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1 CLUBES NEGROS NO PÓS-ABOLIÇÃO: RECREAÇÃO, SOCIABILIDADE, RESISTÊNCIA E AUXÍLIO MÚTUO

1.1 ESCRAVIDÃO NO BRASIL: TRÁFICO, FORMAS DE VIDA E ABOLIÇÃO

A partir o século XVI, diversos grupos étnicos foram retirados da África, para ser vendidos como cativos no Brasil. As condições dos navios negreiros eram precárias, por isso, vários morriam na travessia, os que sobreviviam eram separados de suas famílias, submetidos a trabalhos forçados, vivendo nas senzalas em condições desumanas, sendo vendidos como mercadoria, com anúncios em jornais e negociações. Conforme Aladrén (2012, p. 16):

O tráfico atlântico foi a maior migração forçada da história. Começou no final do século XV e durou até meados do século XIX. Neste período, aproximadamente 12,5 milhões de africanos foram embarcados e um pouco menos de 11 milhões chegaram ás Américas, sendo que 40% tiveram como destino o Brasil. Os traficantes brasileiros, juntamente com os ingleses, holandeses, franceses e portugueses, foram os responsáveis pela organização da maior parte dos navios negreiros. Mas como foi possível estabelecer este cruel comércio de vidas humanas com tal magnitude e durante tanto tempo?

Respondendo ao questionamento do autor, este sistema foi uma acumulação de interesses, os europeus de comércio lucrativo e poder, os próprios africanos em livrar-se de tribos inimigas, em estabelecer relações de comércio e produtos

importados. No Brasil a escravidão significava, acumulação de capital, investimentos, troca da mão de obra indígena pela africana, considerada mais forte e hábil. Deste modo, a escravização era mais vantajosa e atendia a vários interesses particulares e do próprio Estado Colonial.

Destaca-se ainda, o fato de o negro ser considerado um animal, uma mercadoria, não existindo nenhuma preocupação dele como ser humano. A partir deste pensamento, o sistema escravocrata brasileiro constituiu-se uma das mais rígidas e severas formas de punição. O entendimento de justiça, de trabalho e obediência era aplicada pelo senhor, por meio dos castigos físicos realizados publicamente e apresentados como um espetáculo.

No entanto, esta situação não foi aceita pacificamente. Várias revoltas contra seus senhores eram realizadas, materiais e plantações arrasados e, principalmente, ocorria a formação e o refúgio nos quilombos. Nestes espaços, constituíam-se grupos de resistência com organização social, política e econômica em que “o escravo fugido podia então, abrigado pelas matas, por um relevo difícil ou pelas próprias armas, organizar sua vida como produtor independente, ou seja, dono no geral do produto de seu trabalho. ” (MAESTRI FILHO, 1979, p.86).

As leis de liberdade são criadas para beneficiar principalmente os senhores, pois crianças pequenas e pessoas idosas não desenvolviam o trabalho pesado. Inclusive estas leis, atenderiam uma série de exigências externas como os movimentos contrários ao tráfico negreiro, antiescravistas, tanto quanto pelo receio de revoltas maiores como as ocorridas no Caribe e no Haiti, assim como a grande pressão da Inglaterra e dos Estados Unidos. Com tudo isso, intensifica-se o movimento abolicionista, que conforme Nepomuceno (2012. p.79-80):

O chamado “movimento abolicionista”, consolidou-se predominantemente nas cidades, a partir da década de 1880, quando pessoas de diversas camadas sociais começaram a defender publicamente a emancipação dos escravos ou a abolição imediata da escravidão. O abolicionismo no Brasil reuniu adeptos de variadas origens, condições e posições políticas, como parlamentares, intelectuais, jornalistas, profissionais liberais, setores médios, militares, trabalhadores pobres, imigrantes ex- escravos e escravos.

Dos integrantes do grupo, aparecem em destaque Luís Gama, José do Patrocínio e André Rebouças, ambos negros que lutaram, solicitaram aos senhores que seus cativos fossem libertos, esconderam e transportaram os fugidos. Os cativos

também fizeram sua parte realizando fugas coletivas para os quilombos apoiados pelos abolicionistas, faziam manifestações e protestos contra prisões, ou denunciavam os abusos que sofriam de seus senhores.

Aliado a isso, algumas províncias passam a libertar seus homens em cativeiro e a própria Igreja Católica apoia a abolição. Em vista disso, no dia 13 de maio de 1888, a Princesa Isabel assina a Lei Áurea extinguindo, a partir desta data, a escravidão do Brasil.

Destarte, a abolição da escravatura, deu liberdade aos negros, mas também ocasionou sua marginalização, porque ele ficou nas ruas, nas periferias, à margem da sociedade. No pós-abolição, os negros necessitam de trabalho e socialização.

A princesa Isabel assinou a Lei Aurea, mas se esqueceu de assinar a carteira de trabalho de negros e negras, cujas consequências são sentidas até os dias atuais, pois essa parcela da população brasileira ainda ocupa os maiores índices de desigualdade e bolsões de miséria no país. Além disso ainda, existe o mito da democracia racial, onde se disseminou a ideia de que neste País não existe racismo pelo fato de ser um povo miscigenado e multicultural, entretanto o que se vê na prática, são profundas diferenças raciais que impedem a mobilidade social dessa parcela da população. (ESCOBAR, 2016, p.26)

Consequentemente, as formas de trabalho ainda eram controladas pelos senhores de terras, deixando o negro sem possibilidades e estratégias de sobrevivência. Segundo Cardoso (1962, p. 299) “a mobilidade social controlada fazia com que, como condição para a ascensão, estivesse inscrito, já é um princípio de subordinação. O negro, “cria da casa” do coronel fulano é que podia ser porteiro de repartição pública”.

Mesmo desta forma, muitos negros conseguiram-se inserir-se nas instituições públicas, receber salário e mudar sua condição social. Para o aforismo de que os negros em geral, para suprir suas necessidades, viram-se forçados a cometer delitos para sobreviver, se prostituindo e se submetendo a trabalhos com mínima remuneração, tornando-se párias da sociedade, Domingues (2009, p. 218) rebate que vários buscaram alternativas e evoluíram socialmente:

Mesmo enfrentando os grilhões simbólicos da invisibilidade no Rio Grande do Sul e sentindo o gosto de fel do racismo, ambos trilharam carreiras profissionais bem-sucedidas, emergiram socialmente, adquiriram prestígio, concluíram o curso superior (com o talento intelectual sendo reconhecido), eram bastante articulados politicamente e zelavam pela instituição da família, sem, contudo, prescindir de sua identidade racial.

Contudo, isso era privilégios de uma minoria, dado a quantidade de ex-cativos que estavam procurando sobreviver ou ascender socialmente. Uma parcela majoritária, continuava em situação precária, tendo que buscar outras formas de resistência e firmamento.

A situação do negro na República Velha era extremamente débil. Imerso numa sociedade acostumada a trata-lo como escravo, frágil em seus apoios culturais e econômicos, abandonado quando da abolição pelos seus parceiros brancos, ele teve que pacientemente, tecer uma ampla rede de associações, clubes, jornais que, ao mesmo tempo, organizassem e conscientizassem os elementos de raça negra, dando-lhes respaldo em momentos de crise. (LONER, 1999, p. 250-251)

Por conseguinte, os negros com um trabalho passaram a frequentar e criar locais mais sofisticados, havendo até mesmo uma exclusão dentro da própria etnia. Os que possuíam trabalho esporádico, careciam de socialização, auxílio mútuo e relações trabalhistas. Desta maneira, ambos passaram a criar seus espaços sociais, como clubes e associações.