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“Entendemos a possibilidade de determinar o formato, distˆancia e movimento dos cor- pos celestes, no entanto, por nenhum meio seremos capazes de estudar suas composi¸c˜oes qu´ımicas.” Comte (1835) apud Zeilik (1997). Augusto Comte (1798-1857) possu´ıa uma vis˜ao pessimista porque n˜ao ´e poss´ıvel retirar um peda¸co de uma estrela e a trazer para a Terra a fim de ser analisada em um laborat´orio. Tudo que se tem ´e a luz da estrela que

penetra os telesc´opios, entretanto o que ele n˜ao sabia ´e que isto j´a ´e o suficiente.

Em Astrof´ısica existem duas t´ecnicas de observa¸c˜ao, a fotometria e a espectroscopia. A fotometria fornece informa¸c˜oes sobre o brilho dos astros, o que permite estimar suas distˆancias, movimentos e inferir a respeito de alguns processos que provocam as mudan¸cas de brilho observadas. Mas, a fotometria ´e uma ferramenta restrita, pois n˜ao informa a composi¸c˜ao qu´ımica dos astros, uma informa¸c˜ao importante quando se pretende, por exemplo, estimar o ciclo evolutivo de uma estrela, determinar sua idade ou constatar a presen¸ca de oxigˆenio. A espectroscopia ´e a ferramenta mais poderosa que os astrˆonomos disp˜oem para estudar o c´eu, j´a que ´e a partir dela que s˜ao obtidos um grande n´umero de informa¸c˜oes a respeito de um astro distante. A espectroscopia revolucionou a maneira de enxergarmos as estrelas, pois elas deixaram de ser meros pontos luminosos e passaram a ser vistas como objetos celestes como o Sol.

O Sol, assim com as demais estrelas, possui uma assinatura qu´ımica, como se fosse uma impress˜ao digital. Para se enxergar esta assinatura qu´ımica, muitas vezes, ´e necess´ario dispor de dispositivos que decomp˜oe a luz do Sol, como prismas e redes de difra¸c˜ao. No entanto, a natureza nos presenteou com um espet´aculo natural que permite ver um espectro criado a partir dos mesmos princ´ıpios de funcionamento de um prisma ou rede de difra¸c˜ao, o arco-´ıris. Este ´e formado pelo fenˆomeno de refra¸c˜ao que distorce o caminho que a luz solar percorre ao passar do ar para as got´ıculas de ´agua. Cada cor possui uma inclina¸c˜ao pr´opria fazendo com que o arco-´ıris sempre apresente as cores na mesma ordem. Mas, como que a partir de um prisma que decomp˜oe a luz solar ´e poss´ıvel saber a composi¸c˜ao qu´ımica do Sol?

Figura 36 - Espectro solar mostrando as linhas de Fraunhofer. Fonte NASA

Um dos pioneiros em decompor e estudar o espectro solar (figura 36) foi Joseph Frau- nhofer (1787-1826). Para isto, ele usou um prisma e um heliostato para acompanhar o

Tabela 2 - Principais linhas de absor¸c˜ao do espectro solar no vis´ıvel. As bandas A, B e a pertencem `a nossa atmosfera.

Linhas Elementos Comprimento de Onda (˚A)

banda A O2 7594 - 7621 banda B O2 6867 - 6884 c H 6563 banda a O2 6276 - 6287 D - 1,2 Na 5896 & 5890 E Fe 5270 b - 1,2 Mg 5184 & 5173 c Fe 4958 F H 4861 d Fe 4668 e Fe 4384 f H 4340 G Fe&Ca 4308 g Ca 4227 h H 4102 H Ca 3968 K Ca 3934 Fonte: http://www.harmsy.freeuk.com/fraunhofer.html.

movimento do Sol (figura 5, maiores informa¸c˜oes no cap´ıtulo 4) e um fenda com abertura de 40” (LEITNER, 1975). A fenda ´e a pe¸ca chave para verificar que o espectro solar n˜ao ´e formado apenas pelas cores do arco-´ıris (cont´ınuo), pois h´a tamb´em linhas escuras se sobrepondo ao cont´ınuo. A informa¸c˜ao da composi¸c˜ao qu´ımica dos gases e astros ´e obtida a partir da disposi¸c˜ao, intensidade e largura destas linhas. Fraunhofer supˆos que as linhas seriam devido `a presen¸ca de elementos qu´ımicos no Sol, uma vez que observou o espectro de outras estrelas e constatou que eram diferentes do Sol. Ao observar o espectro solar ele encontrou 574 linhas escuras, hoje denominadas de linhas de Fraunhofer em sua homenagem (tabela. 2).

O pr´oximo passo ´e entender o significado das linhas espectrais para determinar quais elementos qu´ımicos est˜ao presentes no Sol. Historicamente isto foi feito a partir do es- tudo do espectro dos elementos presentes na Terra. Ao se observar a luz emitida por uma lˆampada de g´as ´e poss´ıvel ver algumas linhas brilhantes que variam de cor e posi- ¸c˜oes dependendo do g´as. A partir do estudo do espectro de gases ´e poss´ıvel registrar a cor, intensidade e posi¸c˜ao de cada linha do espectro. Com estas informa¸c˜oes, os astrˆono-

Figura 37 - Ilustra¸c˜ao mostrando as leis de Kirchoff. Fonte: NASA

mos estudam o espectro solar comparando a posi¸c˜ao e intensidade das linhas com a dos elementos terrestres.

Em outras situa¸c˜oes ocorre o contr´ario, como por exemplo, o h´elio foi primeiro des- coberto no Sol e depois na Terra, apesar de o espectro solar n˜ao apresentar linhas de absor¸c˜ao de h´elio. Em 1868, Norman Lockyer (1836-1920) observou uma linha brilhante e amarela numa proeminˆencia solar, n˜ao conseguindo determinar `a qual elemento corres- pondia, ele denominou a linha de h´elio que significa Sol. Posteriormente, em 1895 William Ramsay (1852-1916) confirmou a existˆencia do h´elio na Terra ao isol´a-lo de um mineral de Urˆanio chamado de Cleveite (MEADOWS, 1966).

O motivo pelo qual as linhas espectrais do Sol s˜ao escuras, ao contr´ario das lˆampadas que s˜ao brilhantes ´e que um g´as quente e opaco, ou um g´as altamente comprimido emite um espectro cont´ınuo, conforme mostrado no espectro superior da figura 37. Um g´as quente e transparente produz um espectro de linhas brilhantes ou de emiss˜ao, como mostrado no espectro do meio da figura 37. O n´umero de linhas e cores presentes depende de quais elementos est˜ao presentes no g´as. Se uma fonte que produz um espectro cont´ınuo passar atrav´es de um g´as transparente `a uma baixa temperatura, o g´as frio ir´a provocar o surgimento de linhas escuras, cujo n´umero e cores depender´a de quais elementos est˜ao presentes no g´as, conforme mostrado na figura 37 (ZEILIK, 1997).

No caso do Sol, as linhas s˜ao escuras, pois o n´ucleo solar emite um espectro cont´ınuo, mas este ´e absorvido pelo g´as mais frio da fotosfera. Como j´a mencionado, o Sol n˜ao emite radia¸c˜ao somente na regi˜ao do vis´ıvel, portanto ´e poss´ıvel observar o espectro solar em outras faixas espectrais como infravermelho, ultravioleta, raios X, raios gama etc. Cada uma destas faixas fornece informa¸c˜oes sobre as diferentes profundidades no Sol.