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Espíritos exorcizados – Jacinta e Marta

Jacinta tem 31 anos e é estudante universitária em Maputo. Narra que a sua vida foi sempre cheia de problemas. Relatou que cresceu e atingiu uma idade avançada sem ter o ciclo menstrual, perdia muitos namorados e sempre que se envolvia com um homem este não se mostrava entusiasmado com a relação e acabava por abandoná-la. Reforça que mesmo os seus estudos foram constantemente prejudicados porque quando se aproximavam os exames ficava sempre impossibilitada por doença ou sem motivo aparente. Um espírito fá-la sofrer desde pequena, dificultando o seu normal crescimento e desenvolvimento.

Jacinta sonhava constantemente com um homem a ter relações sexuais com ela durante a noite. Ainda a acrescentar que todas as vezes que se envolvia com homens estes não tinham ereção suficiente para a consumação do ato sexual - era frustrante, dizia a interlocutora. Depois de revelar esta situação à tia, esta decidiu contar à mãe da visada. Foi na sequência disso que a mãe decidiu levar a filha para a Igreja Universal onde já era crente há algum tempo. Diz ter frequentado a corrente de libertação durante muito tempo,

120 até o problema dela ser resolvido com a ajuda de Jesus Cristo. Conta que as orações e rituais para exorcizar o espírito eram antecedidos por uma série de perguntas para depois o pastor o capturar, em transe. Obrigava-o a revelar-se perguntando-lhe o nome, o que queria na sua vida e como é que entrou na vida dela. Jacinta relata que durante uma sessão pública no altar, o espírito capturado afirmou ter entrado no corpo dela através de feitiço. Com dizeres como «manifeste-se agora, espírito do mal, aparece agora», tentavam exorcizar os espíritos. Então, o pastor ordenou: «Sai deste corpo que não te pertence! Deixa esta mulher em paz! Ela está fria na cama por sua causa! Ela não consegue marido por sua conta! Sai, sai, sai da vida e do corpo desta mulher!»

Segundo Jacinta, a vida começou a melhorar a partir de então, conseguiu o ingresso na faculdade e ao mesmo tempo começou a trabalhar numa gasolineira. Arranjou um namorado e tudo começou a correr “às mil maravilhas”. Jura que não acreditava na crença/fé nos espíritos mas a vida fez-lhe perceber que existem.

Em Massinga, muitas pessoas com quem o investigador estabeleceu diálogo relataram um ritual com os mesmos propósitos que o culto da Igreja Universal – expulsar os espíritos. Quando se descobre através da adivinhação dos médicos tradicionais que uma mulher é atacada por espíritos, por si mesmos ou por indicação de um adivinho, o espírito é capturado e exorcizado. Quando, capturado pelo adivinho, as pessoas questionam: qual é o nome? De onde vem? Quais são as suas intenções? O espírito revela o seu nome e as suas origens. “Vosso pai adquiriu me no mestre “fulano”, ele queria ficar rico… queria produzir muito mais na sua machamba…” e em seguida estabelece os seus desejos e exigências.

Nos casos em que o espírito reclama uma rapariga, o ritual de exorcismo envolve uma negociação com o mesmo. O médico tradicional, depois de o convencer, introduz o espírito numa garrafa preta, juntamente com remédios à base de plantas e rapé e fecha-o. Realiza-se um ritual de limpeza para a rapariga (sacrifício de alguns animais, normalmente galinhas ou cabrito dependendo do poder de cada espírito), a rapariga é coberta (incisões) com algumas plantas consideradas da noite (munyama), que desviam a atenção do espírito e este perde a noção dada a escuridão da noite que encobre a rapariga e desta forma o espírito não reconhecerá a rapariga reclamada como esposa. Envolve-se a garrafa em capulanas branca e preta e enterra-se no mato ou no cruzamento entre dois

121 caminhos. Apela-se aos espíritos dos antepassados para proteger a rapariga, o médico tradicional administra alguns remédios e dá por terminado o exorcismo do espírito.

Marido Espiritual: Entre o Adorcismo e o Exorcismo

O fenómeno do marido espiritual mostra as ambiguidades que as ações dos espíritos têm no Sul de Moçambique. Como pudemos constatar, os sentimentos religiosos dos diversos grupos étnicos do Sul de Moçambique não são negativos nem positivos perante os espíritos possessores, em particular no que se refere ao casamento com seres espirituais. A descoberta de um espírito possessor adquirido por um familiar que pretendia servir-se dos seus poderes, pressupõe o pagamento do mesmo através de jovens raparigas sendo, por isso, socialmente censurado. No entanto, reconhece-se, ao mesmo tempo, a capacidade que os espíritos têm para controlar e moldar a identidade das pessoas. Há uma interdependência entre as pessoas e os espíritos que se relaciona com as capacidades individuais de ação.

Nesse caso, a atitude das pessoas depois de conhecida a categoria do espírito possessor pode oscilar entre a expulsão e a integração, pela filiação na árvore genealógica da vítima ou pela iniciação à profissão de Nyanga. Quer nos casos em que os espíritos são adorados, quer noutros em que são exorcizados, o processo por meio do qual a adivinhação procura e levanta o diagnóstico é um monopólio dos médicos tradicionais (Tinyanga). Mesmo nos casos em que as pessoas negoceiam a terapia com o espírito, apenas se limita a forma e não a essência, pois a sua vontade é sempre transmitida por intermédio do especialista que trata o doente, gerando deste modo, discursos e práticas que legitimam uma ideologia de subserviência perante fenómenos de possessão espiritual. Os espíritos têm influência sobre os vivos, razão suficiente para as pessoas acatarem e respeitarem a sua vontade (Honwana, 2002:166).

Em todos os casos relatados neste capítulo, os doentes assumem uma atitude passiva e de aceitação, apenas procurando satisfazer os espíritos através da integração e intenções meramente pacificadoras e reparadoras, isto é, aceitando o casamento, ser hospedeiros ou tentando a sua expulsão. As narrativas das famílias Jerónimo e Zunguza e as respostas que mobilizaram perante as mortes recorrentes entre elas, sustentam tal passividade e

122 aceitação perante fenómenos de possessão espiritual. A imprevisibilidade dos espíritos suscita uma atitude ambivalente nas comunidades do Sul de Moçambique. Por vezes, o possesso procura essencialmente extrair dele o espírito invasor, noutras pelo contrário, o possesso procura uma aliança com o espírito e aprende a coexistir, ou a deixar-se possuir por ele, de uma forma pacífica e controlada44.

Denota-se então, a partir destes três casos, que os grupos étnicos do Sul de Moçambique desenvolvem relações bastante complexas com os espíritos. Não se trata apenas da questão das diferentes possibilidades de mediação com o sobre-humano, mas sim da apropriação dessas possibilidades. Com a satisfação das exigências do espírito, as pessoas criam práticas e soluções rituais para cimentar ou romper os vínculos com o passado e com os seus antepassados mortos. Na verdade, o que se verifica é uma total reorganização da interação e da comunicação nas relações entre os vivos e os mortos, pois à luz do sistema de crenças tradicionais a alteridade só é possível com a mediação dos especialistas Nyangas. As famílias Jerónimo e Zunguza só alcançaram a paz, depois de ouvirem o diagnóstico do especialista e se terem predisposto a seguir o ritual por ele definido no diálogo com o espírito. Mesmo assim, em ambos os casos, foi possível negociar o pagamento das dívidas de seus ascendentes, não pela aliança, como exigia o espírito, mas através de uma cabeça de gado e dinheiro. Logo, o conflito e a negociação são possibilidades permanentes da própria ordem social. Esta constrói-se a partir do reconhecimento do conflito e da negociação como fundamentos primordiais, permanentes e virtuais nas relações entre vivos e mortos. A paz é idealmente mantida pela produção de descendência e a pessoa pensada como sujeito da linhagem. A Dona Maria e a Jacinta também se libertaram, depois da transe dos pastores ter capturado e feito falar os espíritos. Médicos tradicionais, pastores zionistas e da Igreja Universal do Reino de Deus formam uma tríade que propicia rituais de captura dos espíritos e diagnóstico dos encantamentos forjados pelos feiticeiros e ao mesmo tempo aprisionam os espíritos malfeitores que, muitas vezes, acabam por se reconciliar com as suas vítimas, tomando- as como suas esposas ou suas intermediárias nas relações e diálogos com os vivos. Actualmente, o significado que os espíritos assumem na vida das pessoas caracteriza-se por uma crescente ambivalência, nomeadamente no que diz respeito às motivações,

44 Polonah (1968) e Honwana (2002) referem nos seus estudos a ambiguidade que as entidades

espirituais têm no contexto das famílias do sul de Moçambique, embora reconheçam a ideia de que existe uma continuidade entre o mundo visível e invisível, segundo palavra de West (2009).

123 intenções e efeitos. Dada esta fluidez de humor por parte dos espíritos no sul de Moçambique, a reação das pessoas é também ambivalente: umas vezes são venerados, como é o caso dos espíritos antepassados e dos espíritos Nguni e Ndau, que permitiram o surgimento da figura do nyamussoro, outras vezes são exorcizados tentando expulsá-los do corpo das suas vítimas, como foi o caso da Jacinta que se livrou dos espíritos da feitiçaria na Igreja Universal do Reino de Deus.

Em todos os casos apresentados, à exceção da dona Maria, embora as pessoas reconheçam e aceitem as reivindicações dos espíritos, as terapias passaram por um exorcismo e libertação dos mesmos, pois são sempre conotados com a feitiçaria e exigem um ritual apropriado para o seu afastamento. Estes casos diferem, por exemplo, da possessão que resulta das revoltas e reivindicações dos jovens guerreiros Nguni e Ndau. Aqui, o ritual passa necessariamente pela iniciação ou construção da palhota dos espíritos, pois acredita-se que estes espíritos são perigosos e fornecem poderes adicionais aos praticantes da medicina tradicional (Junod, 1998:423; Honwana, 2002:62; Granjo, 2010). Todavia, quer o caso de espíritos adquiridos com o simples intuito de prosperar materialmente, quer o caso dos espíritos mimpfhukwa dos Nguni e Ndau, ambos representam a expressão da encarnação da dívida e da falta moral que se estende para além da geração e da linhagem, como foi o caso das famílias Jerónimo e Zunguza, cujos filhos foram obrigados a pagar, no presente, pelas ações dos seus ascendentes. Este facto, levanta a velha questão de que as práticas e representações das relações entre os humanos e os seus deuses, o sagrado e o profano, presentes nas diversas religiosidades, nada mais serão que sínteses idealizadas das relações dos homens entre si. Mauss e Hubert (2005:77) escrevem que em algumas sociedades a troca com o divino é uma relação quotidiana usual, ainda que pouco usual. O além do humano e o humano parecem conviver seguindo regras, conjuntos de desejos e de funcionamentos bastante similares, ainda que com uma hierarquia clara de posições.

No contexto de África, vários autores referem-se à possessão espiritual como instância mediadora das relações entre espíritos e humanos, na qual as funções narrativas e performativas assumem um papel central. Através delas estabelecem-se canais de comunicação e interpretação de acontecimentos presentes e passados. Existe uma dimensão moral nas relações entre humanos e espíritos, expressa não apenas em categorias em que se ligam os valores de reciprocidade, nomeadamente, lealdade,

124 gratidão e obrigações, mas também porque os pontos de vista, conselhos, advertências e revelações presentes nessas interações são capazes de redirecionar, perante redescobertas e extensões, o foco das narrativas sobre as diversas relações dos humanos. A possessão não pode ser apenas considerada quando alguém estiver em transe, pelo contrário, as ocorrências ocasionais de transe servem para criar e comunicar uma nova dimensão no relacionamento que de facto existe a cada instante (Lambek, 1980: 338).

Pessoas, espíritos e médicos tradicionais trocam perspetivas a partir das quais situações do passado criam novas relações, embora os Nyangas, enquanto agentes intermediários, detenham o monopólio da explicação. Os infortúnios e mortes registados entre as famílias Jerónimo e Zunguza eram um sinal de alerta sobre as faltas e dívidas morais que existiam a favor dos espíritos e demostravam a urgência na consulta dos médicos tradicionais e a necessidade de começar o tratamento. Ainda nestes dois casos, em particular no da família Jerónimo, a compra do feitiço por parte dos quatro irmãos demostra a crença na ação dos espíritos enquanto agentes que proporcionam o bem-estar e prosperidade material. Devido a isso, acredita-se que os quatro irmãos conseguiram ter casas de alvenaria num contexto de extrema pobreza. Todavia, o incumprimento em relação às exigências do espírito degenerou num conjunto de infortúnios e mortes, levando inclusive à negociação das formas de pagamento ou compensação aos espíritos em causa. Ademais, o estado de degradação e abandono em que se encontram as casas dos irmãos Jerónimo é sinal da insatisfação dos espíritos pelos incumprimentos registados na sua compensação. De igual maneira, as mortes e doenças entre os Zunguza insinuavam a zanga dos espíritos pelas dívidas e faltas morais.

Parafraseando Passador (2020), os discursos sobre feitiçaria, medicina tradicional e espíritos não constituem atestados de veracidade dos seus pressupostos metafísicos, nem servem de metáforas de um pensamento universal, mas são sistematizações cosmológicas, pragmáticas e metonímicas que constroem mundos sociais particulares e irredutíveis a si mesmos. A transformação dos espíritos possessores da dona Maria em anjos zionistas e a libertação e cura da Jacinta na Igreja Universal do Reino de Deus, refletem a complexidade e a necessidade de se compreender este universo.

É difícil traçar os espíritos maus e nocivos aos grupos do Sul de Moçambique. Numa visão subtil, os espíritos dos antepassados parecem ser os únicos bons e protetores. Todavia, estes também causam insegurança na vida individual e familiar. Os espíritos

125 ancestrais também flagelam a vida dos seus descendentes, irritados com eles pela sua incúria. Ruturas nos laços familiares e de parentesco, desobediência às regras, tabus e desleixo ou desrespeito pelos elementos naturais revertem em malefícios para os vivos. Muitas vezes os espíritos antepassados transformam os seus descendentes em inimigos e, por consequência, transformam-se também em inimigos (estrangeiros) e predadores dos seus descendentes. Por outro lado, os espíritos não linhageiros, tidos como maus e perigosos, mediante rituais apropriados podem converter-se em seus protetores e a vítima liberta-se dessa condição de sofrimento e torna-se seu intermediário na terra – médico tradicional.

Em ambos os casos, as negociações e explicações são sempre monopólio dos médicos tradicionais – únicos intermediários legítimos dos diálogos entre pessoas e espíritos. Muitos habitantes de Massinga e Maputo referiram-se a este aspeto, destacando o papel desintegrador que os discursos e práticas de possessão espiritual levam no seio da sociedade, particularmente a identificação dos médicos tradicionais como principais desintegradores da vida social e da pessoa. Os médicos tradicionais são acessíveis, muitas das vezes, àqueles que têm posses, pois as suas consultas são dispendiosas, constituindo- se assim num fenómeno de diferenciação. Portanto, ao longo da pesquisa de campo foram recorrentes as referências que os interlocutores fizeram ao sofrimento provocado pelos espíritos, quer através de doenças por eles provocadas, quer pela ação dos próprios médicos tradicionais e de feitiçaria. Esta ambivalência remete-nos para a necessidade de analisar a violência e o sofrimento associados ao sistema de crenças tradicionais.

Ao longo das conversas com os habitantes de Massinga e Maputo, a feitiçaria era referida como a forma mais comum de se conseguir sucesso pessoal, riqueza e prestígio. Pessoas que, aos olhos dos outros, conseguiram ter sucesso são acusadas de recorrerem a feitiçaria para esse fim e outras de usarem engenhosamente esse poder para ganhar visibilidade e aceitação. Portanto, a feitiçaria continua a ser uma força ambivalente que ajuda na promoção da acumulação individual e coletiva e no controlo da diferenciação social.

West (2009: 60) também caracteriza o povo maconde do norte de Moçambique, como sendo simultaneamente vítima e praticante dos discursos, práticas e poder da feitiçaria. Alegadamente, indivíduos com estatuto superior na hierarquia familiar ou da comunidade utilizam o poder e o conhecimento esotéricos para satisfazer os seus apetites insaciáveis,

126 alimentando-se do bem-estar de rivais, filhos, vizinhos ou parentes, escravizando-os de forma invisível e/ou consumindo-lhes a própria carne, produzindo nas vítimas desgraças e doenças visíveis, ou mesmo a própria morte. Aqui, perante suspeita de ataque, as pessoas vulneráveis recorrem aos mesmos especialistas – adivinhos ou curandeiros - para reverter e anular as ações invisíveis impostas pelos seus progenitores ambiciosos com recurso a linguagem e práticas de feitiçaria45. Quando confrontadas com o infortúnio, as

pessoas tendem a suspeitar que alguém do seu meio parental fizera feitiço para fins malévolos, ou seja sentem-se simbolicamente violentadas pelos seus parentes, como iremos ver no capítulo que se segue, ao analisar as consequências do pagamento ou apaziguamento dos espíritos através da promoção de alianças matrimoniais com jovens raparigas e/ou rapazes.

CAPITULO V

Marido Espiritual e Cristianismo: Os Casos do Pentecostalismo e do Evangelismo Zionista

O termo marido espiritual tornou-se corrente e mediatizado no contexto da religiosidade do Sul de Moçambique a partir dos anos oitenta e noventa do século passado, com a chegada das igrejas pentecostais e evangélicas de origem brasileira, especificamente a Igreja Universal do Reino de Deus. O culto da Igreja Universal do Reino de Deus é muito complexo e dinâmico, o que permitiu sintetizar e incorporar, no seu seio, uma teologia baseada no conflito entre uma simbiose do pentecostalismo, do

45 Evans-Pritchard (1976), na sua obra sobre os azandes, refere que estes recorriam aos oráculos

para saberem as causas do infortúnio e certificarem-se de que a sua magia de vingança era dirigida à pessoa certa. Os habitantes de Massinga e Maputo confiam na adivinhação dos curandeiros para saber das reivindicações e tratamento de um espirito revoltoso, como por exemplo, o marido espiritual.

127 evangelismo e das crenças tradicionais, tudo isto, operado no contexto plural das crenças e socialidades existentes em todo Moçambique.

As grandes crenças da religiosidade do Sul de Moçambique, em particular as do sistema religioso tradicional, são a referência a partir da qual se pensa em grande medida a identidade e teologia da Igreja Universal do Reino de Deus. Elas constituem, juntamente com os infortúnios experimentados pela sociedade moçambicana (feiticeiros, espíritos, pobreza extrema, elevados índices de desemprego, criminalidade, carências na educação, saúde e saneamento) o alimento constitutivo do discurso religioso da Igreja Universal do Reino de Deus.

Esta igreja sincretiza crenças, rituais e práticas das religiões tradicionais do Sul de Moçambique: exorciza espíritos, desfaz o feitiço, usa água e sal para curar, dá sorte no casamento, promove prosperidade e oferece curas milagrosas. A partir dos anos 90 do século passado, assistiu-se a uma maior competição entre as igrejas cristãs (sobretudo zionistas e pentecostais) e os curandeiros locais pela legitimidade no que concerne aos problemas de natureza tradicional, pois os Tinyanga apresentavam-se, até essa altura, como os únicos guardiães dos saberes religiosos locais.

Ronaldo de Almeida (2009:111) refere-se a uma lógica semelhante no processo de surgimento e implantação da Igreja Universal do Reino de Deus no Brasil. Aqui, a íntima interação com o universo das religiões afro-brasileiras, nomeadamente a Umbanda, o Candomblé e o Quimbanda, acabou por determinar uma certa dependência da Igreja Universal do Reino de Deus em relação a estas, nomeadamente no que se refere à constituição do seu universo religioso. Também em Moçambique, o exorcismo, a cura e a prosperidade expressam de forma clara o padrão de adesão à Igreja Universal do Reino de Deus, pois o indivíduo é exorcizado para que esteja livre da ação dos demónios, e desta maneira, seja curado, convertido e leve uma vida conforme os desígnios de Deus – próspera, com saúde e abundância financeira. Pelos mesmos motivos, as pessoas recorrem aos médicos tradicionais para exorcizar ou adorar espíritos e comprar o seu poder. A guerra das possessões acabou por produzir no contexto moçambicano, uma estreita aproximação, particularmente entre a Igreja Universal do Reino de Deus, as Igrejas Zione e o sistema de crenças tradicionais. O resultado foi uma inversão e continuidade ritual. A