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ESPAÇOS E EQUIPAMENTOS DE ESPORTE E LAZER DAS CIDADES E A RELAÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

4 A ESFERA DO PÚBLICO E A ESFERA DO PRIVADO

4.2 ESPAÇOS E EQUIPAMENTOS DE ESPORTE E LAZER DAS CIDADES E A RELAÇÃO ENTRE O PÚBLICO E O PRIVADO

Os conceitos de esfera pública e esfera privada, embora utilizados desde a antiguidade até os dias atuais, demonstram certa tensão, que se intensifica com a complexificação das sociedades (VITARELLI, 2010).

A partir da década de 1990, com a adoção de medidas neoliberais no Brasil e com o crescimento e as transformações do setor privado, a perspectiva do público – enquanto esfera política – passa a representar um campo de interesses amplo para a lógica do mercado (CORREIA, 2012).

O contexto de reforma do Estado brasileiro, discutido em Paula (2005), da transição da administração pública burocrática para a administração pública gerencial, provocou, segundo Peroni (2009), um estímulo ao ingresso do terceiro setor nos encargos dos serviços sociais. Para a autora, a análise das PPPs – Parcerias Público-Privadas – no contexto do terceiro setor, embora exija estudos detalhados para cada contexto, aponta para uma redução do papel do Estado na execução das políticas sociais.

Se, por um lado, existe uma deficiência do Poder Público no atendimento das demandas sociais, por outro lado a iniciativa privada busca cada vez mais mercados alternativos. Tal fato teria contribuído para o surgimento das Parcerias Público- Privadas (PPPs) 30. No Brasil, as PPPs iniciaram seu processo de efetivação a partir da Lei nº 11.079/2004, que institui normas gerais para licitação e contratação no âmbito da administração pública (LIMA; PAULA; PAULA, 2005). Para os autores, essas parcerias surgiram como uma modalidade de contratação desenvolvida entre o Poder Público e o setor privado, com vistas a oferecer infraestrutura e serviços públicos à população

Segundo Correia (2012), são cada vez mais crescentes as entidades privadas que assumem o papel de executoras de programas dos governos. Desse modo, a autora afirma que, quando entidades privadas assumem o desenvolvimento de políticas sociais, estamos colocando em xeque a garantia de acesso a esses direitos por parte dos cidadãos.

30 A regulamentação das parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada é criticada pela teoria

marxista, pois, na perspectiva desta teoria, as PPPs tendem a reforçar a desresponsabilização do Estado, transferindo para a iniciativa privada e para o mercado a responsabilidade de atuação nos setores sociais, como evidenciado em Veronez (2005), em sua tese Quando o esporte joga a favor do

privado. Tal situação, segundo Bueno (2008), é explicada na teoria das coalizões, por meio das quais

atores agem em unidade para manter os interesses de determinado grupo, fazendo prevalecer sua ideologia, neste caso, favorecendo a manutenção do mercado.

Essas parcerias entre o Poder Público e a iniciativa privada, desenvolvidas no âmbito do contexto capitalista, têm implicações na gestão e na administração dos espaços públicos. Conforme apontado por Peroni (2009), essas novas fronteiras entre o público e o privado podem materializar-se de diferentes formas, inclusive sob a lógica do mercado. A autora afirma ainda que a relação entre o público e o privado ganhou novos contornos, principalmente no que tange à lógica da gestão, tendo como parâmetro o privado, julgado como mais eficiente e produtivo.

Correia (2012) aponta que a cidade moderna trouxe, além das inovações estéticas e urbanísticas, uma grande necessidade de consumo, decorrente da produção de massa advinda da produção industrial. Neste contexto, chamamos atenção para um movimento de afastamento do Estado e, simultaneamente, de aproximação dos setores privados.

Observamos que a lógica de ocupação do privado sobre o público transcende o campo das parcerias entre estes setores, sendo controversas as questões de responsabilidade social das empresas privadas, conforme apontado por Roberto (2006). Ou seja, existe uma lacuna no entendimento acerca do real potencial de atuação dessas entidades frente aos problemas sociais enfrentados na atualidade.

Isso resulta, como aponta o autor, em uma noção limitada de cidadania. Considerando a Constituição Federal de 1988 como um marco institucional da universalização de direitos sociais e de evolução da cidadania, e que a grande responsabilidade sobre o bem-estar coletivo cabe ao Estado, deparamo-nos com situação contraditória ao verificarmos a massiva presença do setor privado no espaço público.

A partir desta lógica das relações entre o público e o privado, ganha relevância a discussão sobre os espaços públicos de esporte e lazer, pela corriqueira presença da iniciativa privada em tais espaços (CORREIA, 2012). Sobre isso, Matos (2001) e De Pellegrin (1999) afirmam que a interferência da iniciativa privada tende a denotar ao espaço público um caráter de mercadoria, seguindo a tendência da comercialização do espaço urbano. Nesta lógica, os autores afirmam que esses espaços passam a ser acessíveis somente àqueles cidadãos que podem pagar, tornando o direito de acesso ao esporte e ao lazer refém da lógica de mercado, transformando-os num produto a ser consumido por um mercado promissor.

Cruz (2001) destaca alguns exemplos de espaços públicos ocupados gradativamente pela iniciativa privada, como as praias e campos de futebol. O autor afirma que atualmente são instrumentos de lucro para poucos, que se apropriam desses espaços, que deveriam ser de uso público, e se utilizam da avalanche de consumo do lazer vivenciada na atualidade.

Para De Pellegrin (1999), as relações de poder passaram a envolver o homem e o espaço e, em decorrência disso, a lógica do mercado passou a dominar o espaço, transformando-o em mercadoria. Diante deste fato, ser consumidor denota um aspecto de valorização do indivíduo, assim como ocorreu a valorização do espaço enquanto bem de consumo para moradia, para o lazer etc.

Tal atribuição dada ao espaço urbano gera, segundo a autora, uma ocupação desordenada e uma saturação do espaço, tendo grande responsabilidade sobre isso o mercado imobiliário e o Poder Público, como vemos:

A cidade vai ficando lotada e os espaços vazios, ao invés de preservados, são, na maioria das vezes, apropriados pela própria especulação imobiliária ou deixados de lado pelos órgãos públicos, mais especificamente tendem à privatização, comprometendo o acesso de grande parte da população (DE PELLEGRIN, 1999, p.17).

Cruz (2001) reforça esta visão ao destacar que a organização observada nas cidades tende a contribuir com a exclusão, uma vez que os equipamentos de entretenimento destinados ao público em geral são concentrados, reduzidos e carecem de manutenção. Essa exclusão acarreta a negação do acesso ao lazer à maioria da população, pelo fato de a pessoa ser ou não consumidora de bens e produtos, dentre os quais está a indústria do divertimento.

Deste modo, concordamos com De Pellegrin (1996), ao afirmar que a administração do espaço urbano exige conhecimento das cidades e de suas potencialidades, com vistas ao desenvolvimento de políticas de esporte e lazer que privilegiem os espaços e equipamentos públicos como importantes elementos para melhoria da qualidade de vida da população. Por fim, destacamos a importância de políticas voltadas para a administração dos espaços urbanos como forma de evitar a apropriação do espaço público pelo setor privado, possibilitando o cumprimento da legislação no que tange à democratização de acesso para os cidadãos, que cada vez mais perdem espaços para a lógica do mercado e do lucro.

4.3 GESTÃO E OCUPAÇÃO DO ESPAÇO PÚBLICO: O CASO DAS PRAIAS