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telefónicas motivadas pela suspeita da prática dos crimes de associação criminosa (art. 299.º, do CP) ou de terrorismo (arts. 2.º e 4.º, da Lei n.º 52/2003, de 22 de Agosto (100)).

Nestas situações, por certo em virtude do qualificado alarme social que encerram, tem sido orientação maioritária da doutrina e jurispru- dência alemãs admitir alguma divergência quanto ao quadro que deixá- mos traçado. Assim, tem-se defendido, nas hipóteses em que não se con- segue provar a existência destes tipos legais, a possibilidade de valoração em juízo dos conhecimentos atinentes a crimes que constituam a sua «finalidade ou actividade», mesmo que não constem do catálogo, dado integrarem-se no «processo histórico que a seu tempo ofereceu o motivo para uma ordem legítima de escuta» (RIESS (101)) ou que vieram a ocor-

rer «no decurso da sua realização» (102). Ao fim e ao cabo, ao que

cremos, tem-se entendido que esses factos estariam incluídos nos «conhe- cimentos de investigação» e não nos Zufallsfunde, o que implicaria o não (99) Não concordamos com KAISER(apud COSTAANDRADE, Sobre as Proibições…,

cit., p. 276, nota 138) quando defende a irrelevância dos «conhecimentos fortuitos» nos casos de pequena criminalidade. Para além das exigências ditadas pelo princípio da legalidade, não julgamos estar em causa qualquer violação do princípio da proporcionalidade na con- cepção que perfilhamos.

(100) O diploma (extravagante, o que é, em si mesma, uma opção legislativa muito

discutível) insere-se na lógica securitária posterior aos acontecimentos de 11-9-2001, visando definir com maior rigor (e alcance legal) o conceito de «organizações terroristas (art. 2.º, n.º 1, da Lei n.º 52/2003, a qual dá cumprimento à Decisão Quadro n.º 2002/475/JAI, do Conselho, de 13 de Junho) e de «outras organizações terroristas» (art. 3.º, n.º 1), autono- mizando o tipo legal do «terrorismo internacional» (art. 5.º) e elevando-se, em alguns casos, os limites das molduras penais abstractas. Assim, o art. 11.º da Lei em causa revo- gou os arts. 300.º e 301.º, do CP.

(101) Apud COSTAANDRADE, Sobre as Proibições…, cit., p. 306.

(102) Decisão do BGH de 30-8-1978, apud COSTAANDRADE, Sobre as Proibições…,

cit., p. 309.

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levantamento do correspondente veto de proibição de valoração da prova assim obtida.

Manifestamos a nossa concordância com tal posição, atenta a especial gravidade dos delitos em causa, mas sublinhamos a necessidade de um controlo apertado na verificação de que os «conhecimentos fortuitos» dizem respeito, apenas e tão-só, aos crimes que estavam conexionados com a associação criminosa (ou o acto de terrorismo), sob pena destes tipos legais serem, na prática, usados como pretextos para, sob o manto res- peitável da protecção face a essa criminalidade, se procurar obter material probatório através de um meio que, não fora essa «capa protectora», nunca poderia ser validamente obtido.

Outra questão diversa é a de saber se o entendimento expendido se deverá aplicar apenas aos casos em que, no final da fase de julgamento se conclui pelo não preenchimento dos tipos legais em mérito, ou se, ao invés, bastará a existência de um simples inquérito que não conduza a um despacho de acusação para se sufragar essa concepção (103). Nesta maté-

ria, acompanhamos ROXIN, WOLTER e WELP (104) na defesa da primeira

posição. Segundo estes Autores, para ser possível valorar os «conheci- mentos fortuitos» em causa, é essencial que o processo atinja, pelo menos, a fase da acusação. De outro modo, como adverte ROXIN,

estar-se-ia a abrir a porta a um expediente contrário à regulamentação deste meio de obtenção da prova — bastaria invocar a suspeita da prática de um crime de associação criminosa ou de terrorismo para ser autorizada a escuta telefónica face a um crime não previsto na tipologia corres- pondente ao nosso art. 187.º, n.º 1.

3.2 — A protecção do segredo e da confiança penalmente rele- vantes

Os «portadores de informação» que podem vir a ser atingidos pelas escutas telefónicas são classificáveis em três grupos. Assim, para além do defensor, temos as outras pessoas vinculadas ao dever de sigilo profissional (arts. 135.º e 195.º, do CP) e as elencadas no art. 134.º (105), às quais cor-

(103) Neste último sentido pronunciaram-se TRIESS e SCHLÜCHTER (apud COSTA

ANDRADE, Sobre as Proibições…, cit., p. 309).

(104) Apud COSTAANDRADE, Sobre as Proibições…, cit., p. 311.

(105) Para a interpretação deste artigo, maxime nas hipóteses de recusa de depoi-

mento por parte de testemunha familiar de um dos arguidos em situações de co-argui-

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respondem regimes processuais penais diversos. Porque conexionados de modo mais directo com o presente trabalho, quedar-nos-emos pelos dois pri- meiros (106).

3.2.1 — O defensor

No que respeita à consagração de mecanismos protectores à utilização das escutas, o legislador português apenas reconheceu a especificidade das relações de confiança e segredo entre o defensor (107) e o arguido. Assim

se explica o disposto no n.º 3 do art. 187.º — consagrando um verdadeiro «tema proibido de prova» –, aliás em consonância com a tutela constitu- cional (v. g., art. 32.º, n.os1 e 3, e, na perspectiva do defensor, o art. 208.º,

ambos da Lei Fundamental) e penal (v. g., art. 195.º, do CP).

ção, cf. MEDINA DESEIÇA, «Anotação ao ac. do STJ, de 17-1-1996», RPCC, 6 (1996),

p. 477-96.

(106) Algumas breves palavras sobre portadores de esferas de segredo constituídas pelas

pessoas que podem legitimamente recusar-se a depor. Vozes minoritárias defendem, aqui, a aplicação do regime dos portadores de informação vinculados ao segredo profissional. A maioria dos Autores, por seu turno, partindo da inexistência, nestes casos, de uma fun-

ção pública reconhecida a esses indivíduos, mas apenas de um interesse particular em

não depor contra um seu familiar ou outra pessoa que consigo mantém uma relação pró- xima, e considerando a pouca relevância, para este efeito, da instituição familiar, defendem a subsunção destas «fontes de informação» ao regime comum de qualquer outro «media- dor de notícias».

Julgamos que a razão estará do lado de uma via di mezzo que, partindo do reconhe- cimento da importância social da instituição familiar e da admissão da diferença de bens jurídicos protegidos face às pessoas indicadas no art. 134.º e as vinculadas ao segredo, defende a necessidade de exigências acrescidas ao nível do princípio da subsidiariedade para autorizar escutas telefónicas face aos primeiros. Sobre o problema, cf. COSTAANDRADE,

Sobre as Proibições…, cit., p. 302-3.

(107) Apesar de a lei se referir somente ao «defensor», cremos dever entender-se

que o dispositivo se aplica também a advogados, advogados-estagiários ou consultores téc- nicos que auxiliem o defensor na sua tarefa. No direito italiano, expressamente, o art. 103, 5 e 7, do c.p.p. Um outro aspecto a salientar contende com o facto de que a proibição do art. 187.º, n.º 3 «não se aplica[r] apenas a partir do momento em que o arguido junta aos autos procuração forense (…) mas abrange[r] também o mandato sem representação.». A entender-se o contrário, «frustrar-se-ia o direito processual de que goza o arguido, à confidencialidade e de poder comunicar com o seu defensor em privado (…) previsto no art. 61.º, als. d) e e), do CPP» (ac. da RP de 8-3-2000, CJ, XXV (2000), 2, p. 227, s.) e vio- lar-se-ia, digamo-lo, o art. 32.º, n.º 3, da Constituição. Em idêntico sentido, MARIA DACON- CEIÇÃOGOMES, «Das Escutas Telefónicas…», cit. O ponto é relativamente consensual em

Itália — CORRADADIMARTINOe TERESAPROCACCIANTI, Le Intercettazioni…, cit., p. 51-4.

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