Sejam E1 e E2 espaços topológicos e sejam π1 e π2 as projecções
de E1 × E2 em E1 e E2 respectivamente. Por outras palavras, seja πi
(i ∈ {1, 2}) a função de E1 × E2 em Ei tal que
(∀(x1, x2)∈ E1× E2) : πi(x1, x2) = xi.
Quer-se definir uma topologia em E1 × E2 tal que
1. as funções π1 e π2 sejam contínuas;
2. se Z é um espaço topológico e se f é uma função de Z em E1× E2,
então f é contínua se e só se π1◦ fe π2◦ f forem contínuas.
No que se refere a esta última condição, veja-se que é o que ocorre em Análise Real: uma função f: R −→ R2 é contínua se e só se cada uma
das suas componentes é contínua.
Sejam T1 e T2 as topologias de E1e de E2 respectivamente. Para que
a projeção π1 seja contínua é preciso que, se A ∈ T1, π1−1(A)seja um
aberto de E1 × E2; posto de outro modo, é preciso que A × E2 seja um
aberto de E1× E2. Analogamente, para que a projeção π2 seja contínua
é preciso que, dado A ∈ T2, E1 × Aseja um aberto de E1× E2. Logo, se
uma topologia T em E1×E2satisfaz a primeira das duas condições atrás
tem de conter A1× E2 e E1× A2. Como T é estável para intersecções
finitas, terá então também de conter A1× A2. Seja
B = { A1× A2 | A1 ∈T1 e A2 ∈T2 } .
Veja-se que B não é, em geral, uma topologia; por exemplo, se E1 = E2 =
R (munido da topologia usual), então ] − 1, 1[×] − 2, 2[ e ] − 2, 2[×] − 1, 1[ pertencem a B, mas não a sua reunião. No entanto, é claro que a in- tersecção de um número finito de elementos de B é novamente um elemento de B. Consequentemente, o conjunto T formado pelas reu- niões de elementos de B é uma topologia da qual B é uma base.
Pela sua construção, a topologia T satisfaz a primeira das duas condições acima enunciadas. Vai-se ver agora que também satisfaz a segunda. Sejam então Z um espaço topológico e f uma função de Z em E1× E2. É claro que se f for contínua então π1◦ fe π2◦ fsão contínuas.
Falta ver que, reciprocamente, se π1◦ f e π2 ◦ fsão contínuas então f é
contínua. Seja A um aberto de E1× E2; quer-se mostrar que f−1(A)é
um aberto de Z. Pela definição de T sabe-se que A é da forma [
j∈J
A1,j× A2,j,
onde (A1,j)j∈J e (A2,j)j∈J são famílias de abertos de E1 e de E2 respecti-
vamente. Como f−1 [ j∈J A1,j× A2,j ! =[ j∈J f−1(A1,j× A2,j) =[ j∈J f−1((A1,j× E2)∩ (E1× A2,j)) =[ j∈J f−1(A1,j× E2)∩ f−1(E1× A2,j) =[ j∈J (π1◦ f)−1(A1,j)∩ (π2◦ f)−1(A2,j)
e se está a supor que π1 ◦ fe π2◦ f são contínuas, está então provado
que f−1(A)é um aberto de Z.
Exemplo 2.3.1 Vai-se mostrar que a topologia usual de R2 é a topolo-
gia T atrás definida no caso particular em que E1 = E2 =R. De facto,
Tu ⊂T: Se A ∈ Tuentão A é reunião de discos abertos. Mas se (x1, x2)∈
R2 e r ∈ R∗
+ então, para cada (y1, y2)∈ B((x1, x2), r)sabe-se que
(veja-se o exemplo 1.3.2 na página 11):
B((y1, y2), r −k(x1 − y1, x2− y2)k) ⊂ B((x1, x2), r).
Se se designar r − k(x1− y1, x2− y2)kpor r0, tem-se
(y1, y2)∈ y1− r0 √ 2, y1+ r0 √ 2 × y2 − r0 √ 2, y2 + r0 √ 2 ⊂ B((y1, y2), r0).
Logo, A é reunião de produtos de intervalos abertos de R e, por- tanto, A ∈ T.
T ⊂ Tu: Se A ∈ T então A é reunião de conjuntos da forma A1×A2onde
A1 e A2 são abertos de R. Mas A1 e A2 são, por sua vez, reuniões
de intervalos abertos de R, pelo que A1×A2é reunião de conjuntos
da forma ]a1, b1[×]a2, b2[. Como estes conjuntos pertencem a Tu,
A∈Tu.
Considere-se agora uma família (Ei)i∈I de espaços topológicos. Co-
mo é que se pode definir uma topologia em Qi∈IEi que satisfaça as
condições análogas às duas condições enunciadas na página 95? Poder- -se-ia pensar que seria a topologia que tem por base os produtos de
abertos dos Ei. De facto assim é caso I seja finito, mas no caso geral
é preciso levar em conta que se j ∈ I e se A é um aberto de Ej então,
para que a projecção πj:
Q
i∈IEi−→ Ej seja contínua, é preciso que a
topologia de Qi∈IEi contenha
Q i∈IAionde Ai= A se i = j Ei caso contrário.
Como a topologia deQi∈IEivai ter que ser estável para intersecções fi-
nitas, então basta definir B como sendo o conjunto dos produtosQi∈IAi
onde cada Aié um aberto de Eie, além disso, tem-se Ai= Eiexcepto
num número finito de casos.
Definição 2.3.1 Se (Ei)i∈I for uma família de espaços topológicos, de-
fine-se a topologia produto no conjuntoQi∈IEicomo sendo a topologia
formada pelas reuniões de conjuntos da formaQi∈IAi onde
2. cada Ai, com um número finito de excepções, é igual a Ei.
Proposição 2.3.1
Sejam (Ei)i∈I uma família de espaços topológicos, Z um espaço topoló-
gico e f uma função de Z emQi∈IEi. Então f é contínua relativamente
à topologia produto se e só se, para cada i ∈ I, πi◦ f for contínua.
Esta proposição não será demonstrada pois não há qualquer dife- rença substancial relativamente ao que feito quanto ao produto de dois espaços topológicos.
Proposição 2.3.2
Sejam (Ei)i∈Iuma família de espaços topológicos, (xn)n∈Numa sucessão
de elementos de Qi∈I(Ei)i∈I e (li)i∈I um elemento de
Q
i∈IEi. Então
(li)i∈I é limite de (xn)n∈N relativamente à topologia produto se e só se,
para cada i ∈ I, lifor limite da sucessão (πi(xn))n∈N.
Demonstração: Como as projecções são contínuas, já se sabe (cf. exem- plo 2.2.26) que se (li)i∈I é limite de (xn)n∈Nentão, para cada i ∈ I, lié
limite da sucessão (πi(xn))n∈N.
Suponha-se agora que, para cada i ∈ I, li é limite da sucessão
(πi(xn))n∈N. Se V for uma vizinhança de (li)i∈I, então V contém algum
aberto A que contém (li)i∈I. Sabe-se, pela definição da topologia pro-
duto, que existe um conjunto finito F ⊂ I tal que A contém um conjunto da formaQi∈IAital que
– (li)i∈I ∈ Y i∈I Ai; – se i ∈ I, Aié um aberto de Ei; – se i ∈ I \ F, então Ai= Ei.
Para cada i ∈ F existe algum pi ∈ N tal que
(∀n ∈ N) : n > pi=⇒ πi(ln)∈ Ai,
pois Ai é uma vizinhança de πi(ln). Logo, se definir p ∈ N por p =
max { pi| i ∈ F }, então (∀i ∈ I)(∀n ∈ N) : n > p =⇒ πi(xn)∈ Ai, ou seja (∀n ∈ N) : n > p =⇒ xn ∈ Y i∈I Ai⊂ A ⊂ V.
Observe-se que esta proposição permite encurtar a demonstração de que Rn é completo (veja-se o exemplo 1.5.2 na página 33).
Para terminar esta secção, vai-se ver como é possível definir, dado um conjunto X, uma topologia no conjunto F(X) de todas as funções de X em C para a qual uma sucessão (fn)n∈Nseja pontualmente convergente
para uma função f (i. e. tal que, para cada x ∈ X, limn∈Nfn(x) = f(x))
se e só se limn∈Nfn = f.
Exemplo 2.3.2 Seja X um conjunto e considere-se uma família (Ex)x∈X
de espaços topológicos onde cada Ex (x ∈ X) é igual a C (munido da to-
pologia usual). Um elemento de Qx∈XEx não é então mais do que uma
função de X em C e a topologia produto é, neste caso, uma topologia definida no conjunto F(X) das funções de I em C. A proposição ante- rior afirma que uma sucessão (fn)n∈N de funções de X em C converge
para uma função f: I −→ C (relativamente àquela topologia) se e só convergir pontualmente para f. Logo, em F(X) munido desta topologia a convergência é o mesmo que convergência pontual. Por este motivo, esta topologia designa-se por «topologia da convergência pontual».
Repare-se que a topologia do exemplo anterior não é metrizável se X for um conjunto infinito não numerável, pois Qx∈XExmunido daquela
topologia nem sequer é 1-numerável.5