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Conforme observado acima, o Espírito de Cristo se desdobra no processo da Igreja, isto é, no caminho de perdão e comunhão aberto à plena liberdade do homem, à ressurreição dos mortos (Vida Eterna). Reinterpretando esses motivos, a Igreja Latino-Americana, em seu documento de PUEBLA 1979, definiu o Espírito como força de libertação humana de Cristo, isto é, uma pneumatologia da libertação.

É fato que a Igreja não é o Reino de Deus, Reino de Amor, Reino de Paz, Reino de Justiça, Reino de Perdão, Reino do Respeito à Vida, Reino de Comunhão, mas pode e deve ser porta-voz e testemunha do Reino, ao anunciar o querigma fundante e as exigências decorrentes dele. As orientações da Igreja somente fazem sentido quando, sob a orientação do Espírito Santo, visam ao bem-estar integral do ser humano e de toda a criação.

130 Ibid., p. 439.

131 FERREIRA, José Manuel dos Santos. Op. cit., p. 103.

132 HILBERATH, Bernd Jochen. Pneumatologia in: SCHNEIDER, Theodor (org.). Op. cit., p. 441, Cf.

Com efeito, o Espírito Santo é, antes de tudo, o poder de Comunhão; por isso encontra-se onde a Igreja se apresenta diante dos homens como sinal de unidade fraterna. A experiência de Deus vivida na América Latina é, propriamente, uma experiência do Espírito Santo.133

O próprio Espírito de Deus dirige o caminho de libertação; ele não age de fora, age através da própria atividade dos homens. Readaptando uma palavra pragmática de PUEBLA, poder-se-ia definir a libertação como a intenção de transfigurar as vicissitudes da história como Fogo do Espírito. Por isso, a força do Espírito deve ser introduzida na cultura, vitalizar as comunidades cristãs e orientar criticamente as ideologias e a vida política do mundo. PUEBLA destacou nesse campo, a importância das velhas culturas. Sabe que libertar não é destruir a tradição, nem aplanar o que foi previamente realizado, a libertação resume os valores de humanização e de concórdia que se encontrava em andamento na América Latina. É necessário, porém ao mesmo tempo, uma mudança mais profunda, o surgimento de uma nova humanidade que é fundada no valor do Evangelho.

A libertação tem, antes de tudo, um plano material, por isso expressa-se no nível concreto da ciência e da técnica e não pode se desligar da colaboração concreta do trabalho e da produção de bens materiais, visto em chave do Espírito tudo o que se relaciona com o trabalho, o avanço da técnica e as conquistas materiais, conquistas assim sentido de ação libertadora. O homem se liberta submetido ao seu domínio do mundo, pondo o próprio cosmo ao serviço dos valores humanos. PUEBLA deu um sim pneumatológico ao esquema que subjaz no fundo das filosofias teológicas do progresso, numa linha que está próxima de outros movimentos sociais do momento. A libertação tem um segundo aspecto social que se explicita em forma de comunhão inter-humana, pois não existe plenitude sem comunhão; não existe

133 PIKAZA, Xavier. Espírito Santo e libertação in: Dicionários de conceitos fundamentais do cristianismo. São

Paulo: Paulus, 1999, p. 239, Cf. MÜHLEN, Heribert. O Evento Cristo como obra do Espírito Santo in: FEINER, Johanne e LOUERHER, Magnus. Mysterium Salutis. volume III, T. 8. Ed. Vozes, 1974, p. 5-34.

liberdade sem vida compartilhada. Por isso, o homem se liberta para se realizar como imagem criada de Deus refletindo no mistério divino de comunhão em si e na convivência com seus irmãos.134

Sempre, segundo PUEBLA, não existe liberdade onde os homens continuam sendo escravos de bens materiais, como ainda hoje acontece em nosso mundo. Certamente, esses bens materiais e a própria técnica empregada para consegui-los podem se converter em meio para o surgimento de relações interpessoais mais livres e libertadoras. Essa libertação que deve centralizar-se de forma primordial nos marginalizados, como os moradores de rua e muitos outros, só culminará quando os homens alcançarem a plena comunhão do Espírito de Cristo. A libertação tem, portanto, nível de transcendência, por isso realiza-se em Cristo que é princípio de grandeza e de dignidade para os homens; só em seu nível de graça a conquista das técnicas alcança seu sentido e pode ser suscitada a verdadeira comunhão inter-humana. Chegando a esse nível, nesta altura de plena gratuidade e dom final do Espírito de Cristo, pode-se valorizar a criatividade do homem, fazendo com que a ação libertadora adquira plenitude.

Em tal plano, PUEBLA transbordou todas as dimensões libertadoras do progressismo impositivo, dando abertura à plenitude que só pode ser fundamentada e refletida pela Cruz de Jesus Cristo e pela obra de seu Espírito. Nessa perspectiva, o Espírito pode ser definido como profundidade, isto é, autoabertura fundante e gratuita de um Deus que se revela com amor para os homens, sendo em si amor perfeito, também como comunhão ou realidade fundante do mesmo amor inter-humano que deriva do encontro trinitário. O Espírito pode ser definido como criatividade que torna o homem capaz de estender-se para fora, suscitando vida ao redor

de si, como faz o próprio Espírito de Deus no princípio (Gn 1, 2). A partir dessa análise, deve- se entender todo o processo de libertação e perspectiva trinitária.135

Assim, estão resumidos em chave de pneumatologia escatológica os três aspectos do Espírito: presença de Deus, comunhão inter-humana, e plenitude da própria criação que (ao se colocar a serviço da fraternidade), começa a ser sinal de Deus, expressão de sua beleza, promessa de sua glória. Estes foram e são os aspectos da libertação autêntica: trata-se de construir nova sociedade na qual, trabalhando em comum e compartilhando os bens, os homens possam viver em comunhão, antecipando e expressando assim, sobre a terra latino- americana, o grande mistério da comunidade trinitária que foi manifestado pelo Cristo e sustentado no Espírito.