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Onde fica o Buraco da Coruja? Não é aqui não, é mais adiante.

O mais incisivo movimento para a delimitação do espaço empírico da pesquisa é aquele que, dentre várias possibilidades, escolhe uma determinada alternativa para estabelecer contatos iniciais no local previamente selecionado, no procedimento que os antropólogos usualmente denominam “entrada no campo”. Sendo o espaço da pesquisa, indubitavelmente, teórico, são as questões surgidas no projeto, anteriores portanto a este movimento, que fornecem as orientações básicas para instruir tal decisão. Todavia, como sa- bemos, há muitas etnografias atrás, não há continuidade perfeita entre projeto e realização. Sob certo ponto de vista, o campo da pesquisa se impõe tanto ao pesquisador quanto é delimitado por ele, e é necessário estar atento, registrando e submetendo à reflexão detalhes por vezes extremamente enfadonhos deste processo que

tem a duração da própria pesquisa. Nesse sentido, a entrada no campo, a par das relevantes conseqüências que tem para o trabalho, é apenas o gatilho disparador de um longo processo que se recria a cada momento. A dinâmica própria do trabalho etnográfico começa com a introdução do pesquisador – neste caso, pesquisadores – num campo já estabelecido de interação social e simbólica, onde alguns “valores zero” (LÉVI-STRAUSS,1968) preservam o espaço que poderá ocupar, não como um demiurgo externo e objetivo, mas como um ser social que interage com os outros.

Inerente ao trabalho de campo etnográfico, que começa a se cristalizar no processo de entrada no campo, é a difícil questão metodológica da totalização e da generalização, a que venho aludindo. Muitas vezes, quando se coloca em questão a limitação do recorte empírico, é o próprio método etnográfico de produção de dados que está sendo questionado. Se é, reconhecidamente – colocando à parte a perspectivação que as diferentes orientações teóricas lhe imprimem –, a forma mais adequada de ter acesso direto aos fenômenos socioculturais, pressupondo uma relação face a face entre pesquisador e pesquisados, não necessariamente sujeito e objeto do conhecimento, embute, também uma série de riscos que têm sido encarados de modo muito diverso na antropo- logia. Explicitarei, portanto, o modo como encaro o meu próprio trabalho etnográfico e sua relação com as teorias sociais.

De um lado, como eu já apontava na introdução, a experiência empírica não é, para mim, apenas a ilustração detalhista de uma totalização que antecede logicamente suas partes. Sob esse ponto de vista, os segmentos e grupos estudados seriam apenas uma atualização de algo muito maior que está alhures, fora deles. O risco aqui é a reificação da sociedade ou cultura ou estrutura de classes ou qualquer outra totalização de que nos servimos. Ao in- vés de tratá-los como teorias e conceitos, modos de aproximação, explicação e/ou interpretação da realidade – a “razão experi-

mentada” (BACHELARD, 1968, p. 14) – eles seriam tomados

como a realidade tout court. Este modo de operação é duplamente perigoso porque, além de transformar conceitos em “realidade”, separa esta “realidade” de suas manifestações empíricas, simples epifenômenos que apenas ilustram alguns de seus aspectos. Ao contrário, penso que cada trabalho de campo possibilita repensar e fazer avançar nossa compreensão dos fenômenos socioculturais, na medida em que é um campo de experimentação e descobertas, quando a “razão antropológica” tantas vezes refeita em seus

meandros e labirintos é posta em operação dentro de uma parte da sociedade, único espaço onde os fenômenos sociais podem ser alcançados. Se este alcance é precário, isto se deve às dificuldades técnico-metodológicas e não ao fato de que a realidade social esteja em outro lugar. Assim, ao estudar formas de realização específica de um processo que suponho mais amplo e, como todo fato so- cial, historicamente construído, não pretendo estar ilustrando ou exemplificando o processo de construção da classe trabalhadora no Brasil, mas contribuindo efetivamente para sua análise, já que suponho que a heterogeneidade, a diferença e a particularidade são fatos constitutivos deste fenômeno social (OLIVEIRA FILHO, 1988 ; PAOLI, 1987).

Por outro lado, os trabalhos de pesquisa de campo em antropologia são, consciente ou inconscientemente, informados pelo paradigma funcionalista (VELHO, O., 1984), já que são, provavelmente, seu mais bem-sucedido produto. Descolar o trabalho de campo, lido como técnica, do olhar que possibilitou sua produção não elimina o risco de recortar “aldeias” e considerá-las como microcosmo da totalidade, já bastante conhecido dos antropólogos, conforme referi na introdução. Enquanto, no primeiro caso, a experiência empírica é apenas ilustração de uma realidade que se encontra fora dela, aqui a “aldeia” é a expressão condensada de toda a sociedade. De fato, a utilização das técnicas qualitativas limita, inexoravelmente, a extensão do olhar, e não há como evitar uma delimitação sempre artificial do campo de observação. Mesmo que consideremos o papel das diferentes orientações teóricas nas opções feitas e o fato, referido anteriormente, de que este recorte é um produto da própria dinâmica da pesquisa, fazendo com que, sem nenhuma dúvida, o campo empírico seja um objeto construído, não devemos nos iludir: reconstruímos “aldeias” tão sólidas quanto aquelas que se encontram isoladas nas florestas. Nesse sentido, os procedimentos etnográficos usuais induzem à totalização e à criação de fronteiras artificiais. Cabe-nos questioná-las permanentemente, com o auxílio da teoria. A intrincada dinâmica das sociedades complexas que, a todo momento, coloca em xeque os limites provisoriamente cons- truídos destas “aldeias” é uma ajuda inestimável neste processo. Desse modo, os dados etnográficos que apresento aqui não são nem a vitrine de uma teoria nem a miniatura da sociedade na qual se inserem. São anotações de observações e conversas com pessoas de cujas vidas participei parcialmente, por determinado tempo, vistas seletivamente a partir das perguntas que pude fazer.

Muito não me foi permitido ver ou eu não fui capaz de enxergar. O que vi e inscrevi (GEERTZ, 1978) é parte da vida social, no seu processo contínuo de recriação. Se as minhas observações podem ser estendidas ou generalizadas, depende, em primeiro lugar, da qualidade de aprofundamento que possam conseguir justamente na consideração do modo como aqui operam as condições espe- cíficas. Em segundo lugar, da comparação com pesquisas que também constroem seus objetos dentro do recorte “trabalhadores urbanos”. No decorrer da exposição, procurei sugerir algumas destas possibilidades de ampliação, com maior ou menor seguran- ça, dependendo do material disponível ou do meu conhecimento. O trabalho de campo passou-se, quase todo, num local de residên- cia de trabalhadores. Era nesse local, selecionado previamente, que eu deveria entrar. Insisto na especificidade da perspectiva proporcionada por esta investigação, particularmente importante para a contextualização dos dados que serão apresentados a seguir. Embora a construção de sua delimitação esteja claramente referida ao domínio do trabalho – como valor e como experiência social – é de modo duplamente externo ao espaço da produção, “lugar canônico da consciência de classe” (MAGNANI, 1984, p. 22) de um ponto de vista marxista, “locus principal da produção simbólica [na cultura ocidental]” (SAHLINS, 1979, p. 232), que seu objeto é construído. Primeiro, porque elege como estratégia investigar apo- sentados e jovens iniciando suas trajetórias profissionais, recortes externos produzidos no projeto, mas não sem relação com recortes internos, com os modos através dos quais são diferenciadas etapas da vida das pessoas. Segundo, porque, também em decorrência dessa primeira opção, impôs-se a investigação num local de resi- dência como o espaço principal da pesquisa, mesmo que alguns outros tenham sido objeto de investigação restrita, quer como desdobramentos do primeiro recorte (a associação de aposentados no Sindicato dos Operários Navais de Niterói e São Gonçalo e a escola do Senai, ambos no Barreto) quer como acompanhamento de alguns casos específicos (visitas a uma igreja protestante em Icaraí, ao terreiro de umbanda do local e alguns bailes).

Tratava-se, pois, de tomar a iniciativa de conhecer algumas pessoas do local escolhido que permitissem o acesso aos aposentados e jovens buscados. Nas primeiras visitas, andei pelas ruas principais do bairro (Oliveira Botelho, Alberto Torres e, transversalmente às duas primeiras, Floriano Peixoto) onde se localizam igrejas diversas, escolas, indústrias ativas ou inativas, casas comerciais,

em geral modestas, e muitas residências nos diferentes estilos encontráveis em outras partes da cidade. Aqui e ali, antigas vilas operárias. No local em que todas as classificações se cruzam na utilização do termo Neves está a Igreja de Nossa Senhora das Neves, nome de antiga fazenda, tendo ao lado o local onde, aos domingos, se realiza a feira, que, pelo número de comerciantes que congrega, a variedade de mercadorias ofertadas e o preço considerado mais barato, transformou-se numa espécie de atração extralocal do bairro, sendo comentada em reportagens de jornais locais ou tablóides de bairro de jornais nacionais. Aí se localiza a praça que é considerada como a principal de Neves. Nas proxi- midades, está sediado um batalhão da Polícia Militar e uma antiga estação ferroviária. Nestas ruas transitam, sem exceção, todos os ônibus que servem ao local. São, portanto, asfaltadas. Dispõem de razoável iluminação noturna, rede de esgotos e recolhimento de lixo.

Andar por essas ruas não solucionava, absolutamente, a delicada questão de que mediadores buscar. Esse personagem tão impor- tante da maioria das pesquisas (BERREMAN, 1985), por vezes encoberto, é, ao menos hipoteticamente, alguém de quem se espera estar inserido de tal forma no grupo a ser pesquisado que possa transferir ao pesquisador uma certa credibilidade inicial, sem, entretanto, imputar-lhe afiliações muito pesadas que impeçam o acesso a pessoas com outras posições. Além disso, deve partilhar de alguma maneira os valores do pesquisador para que possa ser sensível aos seus argumentos iniciais. Este ser de dois mundos (DA MATTA, 1978, para o papel de mediação da própria antro- pologia) que delineei é, quase sempre, uma fantasia que antecede a abertura de um novo campo empírico, criado pela ansiedade que envolve os primeiros movimentos para a concretização de um trabalho etnográfico. Experiências passadas de pesquisa, bem como a já extensa reflexão antropológica sobre o tema, são úteis, sem dúvida, mas cada trabalho de campo é particular e único e, a cada vez, a questão de “como entrar” deve ser solucionada de modo que atenda às necessidades do projeto. Dessa vez, partindo de resultados de um trabalho anterior sobre a Universidade Federal Fluminense (GUEDES, 1987), decidi enfatizar minha vinculação a esta instituição que, como pude verificar mais uma vez, está presente nos mapas de orientação destas pessoas, em graus muito diferentes de familiaridade. Descartei a utilização de mediadores comprovadamente complicados, que me ligassem, por exemplo, a

determinadas opções religiosas, num espaço concretamente pon- tuado pela multiplicidade de templos, ou a facções sindicais, num campo político do qual eu desconhecia as regras do jogo. Buscar uma associação de moradores para expor o meu projeto pareceu- -me, na ocasião, o modo mais adequado de entrar em contato com um grupo mais diversificado de pessoas, evitando a identifi- cação com um mediador apenas. De fato, a opção abriu algumas alternativas importantes no decorrer da pesquisa. O inesperado foi o fato de que a própria busca da associação de moradores se constituísse num dos primeiros dados significativos da pesquisa. O network da investigação encontra-se no Anexo 4, juntamente com os dados de identificação dos entrevistados acompanhados mais sistematicamente, o que permite sua leitura mais adequada.

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No dia em que fui a Neves com a intenção explícita de iniciar os contatos, repeti, por diversas vezes, a pergunta: “Onde fica o Buraco da Coruja?”. Tive que reproduzi-la ainda algumas vezes depois, até que eu aprendesse que, mais que um epíteto, Coruja ou Buraco da Coruja ou Morro da Coruja era uma parte de um sistema de classificação/diferenciação entre pessoas que, sob diversos pontos de vista, partilham, objetivamente, uma série de outras coisas. E é, justamente, este compartilhar que permite e gera os sistemas de classificação/diferenciação (LÉVI-STRAUSS, l965, l970). Pensar o urbano como campo diferencial, no sentido de Lefebvre, é um exercício que permite prosseguir no desven- damento deste processo de transformação do espaço físico em espaço simbólico, agora dentro dos limites estreitos efetivamente cobertos no campo da investigação.

Eu já tinha percebido que a via que me levaria a entrar propriamen- te no bairro de Neves era a rua Floriano Peixoto, servida apenas por uma linha de ônibus, ao contrário da Oliveira Botelho e da Alberto Torres que, com intenso tráfego, são passagens obrigató- rias para se atingir a região central de São Gonçalo. Adentrei esta rua, na companhia do Pedro Rodolfo Bodê de Moraes, interessado também em conhecer o local, procurando por uma associação de moradores qualquer. De fato, como elas não interessavam naquele momento por si mesmas, eu não me importava com o nome que tivessem ou que área pretendessem cobrir. O espaço da pesquisa seria delimitado posteriormente. Assim, bastava caminhar por esta rua central e perguntar. Não foi muito fácil localizar alguém

que tivesse notícias sobre uma associação deste tipo. Depois de uma proliferação muito rápida na década de 70, em especial nos anos de 1976-1977 (NUNES, JACOBI, 1980, p. 40), quando se constituíram em importantes formas de associatividade e canais reivindicatórios frente às enormes carências infra-estruturais das áreas metropolitanas, numa conjuntura de muita repressão política, as associações de moradores perderam muito de sua importância em face do fortalecimento de outras formas de manifestação po- lítica ocorrido na década de 80. Desse modo, muitos transeuntes e trabalhadores no comércio instalado na rua não sabiam nada sobre a existência de uma associação de moradores na área. De qualquer maneira, continuávamos a caminhada ao longo da rua, sempre no sentido da interiorização no bairro, afastando-nos cada vez mais das ruas de passagem e dos lugares onde se instalam as inequívocas marcas de Neves (a igreja, a praça, a feira, a estação). Chegamos a um local onde, em torno de uma igreja católica, a de Santo Antonio, concentra-se um pequeno comércio de bairro. Na igreja, fomos então informados de que o local onde nos encon- trávamos era uma subárea de Neves denominada Covanca e que, se tomássemos uma rua ao lado, transversal à Floriano Peixoto, atingiríamos o local denominado Coruja, onde havia uma asso- ciação de moradores. Foi a primeira vez que ouvi o nome Coruja. Na direção indicada, caminha-se ao encontro de uma área visivel- mente mais pobre, em termos dos serviços urbanos e do aspecto das casas, que aquela de onde vínhamos. Logo ao findar a rua transversal à Floriano Peixoto, finda também o asfalto e, como que numa travessia ritual, é necessário pular a vala de esgoto para se atingir a rua seguinte. Logo obtive a ampliação do nome para

Buraco da Coruja e uma resposta, acompanhada de um gesto, que

eu ouviria ainda algumas vezes neste dia: não é aqui não, é mais

adiante, apontando em direção a uma área mais acidentada, ao

lado, em que a modesta topografia local compõe uma paisagem de alguns morros e pequenos vales. Mais uma travessia ritual teve que ser feita, agora por um beco que é uma espécie de ponte sobre detritos das mais diversas origens, para que se atingisse o local que, posteriormente, viria a ser o da pesquisa. De fato, encontramos aí uma associação de moradores, embora classificada por eles como

desativada, cuja dispersa diretoria forneceu importantes contatos

iniciais para a pesquisa. Porém a Coruja continuava mais adiante, pois essa era veementemente afirmada como Associação de Mo- radores e Amigos da Covanca. A entrada no campo foi a entrada

num sistema de diferenciação que, embora remeta a valores muito mais disseminados na classe trabalhadora urbana, usa específicos signos do espaço local para expressá-los, recortando um território com limites externos relativamente estáveis, mas cujas linhas de separação interna são bastante móveis.

Se, para as pessoas que cuidam da Igreja de Santo Antonio, a

Coruja ocupa todo aquele terreno de morros que fica além do

asfalto, terminando em Vila Lage, onde a topografia volta a ser plana e o asfalto reinicia, compondo um conjunto de subáreas de Neves (Covanca – Coruja – Vila Lage), para as pessoas que moram no local que recobrem sob o segundo termo, a divisão não é tão simples ou, dito de outro modo, o buraco é mais embaixo. Centrados na evidente conotação negativa que, na maioria dos discursos, é atribuída ao local que se denomina Coruja ou Buraco

da Coruja (usados, respectivamente, quando se deseja ampliar ou

restringir o referente empírico), como um local violento, desorga- nizado, ainda mais pobre e, principalmente, abrigo de bandidos, qualificações que podem ser resumidas na expressão de seu Car- lindo – um lugar barra pesada –, os diferentes limites internos da

Coruja ou a sua total eliminação do território remetem à mesma

questão. Trata-se, de fato, do modo como são pensados os limites da reprodução material e simbólica da classe trabalhadora enquan- to tal, apontando especificamente para as alternativas colaterais, sempre presentes, de empobrecimento incontrolável ou cooptação pelos bandidos (ZALUAR, 1985).

Não creio que o empobrecimento, nesta perspectiva, possa ser interpretado como “descenso”, na medida em que todas as tra- jetórias de vida são pontuadas de momentos de maior ou menor dificuldade financeira e, muitas vezes, o momento presente, mesmo que avaliado como penoso, é sempre medido positivamente em relação a outros que são interpretados como mais difíceis. Esta avaliação, certamente, não exclui algum orgulho pelo modo como foram suportadas e superadas tais dificuldades. Se isto é uma de- corrência da utilização da técnica de história de vida (DEBERT, 1986), não é, contudo, um dado desprezível. Indica também que não será esta a medida do valor das pessoas. O problema, como se verá mais adequadamente com outros dados, adiante, é o modo como são vividas tais situações. E aqui, a opção pelo ganho fácil, pela passagem de trabalhador a bandido, é o que está sendo exor- cizado. Ambas são, entretanto, como disse, alternativas colaterais.

Estabelecer uma alteridade tão marcada, dentro de um território, significa recriá-la cotidianamente, estabelecendo separações em vários domínios. Não implica, contudo, em movimentos para abandonar o local, projeto muito raro entre os entrevistados, sendo mais detectável, ao contrário, dada a insatisfação com as condições do local, as reclamações difusas acerca do descaso do governo e algumas atuações para melhorar estas condições. Num caso, contudo, havia um projeto de abandono do local que se con- figurava como parte de um projeto de ascensão social, já que se pautava por signos de “distinção” (BOURDIEU, 1982), utilizando as marcas do espaço para elaborar seu discurso. Este caso é o de uma mulher, dona Florinda, que considera estar a trajetória de sua família num momento de descenso, iniciado após o desemprego de seu marido. Sua avaliação deve ser vista porque proporciona um contraste mais claro com o modo mais comum pelo qual atuam as distinções internas. Embora igualmente hierarquizando o espaço em Coruja e Covanca, dona Florinda não se identifica nem mesmo com as pessoas que situa na Covanca, que classifica como pessoas

ignorantes, sem instrução, gente muito pobre, carente, fofoqueiros, gente muito baixa. Tendo retornado ao mercado de trabalho como auxiliar de enfermagem, avalia como uma das mais importantes

conseqüências de seu trabalho em casas de pessoas de nível social

mais alto o fato de ter aprendido a diferença:

Lidando com pessoas mais instruídas, é que você percebe re- almente a diferença. Você vê o ambiente, como é diferente. As pessoas pensando em fazer esportes. Chega no fim de semana, as pessoas vão para o clube e se reúnem, jogam, bebem, mas sempre termina bem. Eu acho que você trabalhando ou morando em um lugar legal, você fica instruída. Eu penso em colocar os meus filhos para fazer esportes. Minha filha quer fazer ginástica olímpica. Aqui, ninguém pensa nisso. Só em ser mecânico ou outra coisa que não dá futuro, não dá dinheiro, não dá posição social. Não tem um que diz que vai fazer medicina. E é uma área que só tem enfermeiro, tem mais de quinze. Até para eu trabalhar em enfermagem, foi através de uma pessoa da rua. Aqui tem

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