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Espaços conexos

No documento Introdução à Topologia (páginas 107-113)

Vai-se introduzir o conceito de espaço topológico conexo. A ideia que está subjacente é fácil de perceber: um espaço topológico é conexo se estiver todo num só bocado; caso contrário é desconexo.

Definição 2.4.1 Seja E um espaço topológico. Diz-se que E é conexo

se os únicos sub-conjuntos de E simultaneamente abertos e fechados forem E e ∅. Caso contrário, diz-se que E é desconexo.

Exemplo 2.4.1 É claro que um espaço topológico grosseiro é conexo e

que um espaço topológico discreto com mais do que um ponto é desco- nexo.

5Mais geralmente, se X for um conjunto infinito não numerável e se, para cada

x∈ X, Extiver algum aberto distinto de ∅ e de Ex, então

Q

x∈XExnão é 1-numerável.

Também se pode mostrar que se X for numerável e se cada Exfor metrizável, então

Q

Exemplo 2.4.2 Os sub-espaços topológicos conexos de R (relativamen-

te à topologia usual) são os intervalos.6 De facto, seja I um intervalo

não vazio de R e seja A ⊂ I uma parte não vazia de I que seja simul- taneamente aberta e fechada em I; vai-se mostrar que A = I. Fixe-se a∈ Ae seja b ∈ I; quer-se provar que b ∈ A. Vai-se supor que a < b; o caso em que a > b é análogo. Seja s = sup A ∩ [a, b]; visto que A é um fechado de I e [a, b] ⊂ I, A ∩ [a, b] é um fechado de [a, b], pelo que s∈ A ∩ [a, b]e, em particular, s ∈ A. Se se tivesse s < b, então ter-se-ia s =inf(I \ A) ∩ [s, b]; como I \ A é um fechado de I, (I \ A) ∩ [s, b] é um fechado de [s, b], pelo que s ∈ (I \ A) ∩ [s, b] e, em particular, s ∈ I \ A, o que é absurdo. Logo, s = b e, visto que s ∈ A, b ∈ A.

Reciprocamente, se A ⊂ R não for um intervalo, então existem a1 e

a2em A e existe algum x ∈ R\A tais que a1 < x < a2. Logo, A∩]−∞, x[

é um aberto de A que não é vazio (pois contém a1) nem igual a A (pois

não contém a2). Consequentemente, A é desconexo.

É importante observar que a noção de «sub-espaço conexo» é absoluta e não relativa.

A fim de demonstrar resultados relativos a espaços topológicos co- nexos, é conveniente dispor-se do seguinte resultado:

Lema 2.4.1

Considere-se em{0, 1} a topologia usual. Um espaço topológico E é conexo se e só se nenhuma função contínua de E em{0, 1} for sobrejectiva.

Demonstração: Se existir uma função f: E −→ {0, 1} contínua e sobre- jectiva, então o conjunto f−1({0}) é aberto (pois {0} é um aberto de {0, 1}),

fechado (pois {0} é um fechado de {0, 1}), distinto de E (pois afirmar que f−1({0}) = E é afirmar que f toma sempre o valor 0) e distinto de ∅ (pois afirmar que f−1({0}) = E é afirmar que f toma sempre o valor 1).

Reciprocamente, se E for desconexo então seja A uma parte de E simultaneamente aberta, fechada, distinta de E e distinta de ∅. Então a função E −→ {0, 1} x  0 se x ∈ A 1 caso contrário é contínua e sobrejectiva.

6Convém ser-se claro quanto ao significado deste termo. Um intervalo de R é um

conjunto I ⊂ R tal que, se a, b, c ∈ R forem tais que a < b < c e que a, c ∈ I, então b∈ I.

Proposição 2.4.1

Sejam E1 e E2 espaços topológicos e f : E1 −→ E2 uma função contínua.

Se E1 for conexo, então f(E1)é um sub-espaço conexo de E2.

Demonstração: Se g: f(E1)−→{0, 1} for uma função contínua, quer-se

mostrar que não é sobrejectiva. Para tal, basta ver que se g fosse sobrejectiva então g ◦ f também o seria, pelo que E1 seria desconexo.

Veja-se que esta proposição é uma generalização do teorema dos valores intermédios. De facto, este teorema pode ser enunciado do seguinte modo: se I é um intervalo de R e f: I −→ R é uma função contínua, então f(I) é um intervalo de R. Mas, pelo exemplo 2.4.2, os intervalos de R são os sub-espaços conexos de R.

Exemplo 2.4.3 A circunferência unitária S1 é conexa pois função

R −→ R2

x (cos(x), sen(x))

é contínua e, como R é conexo, a imagem de f (que é S1) é conexa.

Proposição 2.4.2

Sejam E um espaço topológico e B, C ⊂ E. Se C for um sub-espaço topológico conexo de E e se C ⊂ B ⊂ C, então B é conexo.

Demonstração: Para se demonstrar esta proposição, vai-se aplicar o corolário 2.2.1 ao sub-espaço topológico B de E e ao conjunto C ⊂ B. Veja-se que, em B, C = B. De facto, se F for um fechado de B que contém C, então F = F∗ ∩ B para algum fechado Fde E. Mas, uma

vez que F∗é um fechado de E e que C ⊂ F ⊂ F, C ⊂ F; em particular,

B ⊂ F∗, pelo que, em B, o único fechado que contém C é B, i. e. em B

tem-se C = B.

Se f: B −→ {0, 1} for contínua, então, pelo corolário 2.2.1,

f(B) = f C ⊂ f(C). (2.3)

Mas, uma vez que C é conexo, f(C) = {0} ou f(C) = {1}. Em qualquer dos casos f(C) é um conjunto formado por um único ponto. Deduz-se então de (2.3) que f não é sobrejectiva.

Proposição 2.4.3

Sejam E um espaço topológico e (Cλ)λ∈Λ uma família de sub-espaços

conexos de E. SeT

λ∈ΛCλ 6= ∅, então

S

λ∈ΛCλ é um sub-espaço conexo

Demonstração: Seja f: Sλ∈ΛCλ −→{0, 1} uma função contínua e seja

a∈T

λ∈ΛCλ. Então, para cada λ ∈ Λ, f(Cλ) ={f(a)}, pois Cλé conexo.

Como isto acontece para cada λ ∈ Λ,

f [

λ∈Λ

!

={f(a)}.

Isto mostra que, por exemplo, o conjunto dos pontos do plano que se situam em alguma recta que passa pela origem e por algum outro ponto com ambas as coordenadas inteiras forma um sub-espaço conexo de R2, pois cada uma daquelas rectas é conexa (por ser homeomorfa

a R) e a origem pertence à intersecção.

Teorema 2.4.1

Seja (Ei)i∈I uma família de espaços topológicos não vazios. Então

Q

i∈IEié conexo se e só se cada Eifor conexo.

Demonstração: SeQi∈IEi for conexo e se j ∈ I, então, uma vez que a

projecção πj:

Q

i∈IEi −→ Ej é contínua e sobrejectiva, Ejé conexo, pela

proposição 2.4.1.

Reciprocamente, se cada Eifor conexo, seja f:

Q

i∈IEi −→{0, 1} uma

função contínua. Quer-se mostrar que f é constante. Fixe-se (ai)i∈I ∈

Q

i∈IEi.

Para cada j ∈ I, considere-se a função ιj: Ej −→

Q

i∈IEi assim de-

finida: se a ∈ Ej, então ιj(a) = (xi)i∈I, onde xj = a e, se i ∈ I \ {j},

xi = ai. Então f ◦ ιj: Ej −→{0, 1} é uma função contínua. Como Ej é

conexo, trata-se de uma função constante e toma então sempre o valor f(ιj(aj)) = f ((ai)i∈I). Logo, se (xi)i∈Idiferir de (ai)i∈Inum único índice

tem-se f ((xi)i∈I) = f ((ai)i∈I).

Seja D o conjunto dos elementos (xi)i∈I ∈

Q

i∈IEi tais que xi = ai

excepto eventualmente num número finito de pontos. A partir do que foi visto atrás pode-se mostrar por indução que f|D é constante. Mas D

é denso emQi∈IEi, pois se (yi)i∈I ∈

Q

i∈IEie V é vizinhança de (yi)i∈I,

então V contém algum aberto da forma Qi∈IAi onde cada Ai é um

aberto de Ei que contém yie existe algum conjunto finito F ⊂ I tal que

Ai= Ei se i ∈ I \ F. Mas então se definir (xi)i∈I por

xi=  yi se i ∈ F ai caso contrário, então (xi)i∈I ∈ D ∩ Q i∈IAi⊂ D ∩ V.

Finalmente, como f é contínua e f|D é constante, decorre do corolá-

rio 2.2.1 que f|D é constante, ou seja, que f é constante.

Exemplo 2.4.4 Por exemplo, considere-se o plano projectivo P2(R) e a

função

f : R2 −→ P

2(R)

(x, y) π(x, y, 1).

Como R2é conexo (pois, conforme foi visto no exemplo 2.3.1, a topologia

usual em R2 coincide com a topologia produto) e a função f é contínua,

f(R2)é um sub-espaço conexo de P2(R), pela proposição 2.4.1. Uma vez

que foi visto no exemplo 2.2.21 que f(R2)é uma parte densa de P 2(R),

deduz-se da proposição 2.4.2 que o plano projectivo é conexo.

No início desta secção, na página 99, foi dito que a ideia subjacente ao conceito de espaço topológico conexo é que o espaço está todo num só bocado. Vai-se agora formalizar o que se entende aqui por «bocado».

Definição 2.4.2 Se E é um espaço topológico e x ∈ E, a componente

conexa de x é a reunião de todas as partes conexas de E que contêm x.

Exemplo 2.4.5 Num espaço topológico conexo, a componente conexa

de qualquer ponto é o espaço todo.

Exemplo 2.4.6 Se se considerar em R \ Z a topologia usual, então a

componente conexa de1/2é o intervalo ]0, 1[. De facto, um sub-espaço

conexo de R \ Z que contenha 1/2só pode ser um intervalo contido em

]0, 1[que contenha1/2. A reunião de todos estes intervalos é ]0, 1[.

Deduz-se da proposição 2.4.3 que a componente conexa de um ponto é um conexo e deduz-se da proposição 2.4.2 que é um fechado.

Definição 2.4.3 Diz-se que um espaço topológico E é totalmente desco-

nexose tiver mais do que um ponto e se a componente conexa de cada

x ∈ Efor o conjunto {x}.

Exemplo 2.4.7 Qualquer espaço topológico discreto com mais do que

um ponto é totalmente desconexo.

Exemplo 2.4.8 Um sub-espaço de R com mais do que um ponto é

totalmente desconexo se e só não contiver intervalos com mais do que um ponto. Em particular, Q e R \ Q são totalmente desconexos. Além disso, foi visto na página 49 que o conjunto de Cantor não contém intervalos com mais do que um ponto, pelo que também é totalmente desconexo.

Definição 2.4.4 Seja E um espaço topológico. Designa-se por caminho

(ou arco) uma função contínua γ: [0, 1] −→ E. Se a = γ(0) e se b = γ(1), diz-se que o caminho γ une o ponto a ao ponto b. A imagem de γ designa-se por traço de γ. Diz-se que o espaço topológico E é conexo por

arcosse, dados dois pontos a, b ∈ E, existir um caminho em E que una

o ponto a ao ponto b.

Exemplo 2.4.9 Qualquer sub-espaço convexo C de um espaço vectorial

normado é conexo por arcos. Se a, b ∈ C, basta considerar o caminho

[0, 1] −→ C

t a + t(b − a).

Por outro lado, observe-se que se E for um espaço topológico e se se definir em E a relação binária

aC b ⇐⇒def. existe um caminho em E que une a a b então C é mesmo uma relação de equivalência:

reflexividade: se a ∈ E, basta considerar a função f: [0, 1] −→ E que toma sempre o valor a;

simetria: se f: [0, 1] −→ E é um caminho em E que une um ponto a a um ponto b, então

[0, 1] −→ E

t f(1 − t)

é um caminho em E que une b a a;

transitividade: se f1: [0, 1]−→ Eé um caminho em E que une um ponto

aa um ponto b e se f2: [0, 1]−→ Eé um caminho em E que une o

ponto b a um ponto c, então

[0, 1] −→ E

t



f1(2t) se t 61/2

f2(2t − 1) caso contrário

é um caminho em E que une o ponto a ao ponto c.

Consequentemente, para que um espaço topológico E seja conexo por arcos basta que exista um ponto p ∈ E que possa ser unido a qualquer outro ponto de E por um caminho.

As classes de equivalência de C designam-se por componentes cone-

Proposição 2.4.4

Qualquer espaço topológico conexo por arcos é conexo.

Demonstração: Seja E o espaço topológico em questão, que se pode supor não vazio. Fixe-se p ∈ E e seja, para cada q ∈ E, γq um caminho

que una o ponto p ao ponto q. Então E é a reunião dos traços de todos os γq, os quais são conexos, pela proposição 2.4.1. Além disso, o ponto p

pertence ao traço de todos os caminhos γq, pelo que E é conexo, pela

proposição 2.4.3.

Foi visto no exemplo 2.4.4 que o plano projectivo é conexo. Pode-se chegar à mesma conclusão mostrando que R3 \ {0} é conexo por ar-

cos e, consequentemente, conexo. Em seguida basta observar que a função π: R3\ {0} −→ P

2(R) é contínua e sobrejectiva e aplicar a propo-

sição 2.4.1.

No documento Introdução à Topologia (páginas 107-113)

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