmos como historicamente os movimentos sociais negros pautaram a questão da educação. O segundo item, intitulado “A Lei 10.639/03 e as DCN’s para as Relações Étnico-raciais e para o ensino de história e cultura afro-brasileira e africana, discorremos sobre as mudanças curriculares propostas pela lei em questão e como é direcionada a nova proposta curricular trazida pelas diretrizes. O terceiro item intitulado “O desenho institucional do Programa Nacional do Livro Didático – PNLD”, discutimos as etapas do processo que constitui o programa e as modificações que sofreu, sobretudo, no que refere-se à inclusão em seu desenho institucional, de prescrições que envolvem a questão étnico-racial e a história e cultura africana e afro-brasileira.

O terceiro capítulo intitulado “Avaliando a efetividade do PNLD quanto as relações étnico-raciais” trataremos dos resultados da pesquisa. O Capítulo é composto por três itens que correspondem aos indicadores da pesquisa, sendo: 1) história da África; 2) história dos afrodescendentes e 3) cultura africana e cultura afro-brasileira.

E, finalmente, nas considerações finais, trago os resultados da avaliação, que sinalizam para uma efetividade parcial da política pública que versa sobre o material didático quanto o cumprimento das proposições estabelecidas na DCN’s que tratam sobre os temas da história e cultura afro-brasileira e africana.

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CAPÍTULO 1

AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS

NO BRASIL E O PAPEL DA

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27 CAPÍTULO 1: AS RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS NO BRASIL E O PAPEL DA ESCOLA

As relações étnico-raciais no Brasil, desde o início da colonização portuguesa no século XVI, foram pautadas por uma forte degradação social e discriminação racial, especialmente frente os diversos povos africanos que foram espoliados do seu continente e escravizados no Novo Mundo. O trabalho escravo em que se baseou a formação do Brasil durante quase quatrocentos anos, assim como aponta Santos (2008), resultou no surgimento de concepções e práticas racistas que prevalecem até hoje. Essas concepções e práticas foram usadas, principalmente, para justificar a escravidão, opressão e marginalização imposta aos africanos e seus descendentes, atribuindo a eles uma pretensa inferioridade, tanto biológica quanto cultural.

A abolição da escravatura, ocorrida em 1888, não livrou os africanos e afro-brasileiros das discriminações, preconceito e desigualdades raciais, pelo contrário, a eles continuou se atribuindo uma pretensa inferioridade, que continuou orientando as relações sociais entre brancos e não-brancos e condicionando esse último a um status subordinado.

Para tratar das questões étnico-raciais no Brasil e o papel da educação, discutiremos, no primeiro item, a contribuição dos povos africanos na formação social e cultural do Brasil. Destacando a diversidade étnica, cultural e linguística dos povos africanos que foram trazidos para o Brasil e sua importância na formação social, cultural do país. Bem como, destacaremos que essas contribuições foram sendo incorporadas a cultura brasileira, a partir do que expõe Prandi (2000), Silva (2005b); Silva (2005c); Freyre (2006).

No segundo item, discutiremos sobre o modo como se estrutura o racismo no Brasil e o que o torna específico. Para isso, faremos uma breve contextualização do que se entende por raça e racismo a fim de entender como se constituíram as relações raciais brasileiras, que tem o ideal de branqueamento e no mito da democracia racial como os mecanismos de legitimação das discriminações e desigualdades raciais. Utilizaremos as discussões propostas por Guimarães (2009, 2012), Hasenbalg (2005); Ortiz (2012), Freyre (2006).

No terceiro item, abordaremos como essas relações étnico-raciais pautadas numa hierarquização dos atributos e marcas negativas aos afrodescendentes refletem uma desvalorização da identidade afro-brasileira e ajudam a perpetuar estereótipos negativos que desqualifica o negro na sociedade. Essas discriminações e estereótipos são reproduzidas na mídia, na escola, a partir dos livros didáticos. Nesse sentido, a educação formal passa a ser um veículo de construção desses preconceitos e estereótipos. Como também constitui um campo

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de disputa, na qual pode ter um papel de desconstrução desses preconceitos e estereótipos, a partir de uma educação que aborde em seus conteúdos a história da África e dos afro-brasileiros, sua cultura e importância a sociedade nacional; mostrando a diversidade étnico-racial não é um fator de superioridade e inferioridade, mas de enriquecimento da sociedade e humanidade. Utilizaremos a discussão proposta por Gomes (2005), Silva (2004; 2005), Araújo (2008), dentre outros.

1.1 A formação social do Brasil: o lugar dos povos africanos

A formação social brasileira está ligada a um processo histórico de colonização e expansão comercial europeia iniciada no século XV. Dentro desse cenário comercial coube a nova colônia à função de abastecimento do mercado metropolitano com produtos tropicais, dentre eles está o açúcar – mais tarde substituído pelo ouro e café – que ocupou uma posição de destaque na estrutura econômica colonial, pautada, especialmente, na agricultura. Para suprir a demanda de mão de obra necessária ao desenvolvimento dessa estrutura agrícola intensifica-se a vinda forçada de diversos africanos na condição de escravos para o Brasil.

O processo de colonização do Brasil, conforme aponta Silva (1990), inicia-se no século XVI no período denominado pela historiografia de “pré-colonial”, que vai de 1500 até 1530, baseado em um sistema de feitorias, ou seja, a colonização baseada na economia extrativa de madeira, principalmente o pau-brasil, da pimenta e de animais da terra, como os papagaios, obtidos por meio de escambos com as populações autóctones. Contudo, em decorrência da crise comercial do Oriente, das pressões francesas na América e da necessidade de mantimentos para se auto-abastecer, Portugal começa a se interessar pela colonização efetiva das terras de “Vera Cruz”.

Ainda segundo Silva (1990), essa colonização efetiva inicia-se em 1532, quando o então rei de Portugal Dom João III estabelece a distribuição de terras em forma de sesmarias e as concede a capitães-donatários (ou capitães-mores) para que esses povoassem, defendessem e explorassem e/ou produzissem as terras recém-adquiridas, de acordo com os interesses da Coroa Portuguesa. Dentre os capitães-mores que receberam as terras de sesmarias está Martim Afonso de Souza, que funda a Vila de São Vicente, primeiro núcleo colonial brasileiro, baseado no plantio da cana-de-açúcar.

Nesse sentido, esse novo sistema de colonização reconfigura a atividade econômica e as relações de produção, que passam a se basear, predominantemente, no latifúndio

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monocultor e trabalho compulsório. Ou seja, a economia pré-colonial de extração de mercadorias (o pau-brasil, papagaios e outros) baseada no escambo entre os portugueses e índios dá lugar a atividades de monoculturas exportadoras, como a cana-de-açúcar, tabaco, café, dentre outros baseadas na grande propriedade e no trabalho escravo, tanto dos indígenas como dos africanos e de seus descendentes.

Embora a atividade de monocultura exportadora tenha sido predominante na economia brasileira do século XVI até o final do século XIX ela não foi exclusiva. Segundo Silva (1990), paralelo aos produtos das atividades de monocultura exportadora, como o açúcar, tabaco, café, algodão, se desenvolveu também atividades de produção de alimentos para abastecimento e comercialização interna, dentre os quais estão à produção de mandioca, milho, feijão, a criação do gado e outros.

A economia brasileira, tanto do período colonial (1500-1808) quanto no período monarca/imperial (1822-1889), foi marcada pela hegemonia da produção escravista-exportadora. Desse modo, as atividades econômicas mais expressivas, dentre elas a produção do açúcar, café, tabaco, a mineração estavam pautadas, predominantemente, pelo trabalho compulsório/escravo.

Segundo Cardoso (1990), o período colonial, considerando as áreas nucleares mais produtivas, possui quatro fases no que se refere à história do trabalho. A primeira, datada de 1500-1532, corresponde ao período pré-colonial, em que se baseava na economia extrativa a partir do escambo com os índios. Ou seja, nessa fase predominava-se a troca de mercadorias como pau-brasil, papagaios e até alguns escravos indígenas, com as sociedades étnicas aqui existentes.

A segunda fase, datada de 1532-1600, corresponde à efetiva colonização do Brasil, em que se inicia o desenvolvimento da monocultura açucareira baseada no trabalho escravo predominantemente indígena. Nessa fase, os habitantes das sociedades pré-colombianas passam a ser vistos como mão de obra para as plantações e engenhos de cana-de-açúcar. Nesse sentido é empreendido um esforço dos colonos em capturá-los. Embora se tenha proibido a escravização indígena por volta de 1570, ela jamais cessou durante o período colonial, que resultou em uma catástrofe demográfica com grande extermínio de populações indígenas, principalmente da costa brasileira (CARDOSO, 1990).

Ainda segundo o autor esse extermínio indígena provém da destruição do sistema social e cultural das populações indígenas, do processo de escravização e desenraizamento orquestrado pelo tráfico escravista interno e, principalmente, pela concentração forçada das populações indígenas em aldeias jesuíticas, que corroboraram para a expansão de ondas

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epidêmicas e, consequentemente, sua mortandade. A grande mortandade causada pelas epidemias, à fuga de tribos inteiras para o interior do país e principalmente a resistência indígena para o trabalho escravo contínuo faz do indígena mão de obra incompatível para a concretização do projeto colonizador. Inclusive, a resistência à escravidão rendeu-lhe a pecha de preguiçoso (CARDOSO, 1990).

Vale destacar ainda que a historiografia brasileira tende a silenciar a diversidade étnica das populações indígenas encontradas no Brasil, como também sua importância na formação social e cultural brasileira. Conforme aponta Silva (1990), quando os portugueses chegaram a costa brasileira havia cerca de dois milhões de índios no Brasil distribuídos em várias nações e pertencentes a dois troncos principais: os tupis-guaranis, predominantes no litoral e os arawak, distribuídos principalmente pela Amazônia. Já dentre as contribuições indígenas a formação social e cultura brasileira podemos citar a alimentação, tendo como herança indígena a produção dos gêneros alimentícios base da colonização portuguesa, como a mandioca, o feijão, o milho e outros.

A terceira fase apontada por Cardoso (1990), datada de 1600-1700, corresponde ao período de instalação e consolidação do escravismo colonial, que é marcado pelo trabalho escravo dos africanos traficados para o Brasil. Nessa fase a monocultura açucareira já está consolidada e, portanto, necessita de mão de obra escrava que é suprida pela incorporação do africano nas plantações de açúcar do nordeste brasileiro. No final do século XVII e início do século XVIII intensifica-se o tráfico negreiro para o Brasil e entrada massiva de africanos para abastecer a mão de obra escrava da produção colonial.

A quarta fase, datada de 1700-1822, corresponde a uma diversidade de atividades econômicas, como a emergência da mineração, principalmente voltada à extração do ouro, como também a revitalização e expansão agrícola do fim do século XVIII e início do século XIX, por meio do cultivo do tabaco, algodão, ampliação da cana de açúcar. Essa revitalização das atividades agrícolas e o surgimento da atividade mineradora demandaram cada vez mais mão de obra escrava, que foi suprida pela incorporação forçada dos povos africanos nos sistemas econômicos brasileiros. Há, portanto, uma intensificação da escravidão e do tráfico negreiro.

Durante o período imperial, que corresponde ao início do século XIX até 1889, a economia brasileira manteve seus traços básicos, ou seja, uma economia escravista voltada ao mercado internacional. No entanto, duas mudanças no cenário econômico vão modificar a dinâmica do trabalho escravo no Brasil. A primeira mudança corresponde ao deslocamento do eixo econômico do nordeste açucareiro para o sudeste cafeeiro. Essa mudança de polo

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econômico vai ser acompanhada pela necessidade de mão de obra no sudeste e, consequentemente, pelo deslocamento da população cativa de africanos e afro-brasileiros para a cafeicultura. Além da agricultura cafeeira a atividade mineradora, principalmente a extração do ouro em Minas Gerais ajuda no deslocamento do polo econômico e da mão de obra para o sudeste.

A segunda mudança corresponde à abolição do tráfico negreiro internacional em 1850, que impõe barreiras legais para o abastecimento de mão de obra na agricultura cafeeira proveniente do tráfico atlântico. Nesse sentido, há um reforço do tráfico interno de africanos e seus descendentes para atender as demandas no sudeste, tanto para a cafeicultura quanto para a mineração, que resulta no deslocamento da população cativa para a região. Portanto, a economia brasileira se baseou do período colonial até a abolição da escravidão em 1888 no trabalho escravo, predominantemente realizado por africanos e afro-brasileiros. Para isso, se deslocou de modo forçado grande contingente populacional de africanos para o território brasileiro.

Segundo Prandi (2000) cerca de cinco milhões de africanos foram trazidos para o Brasil entre 1525 e 1851, dentre esse número estão excluídos aqueles que morreram durante a travessia oceânica, os que morreram ainda na África vitimados pela caça escravista e os trazidos quando o tráfico de escravos estava proibido. Trata-se, portanto, de uma diáspora africana (DEL PRIORE; VENÂNCIO, 2004).

Deve-se ressaltar que grande não foi só o número de africanos transportados ao Brasil, mas também sua diversidade. Ainda segundo o autor, os africanos que aqui chegaram “não se tratavam de um povo, mas de uma multiplicidade de etnias, nações, línguas e culturas” (PRANDI, 2000, p. 52). Nesse sentido, não podemos falar de história e cultura africana e afro-brasileira de modo homogêneo, pois a “África” trazida para o Brasil também não é homogênea. Vieram povos, nações, etnias diferentes, com percursos históricos e culturais distintos, com diferentes modos de se organizar socialmente e se relacionar. Falar da diversidade étnica e cultural dos povos, nações e etnias africanas trazidas ao Brasil evita-nos projetar uma visão do africano e, por seguinte dos afro-brasileiros de modo indistinto e homogêneo.

Ainda conforme Prandi (2000), os povos da África Negra são classificados, de modo geral, em dois grupos linguísticos: sudaneses e bantos. Os sudaneses são constituídos pelos povos aqui conhecidos como nagôs ou iorubás, que correspondem a diversos povos de língua e cultura iorubá como oyó, ijexá, ketu, egbá, ifé, ijebu dentre outros, os fon-jejes, que correspondem às etnias mahi, fon-jejes-daomeanos; haussás, achântis, mandingos dentre

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outros. Os bantos são representados por povos que falam entre 700 e duas mil línguas e dialetos, as etnias são reconhecidas, por etnólogos e linguistas que estudaram as origens étnicas africanas, pela designação linguística. No Brasil, encontra-se elementos originários, principalmente, das línguas quicongo, quimbumdo e umbundo, aqui conhecidos como congo, angola e cabinda, originários do Congo e Angola.

Acompanhando essa diversidade étnica africana veio também uma diversidade cultural, religiosa, linguística, gastronômica, artística, técnica dentre outras. Diversidade que incidiu sobre a formação social e cultural brasileira, aspecto ressaltado, inclusive, por Gilberto Freyre em sua controvérsia obra Casa Grande e Senzala (2006). Esse ao tratar do papel do negro escravo na formação da sociedade colonial, buscou demonstrar a influência da cultura africana na formação cultural e social brasileira não se limitou ao trabalho, mas está presente na dança, na música, na alimentação, nas técnicas de trabalho dentre outros. Segundo aponta Freyre (2006, p. 392): “Vieram-lhe da África [...] técnicos para as minas; artífices em ferro, negros entendidos na criação de gado e da indústria pastoril; comerciantes de panos e sabão; mestre, sacerdotes e tiradores de reza maometanos”.

Nesse sentido, os africanos trazidos para o Brasil não se limitaram ao trabalho físico nas plantações de açúcar, algodão, café e outros, mas forneceram elementos da sua cultura que colaboraram no processo colonizador, pois se originavam de grupos étnicos que entendiam e dominavam técnicas da agricultura, da indústria pastoril, principalmente a criação do gado, do trabalho com ferro, dentre outros. Assim, mais do que objeto de tração para as monoculturas, os africanos se constituíram como elemento ativo e criador da colonização do Brasil, fornecendo técnicas para a agricultura, para a criação do gado, para o trabalho com metais.

Freyre (2006) reconhece a diversidade cultural das etnias africanas trazidas para o Brasil e o modo como essa cultura negra foi sendo incorporada na sociedade brasileira colonial. Dentre as áreas destacadas pelo autor com maior influencia da cultura africana está à alimentação, segundo o autor:

No regime alimentar brasileiro, a contribuição africana firmou-se principalmente pela introdução do azeite de dendê e da pimenta-malagueta, tão característicos da conzinha baiana; pela introdução do quiabo; pelo maior uso da banana; pela grande variedade na maneira de preparar a galinha e peixe (FREYRE, 2006, p.542).

Assim, a culinária brasileira foi enriquecida pela culinária africana que incorporou seus sabores, cheiros, suas técnicas a comida servida nas casas-grandes, nos sobrados e que marcam até hoje a comida brasileira. Essa marca africana na comida brasileira se expressa,

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principalmente, pelo uso do azeite de dendê, dos condimentos de origem africana, dentre eles o ierê, o uru, bejerecum, a pimenta e das técnicas de preparo. Essa influência africana também agiu modificando as comidas de origem portuguesas e indígenas, conforme aponta Freyre (2006):

Várias comidas portuguesas ou indígenas foram no Brasil modificadas pela condimentação ou pela técnica culinária do negro, alguns dos pratos mais caracteristicamente brasileiros são de técnica africana: a farofa, o quibebe, o vatapá (FREYRE, 2006, p. 542).

Desse modo, a culinária brasileira não é uma reprodução dos pratos africanos, tampouco dos portugueses e indígenas, mas uma culinária nova, influenciada pelos sabores, cheiros, técnicas e produtos desses grupos. Inclusive, a culinária africana acaba se destacando em algumas regiões do país, como na Bahia, seja por seus sabores ou por sua técnica.

O repertório artístico é outro elemento da cultura africana de grande importância. Esse repertório, assim como aponta Silva (2005b), é expresso na tradição africana, principalmente, pelo ritual, responsável por direcionar as demais atividades em grupo, como a música, cânticos, dança, arte, artesanato, coreografia, cozinha dentre outros. Ainda segundo a autora, toda obra artística africana é atravessada por um ritmo que expressa algum significado, especialmente o ritmo dos instrumentos de percussão característicos dos rituais das religiões africanas e afro-brasileiras. Sendo assim, “o som dos tambores é linguagem: é a linguagem dos antepassados, que falam através deles fixando os ritmos fundamentais. Certos ritmos provocam uma quantidade específica de movimentos e nível de energia [...] (SILVA, 2005b, p. 136).

Assim, o ritmo dos tambores é o que direciona o ritual religioso, estabelecendo o modo como se deve dançar, as músicas que serão cantadas durante o ritual, a intensidade dos movimentos. Portanto, o batuque, a dança, a música são elementos constitutivos das religiões africanas e afro-brasileiras. Vale destacar que esse repertório musical africano influenciou o repertório musical e cultural brasileiro. O ritmo dos tambores forneceu a matriz para o samba; o lundu negro influenciou no chorinho; o ritmo melódico das músicas africanas influenciou a música popular brasileira (PRANDI, 2000). Destaca-se também outras manifestações artísticas que possuem influencia africana, como a capoeira, maculelê, tambor de crioula, congada, samba de coco dentre outras.

Para Vagner Silva (2005c), as celebrações populares, dentre as quais podemos citar a congada, folias de reis, o carnaval e outras, características da cultura brasileira se originaram das reelaborações religiosas feitas por africanos e afro-brasileiros das manifestações e/ou

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festas católicas, como procissões e folguedos. Ao participarem dessas cerimônias os africanos introduziram elementos da sua religiosidade ao catolicismo, religião obrigatória dos tempos coloniais, a partir de suas danças, músicas, utilização dos instrumentos de percussão. O universo religioso do Brasil, ainda segundo o autor, foi permeado pelos processos de resistência e reelaboração religiosa, tanto do catolicismo, quanto dos ritos indígenas e religiões africanas, formando novas religiões sincréticas, mistas, afro-brasileiras.

Nesse sentido, as religiões afro-brasileiras representam os principais elementos desse repertório artístico africano, como também cultural. Para Prandi (2000), a religião afro-brasileira talvez seja a reconstituição cultural mais bem acabada do negro no Brasil, na medida em que não reproduziu, apenas, as religiões africanas, como permitiu reproduzir outros aspectos da cultura africana, dentre eles a reconstituição, a partir do grupo religioso, dos padrões familiares e de parentesco africano, principalmente o da família iorubá. Ou seja, a família de santo se estruturou a partir dos padrões da família iorubá, garantindo uma reconstituição da identidade étnica dos afro-brasileiros, como também novas formas de organização social entre eles.

As religiões de matriz africana não se limitaram a preservar o universo simbólico e mítico das etnias africanas trazidas forçadas ao Brasil, mas constituíram-se como instrumentos de resistência, encontros e solidariedades entre os africanos e afro-brasileiros postos em condição de escravos e posteriormente de desamparo social. Para Silva (2005c) o desenvolvimento das religiões afro-brasileiras, especialmente de suas formas mais comuns – o candomblé e a umbanda, mais do que expressão simbólica de crenças religiosas é produto das experiências sociais dos grupos e do contexto político, social e econômico no qual estão submetidos.

Ainda segundo o autor o crescimento das cidades em meados do século XIX, o aumento da presença e circulação dos escravos, negros libertos e seus descendentes nas cidades, o maior potencial de mobilização e integração entre eles, principalmente por compartilharem moradias coletivas, como casebres, sobrados velhos, desatrelados da casa do senhor, proporcionaram uma estabilidade para a realização dos cultos afro-brasileiros, pois as moradias serviram não apenas de residência dos negros, mas de lugar de encontro e realização dos cultos a seus deuses. A constituição de templos, a partir das casas de candomblé hoje terreiro de candomblé, possibilitou organizar melhor as religiões afro-brasileiras, seus cultos, seu formato, sua organização espacial, que é uma adaptação em pequena escala do padrão de habitação das famílias iorubás chamados de compound.

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