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1 CAPITAL SOCIAL: TEORIZAÇÕES E APLICABILIDADES

1.2 O ESPÍRITO CÍVICO NA DEMOCRACIA DA AMÉRICA DE TOCQUEVILLE

Ao tratar o tema do Capital Social, não podemos deixar de falar em Alexis de Tocqueville (2005) e sua obra fundamental: A Democracia na América (De La Démocratie en Amérique), obra na qual podemos vislumbrar os primeiros indícios de teorização sobre capital social, embora este não fale diretamente no mesmo, ao tratar do espírito cívico do povo norte- americano.

Quem diria que a obra de um francês seria uma das mais importantes sobre o tema da democracia, sendo considerado um dos grandes teóricos da democracia moderna, cuja leitura inspira ainda muitos cientistas políticos atuais, entre eles Robert Putnam, que irá tratar do tema do capital social baseado nos fundamentos teóricos de Tocqueville sobre o espírito cívico.

Em 1830, com apenas 25 anos de idade, Tocqueville viaja aos Estados Unidos da América com o encargo de estudar as instituições penitenciárias americanas. São desconhecidas as razões pelas quais recebeu esta missão do Rei Luís Felipe, mas seu interesse centrou-se em conhecer a fundo o funcionamento e a estrutura do regime político e a sociedade norte-americana, tanto em seus aspectos sociais e culturais, como políticos. Desta experiência vai surgir sua principal obra, A Democracia na América, sendo seu primeiro volume escrito e impresso em 1835, quando o francês contava com 30 anos e o segundo em 1840.

Sua preocupação central no livro é tentar dar respostas ao sucesso da democracia norte-americana e vislumbrar seus fundamentos, podendo servir esta de exemplo para outras nações como modelo bem-sucedido. O francês nos diz que o advento da democracia no mundo será um processo inevitável e universal. Qual é o principal elemento para o bom desempenho da democracia na América, esta é a pergunta que norteará toda a sua estadia nos Estados Unidos da América, que foi de maio de 1831 a fevereiro de 1832. O autor percebe que as condições de igualdade oportunizada aos cidadãos norte-americanos é o fundamento principal para o bom desempenho daquela democracia. O espírito cívico, de acordo com ele, é o bem maior que tem esse povo, espírito de cooperação, de participação que leva ao bom funcionamento institucional. Está aqui o germe do conceito de capital social que surgiria muito mais tarde.

Para Tocqueville (2005), a democracia é algo natural, pois é considerada por ele como algo inevitável e, ao mesmo tempo sagrada, sendo, desta forma, um direito natural do cidadão. Quem se opor a ela está se opondo a própria vontade de Deus e indo contra um direito natural do homem, eis as reflexões de Tocqueville (2005). Quem é contra a democracia é contra o próprio Deus. Ao fazer estas considerações está também buscando mostrar aos franceses que estes estão no caminho equivocado ao tentar restaurar a monarquia na França. Por que não seguir o exemplo americano, seu modelo de democracia, quando este dá mostras de sucesso garantindo bem-estar ao seu povo. Onde se encontra, então, a fórmula para este sucesso. Para o francês, o modelo de democracia norte-americano está fundado na igualdade de condições de seus cidadãos, o que permite a efetiva participação dos mesmos nas decisões da coisa pública. Desta forma, um Estado democrático só é possível quando o poder emana do povo, quando este é quem participa da composição das leis, é quem escolhe seus agentes políticos, respeitando assim o princípio da soberania popular.

O povo participa da composição das leis, pela escolha dos legisladores, da sua aplicação pela eleição dos agentes do poder executivo; pode-se dizer que ele mesmo

governa, tão frágil e restrita é a parte deixada à administração, tanto se ressente esta da sua origem popular e obedece ao poder de que emana [...] (TOCQUEVILLE, 2005, p. 52).

O que faz da América um exemplo de democracia? Tocqueville (2005) irá dizer que existe ali um estado de espírito que está intrinsecamente relacionado com a religião e a crença religiosa dos cidadãos norte-americanos. A religião é fundamental para a democracia e para a manutenção das suas instituições políticas, na medida em que reforça os costumes e evita a tirania da maioria.

Outro elemento que chama a atenção do autor é o elevado nível cultural do povo, vendo como fundamental nesse país a democratização do conhecimento, principalmente o político e, ele nos diz que, o povo americano é o mais esclarecido do mundo, principalmente no que refere à educação política prática. Esta educação política prática é vislumbrada no grande número de associações que existem e das quais participa o cidadão, assim a associação cumpre um importante papel educativo. Existe um forte espírito cívico entre os americanos, o que os leva a associar-se e a participar na vida pública.

Os americanos de todas as idades, de todas as condições, de todos os espíritos, estão constantemente a se unir. Não só possuem associações comerciais e industriais, nas quais tomam parte, como ainda existem mil outras espécies: religiosas, morais, graves, fúteis, muito gerais e muito pequenas. Os americanos associam-se para dar festas, fundar seminários, construir hotéis, edifícios, igrejas, distribuir livros, enviar missionários aos antípodas; assim também criam hospitais, prisões, escolas (TOCQUEVILLE, 2005, p. 391-392).

A associação entre as pessoas e o laço de confiança estimula um forte espírito cívico, sendo estes fundamentais para o sucesso de uma democracia, como a da América, eis as conclusões a que chega o autor. Já nos diz Tocqueville que “para que os homens permaneçam civilizados ou assim se tornem, é preciso que entre eles a arte de se associar se desenvolva e aperfeiçoe na medida em que cresce a igualdade de condições” (2005, p. 394)5.

A participação então, promove o Espirito cívico, o associativismo e a confiança nos membros de uma comunidade, eis o legado de Tocqueville.