• Nenhum resultado encontrado

O vigia era considerado alguém que não faz nada, avaliação que, como

desenvolverei em todo o texto, é cercada de significados para os trabalhadores. Neste caso específico, a posição era vista como uma espécie de atestado de incapacidade, já que era prática usual da empresa alocar neste setor aqueles operários acidentados que tivessem retornado ao trabalho com seqüelas. Além disso, como o vigia devia inspecionar as bolsas e sacolas dos outros trabalhadores na saída, a posição era considerada como extremamente incômoda, pois passavam a ocupar um lugar ambíguo, como prepostos da administração, exercendo um controle ostensivo (baseado na suposição de furto) até mesmo sobre operários com os quais tinham trabalhado diretamente.

3 A história de Seu Sebastião era contada de modo muito complexo, com

muitos episódios e detalhes importantes, dificultando seu resumo. Todavia, ele analisava seu acidente de trabalho dentro do mesmo padrão lógico que Evans-Pritchard (1978) atribui aos Azande. Certamente causado por problemas comuns dentro da fábrica, tinha como “segunda lança” a atuação de uma mulher casada que, através de trabalhos de macumba, provocara o acidente. Do mesmo modo tinha impedido que se casasse até o episódio, já que o desejava para ela, sendo constantemente rejeitada. O acidente, por sua vez, tornando-o um homem incapacitado, tinha afastado definitivamente a possibilidade do casamento. Assim, tinha se predisposto ao acidente por não se ter casado e o acidente tornara mais distante o casamento.

4 Colocar o problema em termos de fronteiras não representa, absolutamente,

buscar linhas de separação rígidas. O pano de fundo sobre o qual se busca fazer estes recortes está muito bem expresso no texto a que me refiro: “Em uma sociedade complexa moderna os mapas de orientação para a vida social são particularmente ambíguos, tortuosos e contraditórios. A construção da identidade e a elaboração de projetos individuais são feitas dentro de um contexto em que diferentes ‘mundos’ ou esferas da vida social se interpenetram, se misturam e muitas vezes entram em conflito.” (VELHO, 1981, G., p. 33)

5 Certamente não estou supondo qualquer acordo nos terrenos da Lingüística,

cujos problemas terminológicos (sobre o que é símbolo, sinal, índice, ícone, signo etc.) são apenas a indicação de dissensões conceituais mais profundas ( ver, por ex., BARTHES, 1972, p. 40). Faço aqui uma apropriação de algumas idéias mais gerais, já filtradas por alguns antropólogos, em especial Lévi- Strauss e Leach, que é adequada aos meus propósitos.

6 Com relação especificamente ao conceito de cultura, a proposta inclui a

possibilidade da reabilitação da noção de subcultura: “De uma maneira muito ampla, proponho que essa idéia de cultura como ‘sistema simbólico’ seja entendida de modo suficientemente flexível para que a própria referência a cada uma de suas eventuais fronteiras de atualização não corresponda a uma

pesada substantividade, mas antes a um recorte fundado em propriedades de situação (no sentido evans-pritchardiano do termo). Ou seja, que os diversos níveis em que o recorte do observador (mas também ênfases internas à própria cultura) se possa deter possam ser chamados igualmente de cultura e que também, eventualmente, quando se desejar enfatizar o englobamento de um recorte de um nível por outro de nível mais abrangente se possa utilizar a expressão subcultura, sem os pesados ônus substancialistas e redutores de que se vê ainda hoje cercada.” (DUARTE, 1986, p. 123-124, grifos do autor)

7 Penso que a observação de Lévi-Strauss a esse respeito não deve ser

superestimada, exatamente porque o modo como é inserida – é feita quase en passant – corresponde ao lugar que os “ planos de conteúdo” ocupam em sua obra, voltada para a busca de invariantes: “Desse ponto de vista, ter-se-ia todo interesse em colocar a noção de cultura no mesmo plano que a noção genética e demográfica de isolado. Denominamos cultura todo conjunto etnográfico que, do ponto de vista da investigação, apresenta, com relação a outros, afastamentos significativos... O objeto último das pesquisas estruturais sendo as constantes ligadas a tais afastamentos, vê-se que a noção de cultura pode corresponder a uma realidade objetiva, apesar de permanecer função do tipo de pesquisa considerado. Uma mesma coleção de indivíduos, contanto que seja objetivamente dada no tempo e no espaço, depende simultaneamente de vários sistemas de cultura: universal, continental, nacional, provincial, local, etc.; e familial, profissional, confessional, político, etc.” (LÉVI-STRAUSS, 1967, p. 335, grifo do autor).

8 Os acentos na relação como instituinte das classes particulares e na

experiência comum (que inclui a experiência da relação) específica e histórica, na já clássica definição de Thompson (1987, p. 9-10), não implicam o abandono do postulado marxista básico da determinação pelas relações de produção, mas em sua sofisticação. Assim, se a experiência de classe é determinada pelas relações de produção, não produz a mesma consciência de classe porque esta é, sempre, processada em termos culturais, logo diferenciais. Embora o lugar teórico do cultural seja aqui o de mediação, a valorização deste aspecto conduz a uma crítica do “reducionismo econômico”: “Les anthropologues et les sociologues ont amplement démontré l’imbrication inextricable des relations économiques et des relations non économiques dans la plupart des sociétés, et la maniére dont interfèrent les gratifications économiques et culturelles. Dans les démarches de l’analyse historique ou sociologique (ou politique) il est essentiel de garder présent à l’esprit le fait que les phénomènes sociaux et culturels ne son pas ‘à la traîne’, suivant les phénomènes économiques à distance: ils sont, dans leur surgissement, pris dans le même réseau de relations.” (1976, p. 137) Do mesmo modo, é rejeitada uma “teoria do reflexo” na “cultura popular”: “Mon matériel d’étude m’amené à privilégier l’aspect actif, volontariste, créateur de valeurs, de la culture populaire: le peuple fait et refait sa propre culture.” (p. 140)

9 Ou de uma problemática da classe operária na literatura antropológica, o que

indicaria uma outra forma de totalização.

10 Deve ser ressaltada uma grande convergência de questões entre antropólogos

e historiadores que tratam da classe trabalhadora, bastante explícita em vários dos livros citados. Chalhoub, por exemplo, concede lugar de destaque à antropologia interpretativa de Geertz na construção de seu objeto (1986,

p. 19). É desnecessário falar da via oposta. De certo modo, a preocupação com as particularidades, os detalhes, as especificidades que caracterizam as duas disciplinas têm, enfim, permitido esta convergência maior.

11 O primeiro momento escolhido é o que vai da Proclamação da República

até a promulgação da Constituição de l934, privilegiando-se aí as posições das lideranças dos trabalhadores, através do estudo de jornais operários, complementados com entrevistas com “velhos trabalhadores” (p. l0); o segundo é mais curto e percorre os anos de 1942 a 1945, quando analisa o discurso produzido no interior do Ministério do Trabalho.

12 A distinção, interior aos ritos de passagem, é colocada em relação aos “ritos

estacionais ou fixados pelo calendário” que, ao contrário dos “ritos de crise de vida” que seriam cumpridos por indivíduos, referem-se a grandes grupos ou sociedades inteiras (Turner, 1974, p. 204). A observação é importante porque existe uma tendência de reduzir os ritos de passagem àqueles de crise de vida, como na definição de Myerhoff: “Rites of passage are a category of rituals that mark the passages of an individual through the life cycle, from one stage to another over time, from one role or social position to another, integrating the human and cultural experiences with biological destiny: birth, reproduction, and death” (l984, p. 109). Os ritos estacionais seriam cíclicos, enquanto os de crise de vida marcam passagens irreversíveis.

13 Foram realizadas cerca de 100 horas de entrevistas gravadas, envolvendo

cerca de 50 pessoas.

14 Segundo a historiadora Sonia Regina de Mendonça, do Departamento de

História da Universidade Federal Fluminense, em comunicação pessoal, não existem trabalhos que dêem conta da industrialização dessa área e do processo que produziu estes esqueletos.

Documentos relacionados