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4. RESULTADOS

5.2. ESPÉCIE AGRESSORA

Em Campinas, não diferente do que ocorre no Brasil, a espécie agressora predominante foi a canina seguida da espécie felina que correspondeu por 11,7% das notificações, porcentagem idêntica à verificada no restante do país.74 Já os atendimentos antirrábicos com o envolvimento de morcegos representaram 4,5 % dos atendimentos antirrábicos em Campinas, muito acima do perfil encontrado no

país (0,7%) e em outras localidades brasileiras como a mesorregião de Pernambuco, o munícipio de Cuité na Paraíba e as cidades de Porto Alegre e Caçapava no Rio Grande do Sul.77,78,79,80 Somente em 2017, os morcegos chegaram a representar mais de 7% das notificações dos atendimentos antirrábicos. No mesmo ano, houve um aumento de aproximadamente 35% no envio de amostras de morcegos pela UVZ em relação a 2016, com o diagnóstico de mais de 20 exemplares positivos.

Tais resultados devem-se à presença de um sistema robusto de vigilância da raiva que permite a investigação de pessoas expostas aos morcegos recolhidos, resultando em sistemáticos trabalhos de comunicação do caso e de orientações sobre a prevenção da raiva junto à população. Apesar disto, ainda são identificadas áreas silenciosas em Campinas, a exemplo das áreas dos CS Campina Grande e Oziel, nas quais não ocorreu nenhum registro de atendimento antirrábico humano pela espécie quiróptera durante todo o período de estudo. Considerando que as áreas de coberturas destes Centros de Saúde possuem aporte para a presença de morcegos e há o recolhimento destes animais em territórios de centros de saúde limítrofes, aponta-se para uma subnotificação de eventos de exposição a morcegos nestas áreas.

Entre as possíveis causas de subnotificação de acidentes com morcegos em alguns territórios de Campinas, aventa-se o desconhecimento da população sobre o papel do morcego na transmissão da raiva, identificar situações de exposição de risco e da existência do serviço de recolhimento e envio de morcegos em situação atípica pela UVZ, bem como da ausência de informações para identificar tal atipicidade. Vem de encontro às hipóteses levantadas, a constatação de que as maiores proporções de incidência de atendimentos antirrábicos pela espécie quiróptera foram observadas nas áreas de abrangência dos distritos de saúde leste e norte, locais onde ocorreu a grande maioria dos recolhimentos de morcegos pela UVZ e que o maior número de notificações de atendimentos pela espécie quiróptera foi registrado em pacientes residentes na área do CS Barão Geraldo, território no qual mais se recolheu morcegos em situação atípica.

Áreas silenciosas encontradas em um município em que morcegos infectados com o vírus da raiva ocorrem em todos os distritos de saúde podem demonstrar a possibilidade destas ocorrências em outras localidades do território nacional. A transmissão de raiva por quirópteros e o acometimento das espécies

caninas e felinas por variantes de morcegos no Brasil aumentam o risco de transmissão da raiva humana se bons sistemas de vigilância passiva de quirópteros não estiverem instituídos nos programas de prevenção de raiva dos municípios brasileiros.

Em Campinas, ao longo do período de estudo, também houve um aumento das notificações com o envolvimento da espécie felina, justificado por uma maior percepção da população e profissionais de saúde do risco de transmissão da raiva por estes animais a partir de divulgações de casos positivos de raiva em felinos em Campinas pela Secretaria de Saúde, bem como dos casos de raiva humana no Brasil por intermédio de gatos domésticos infectados pelas variantes de morcegos.37

Corrobora esta hipótese, a identificação por meio da análise espacial de que o segundo e terceiro maiores conglomerados de notificações de atendimento antirrábico humano por agressões envolvendo felinos foram encontrados nas áreas de abrangências dos CS Santa Lúcia e Saúde Anchieta. Nestas áreas, foram desencadeadas ações de comunicação do caso e prevenção da raiva após o encontro de um gato doméstico positivo na área de abrangência de cada um destes Centros de Saúde. Nota-se ainda que o CS Anchieta apresentou a maior proporção de incidência de atendimentos antirrábicos ocasionados pela espécie felina do município.

Ainda no que tange ao perfil da espécie agressora, especificamente para as notificações ocasionadas pelas espécies caninas e felinas, a maioria dos atendimentos antirrábicos foram resultantes de animais com possibilidade de observação e sadios para fins de conduta. Porém, esta condição foi verificada em uma maior frequência e proporção para a espécie canina em comparação à felina, o que justificou uma proporção bem maior (quase o triplo) de instituição de soroterapia nos atendimentos pela espécie felina. Aventa-se como possíveis explicações o fato de que a maioria dos felinos, mesmo quando possuem tutores, têm livre acesso à rua e a associação estatística de lesão em mãos/pés nas agressões ocorridas por felinos,77,78 portanto, classificadas como graves e requerendo o soro antirrábico. Tal situação corrobora a importância da posse responsável em relação aos felinos.

O presente estudo, como verificado em município da Paraíba por Azevedo et al.77 e Primavera do Leste, MT, por Moreira e Lima,75também identificou

problemas na completitude de preenchimento da ficha de notificação, uma vez que em um grande número atendimentos as informações inerentes à possibilidade de

observação do animal, a condição do animal para fins de conduta profilática e o desfecho do animal ao término do período de observação estavam vazias ou ignoradas. Outra constatação relevante deste estudo foi a identificação de um número expressivo de cães e gatos (727) que morreram durante o período de observação sem que houvesse a coleta e o envio do sistema nervoso central (SNC) para análise de raiva, mesmo o município possuindo uma Unidade de Vigilância de Zoonoses estruturada para recolhimento dos cadáveres e rápido envio de amostra para análise laboratorial.

Tais resultados são preocupantes, dado que a possibilidade de observação, condição e o desfecho do animal são primordiais na decisão da conduta profilática instituída aos indivíduos expostos. Soma-se a isto o fato de que a ausência de informações sobre os cães e gatos agressores que poderiam ter sido observados e o descarte dos cadáveres destes animais sem a devida submissão para exame de raiva remetem a instituição de condutas profiláticas com uso de imunobiológicos de alto custo e escassos em todo o país. Além do mais, submetem o paciente a riscos de possíveis reações adversas.

Diante do exposto, são importantes as ações de sensibilização que promovam a valorização da observação de cães e gatos agressores até o seu desfecho em tempo oportuno pelos profissionais de saúde que compõe a rede de assistência municipal e, consequentemente, pelos pacientes atendidos por estes profissionais e que garantam o exame laboratorial para raiva no caso do óbito destes animais. Neste sentido, a instituição do uso rotineiro do Cartão de Monitoramento do Cão e Gato Agressor (ANEXO G) pelas Unidades de Saúde é um instrumento disponível que poderia contribuir na garantia e qualificação da observação dos cães e gatos agressores pelos pacientes e profissionais de saúde, diminuindo a indicação de soroterapia e vacinação aos pacientes atendidos.

Em relação ao encontro no banco de dados de pacientes expostos a cães e gatos em que o desfecho final dos animais foi de positividade para raiva por critérios laboratoriais em número muito acima do ocorrido, mostra possível erro de preenchimento ou de digitação da ficha individual de investigação de atendimento antirrábico. Para os atendimentos pelas espécies “outra”, um achado deste estudo foi o encontro de um grande número de registros inadequados dos herbívoros domésticos nesta categoria, o que remete a possibilidade da mesma ocorrência em outros municípios. Os resultados deste estudo indicam que é necessária a avaliação

da qualidade dos dados periodicamente, assim como a capacitação dos profissionais de saúde quanto ao preenchimento adequado e completo das notificações para que haja atuação eficiente da vigilância da raiva nos diferentes níveis do sistema de saúde. Também demonstra a importância da explicação na ficha de notificação de quais animais agressores se enquadram como herbívoros domésticos.

No que se refere à distribuição temporal dos atendimentos antirrábicos, em Campinas, assim como observado por Lopes et al.78 em Caçapava, RS, e Dos Santos et al.80 no agreste Pernambucano, houve notificações ao longo de todos os meses do ano sem demonstração de sazonalidade destes eventos. No entanto, houve frequência aumentada de atendimentos nos meses de primavera e verão e nos meses de férias escolares, o que pode ser justificado pelo aumento de atividades fora do domicílio, como passeios, viagens, caminhadas, brincadeiras em ruas, parques entre outros. Além do mais, na primavera e verão os animais, principalmente os da fauna silvestre, são mais ativos, favorecendo o encontro com as pessoas. Outra hipótese aventada é que nos meses de primavera e verão os trajes curtos favorecem a exposições que poderiam ser barradas caso o paciente estivesse vestindo calça comprida ou calçando um sapato fechado, por exemplo.

Para a espécie canina foi observada que a maior frequência dos atendimentos ocorreu no mês de agosto, curiosamente tal mês é popularmente conhecido como o “mês do cachorro louco” e também o mês em que tradicionalmente ocorrem as campanhas antirrábicas municipais. Uma possível explicação seria uma maior preocupação da população em relação à transmissão da raiva com as mordeduras ocasionadas por cães no mês de agosto, dado que há fatores que a faz lembrar-se desta doença, refletindo em uma maior notificação dos acidentes por parte dos pacientes expostos.

Para a espécie quiróptera houve uma sazonalidade bastante evidente com predomínio dos atendimentos nos meses de primavera e verão, assim como observado em estudos similares na Austrália, Estados Unidos da América e Canadá.61,62,63,70 Tal perfil sugere a importância do incremento de ações de prevenção a exposições por morcegos junto à população nestes períodos.

Com relação à análise espacial dos atendimentos, dado que a maioria das notificações ocorreu nos centros de saúde de residência das vítimas, os mapas permitiram concluir que análises a partir dos endereços de residência dos pacientes

são úteis para avaliações do ponto de vista da gestão pública, já que demonstram os territórios onde há uma maior demanda profissional para a investigação e condução destes atendimentos bem como por imunobiológicos. Além do mais, as análises espaciais pelas principais espécies agressoras permitiram identificar áreas em que a população residente estava mais sensibilizada para a notificação de acidentes com o envolvimento da espécie felina (por exemplo, CS Anchieta e Santa Lúcia) e da espécie quiróptera (a exemplo do CS de Barão Geraldo).

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