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O ESPIRITISMO COMO CAMPO DE PESQUISA NA EDUCAÇÃO

3.3 O ESPIRITISMO COMO OBRA

DE EDUCAÇÃO

Como foi visto nas ideias de Incontri (2003, p. 193), a essência do espiritismo era a educação, tendo em vista que outras correntes religiosas possuíam um ca- ráter salvacionista, ao passo que a doutrina espírita buscava promover a evolução do ser humano através da sua transformação moral38, e isso era um proces-

so pedagógico. O ser humano era o construtor de si mesmo e foi criado para a perfeição e só a educação poderia ser capaz de combater o mal em geral e as más tendências que o Espírito manifestava. Daí o caráter pedagógico do espiritismo.

Se o espiritismo era uma síntese cultural que abrangia diversas áreas do conhecimento, haja vis- ta ser uma doutrina de caráter científico, filosófico e religioso39, seu ponto de unificação era justamente a

pedagogia. Kardec não foi escolhido por acaso para ser seu codificador, pois, na qualidade de discípulo de Pestalozzi e educador que era, soube desempenhar a sua missão, encarando o espiritismo com um olhar pedagógico. Incontri (2003, p. 193) enfatizou que ao

38 Já que me referi bastante ao termo moral, estou considerando a definição apresentada por Kardec (1987a, p. 310) de que “a moral é a regra de bem proceder, isto é, de distinguir o bem do mal. Funda-se na obser- vância da lei de Deus. O homem procede bem quando tudo faz pelo bem de todos, porque então cumpre a lei de Deus”.

39 Para um melhor entendimento desses três aspectos da doutrina espírita, veja Barbosa (1987).

ler Kardec com olhos pedagógicos percebemos a sua insistência e a dos Espíritos em comparações com ima- gens emprestadas do universo educacional. Assim, o planeta Terra é visto como uma escola na qual se reen- carna40 através de vidas sucessivas, como um curso

escolar com seus anos letivos, matriculando-nos para o aperfeiçoamento.

Concordei com Pires (1990, p. 60-61) que a tarefa da educação espírita era formar um novo ser humano, destacando que:

A Educação Clássica greco-romana for- mou o cidadão, o homem vinculado à cidade e suas leis, servidor do Império; a Educação Medieval formou o cristão, o homem submisso a Cristo e sujeito à Igreja, à autoridade desta e aos regula- mentos eclesiásticos; a Educação Renas- centista formou o gentil-homem, o sujei- to às etiquetas e normas sociais, apegado à cultura mundana; a Educação Moder- na formou o homem esclarecido, amante das Ciências e das Artes, cético em ma- téria religiosa, vagamente deísta em fase de transição para o materialismo; a Edu- cação Nova formou o homem psicológico do nosso tempo, ansioso por se libertar das angústias e traumas psíquicos do

40 Entendo a reencarnação como a volta do Espírito a um novo cor- po de carne, após o fenômeno da morte.

passado, substituindo o confessionário pelo consultório psiquiátrico e psicanalí- tico, reduzindo a religião a mera conven- ção pragmática.

Em face do que foi apresentado por Pires (Ibid.) nes- sa síntese, percebi que esse novo ser humano tinha na moralidade o seu ponto mais forte, haja vista o caráter universalista da doutrina pedagógica do espiritismo, a qual não se preocupava em formar cidadãos, mas em educar seres humanos capacitados para agir em todas as instâncias sociais. Percebi uma espécie de perspec- tiva humanista na educação espírita, que extrapolava a própria questão da cidadania. Esse novo homem pre- cisava ser esclarecido, mas, acima de tudo, humano, independentemente de sua nacionalidade, pois essa questão transcendia o elemento da cidadania. Por isso a ênfase para educar o homem e não o cidadão.

Nesse breve esquema, tive uma visão do desenvol- vimento do processo educacional e de suas consequên- cias. Certamente não foi uma visão perfeita e completa, tampouco teve a intenção de destacar aspectos negati- vos da educação, uma vez que, do indivíduo submisso ao Estado, a Deus, às leis, às regras ou às convenções sociais, estamos avançando para o sujeito livre do fu- turo, responsável por si mesmo e sempre em busca da sua afirmação enquanto ser. Sendo assim, a tarefa do espiritismo era formar o ser humano consciente do fu- turo. Para tanto, a necessidade do estudo e do conhe- cimento tornava-se imperiosa.

Diante dessa necessidade de estudo e de conheci- mento colocada pelo espiritismo, destaquei a afirma- ção de Morin, quando disse que o conhecimento não pode correr o risco de se tornar cego. Para o autor (MO- RIN, 2002, p. 14),

O conhecimento do conhecimento deve aparecer como necessidade primeira, que serviria de preparação para enfren- tar os riscos permanentes de erro e de ilusão, que não cessam de parasitar a mente humana. Trata-se de armar cada mente no combate vital rumo à lucidez.

Nessa perspectiva, ressaltei o caráter científico da doutrina espírita, tendo em vista que o espiritismo não apresentou nenhuma teoria preconcebida, nenhuma hipótese da existência e da intervenção dos Espíritos, ou de qualquer dos seus princípios. Na verdade, seu arcabouço teórico veio, subsequentemente, explicar e resumir os fatos e fenômenos espirituais que foram surgindo em diversas partes do mundo41, através da

investigação meticulosa de Allan Kardec.

Segundo Kardec (1987a), o espiritismo era uma doutrina que educava não para individualizar o ser humano, haja vista que perante Deus todos os homens eram iguais:

41 Para um melhor entendimento desses fatos e fenômenos que de- ram início à Codificação da doutrina Espírita, veja Barbosa (1987).

Todos os homens estão submetidos às mesmas leis da Natureza. Todos nascem igualmente fracos, acham-se sujeitos às mesmas dores e o corpo do rico se des- trói como o do pobre. Deus a nenhum homem concedeu superioridade natural, nem pelo nascimento, nem pela morte, todos, aos seus olhos, são iguais. (KAR- DEC, 1987a, p. 375)

Dessa forma, de acordo com os postulados de Kar- dec (1977, p. 255), a doutrina espírita tinha como lema “fora da caridade não há salvação”42, ensinando que

através do trabalho assistencial aos carentes de qual- quer natureza, independentemente do credo religioso que professavam, de raça ou de características físicas que os diferenciavam dos demais, devia-se chamar a todos de irmãos e tratá-los da mesma maneira, tendo em vista o princípio da igualdade que nos aproximava uns dos outros.

Diante dessa assertiva, reafirmavam-se os nossos compromissos para com o próximo, pois a caridade era um princípio máximo. Concordei com Incontri (2003, p. 193) quando este definiu a caridade não apenas como assistencialismo social, respeitável e necessário, mas sim como a caridade da educação. Era preciso desper-

42 Entendemos a salvação não como a aquisição do Reino de Deus, mas como fruto do nosso esforço pessoal, a fim de conseguirmos a nossa reforma interior, o nosso aperfeiçoamento moral. Estamos salvos quando nos libertamos dos nossos vícios e defeitos.

tar consciências para o bem, para o amor ao próximo, contribuindo para mudar homens e mulheres inter- namente, o que certamente redundaria na melhoria de todo o planeta. Em face do exposto, vale salientar que essa educação não poderia assumir um caráter de neutralidade, conforme afirmou Freire (2005, p. 23):

É tão impossível negar a natureza políti- ca do processo educativo quanto negar o caráter educativo do ato político. Isto não significa, porém, que a natureza política do processo educativo e o caráter educa- tivo do ato político esgotem a compreen- são daquele processo e deste ato. Isto significa ser impossível […] uma educa- ção neutra, que se diga a serviço da hu- manidade, dos seres humanos em geral.

Entretanto, Freire (2005, p. 28) argumentou que, para esse processo educativo não assumir uma cono- tação ingênua,

É preciso que a educação dê carne e es- pírito ao modelo de ser humano virtuoso que, então, instaurará uma sociedade justa e bela. Nada poderá ser feito antes que uma geração inteira de gente boa e justa assuma a tarefa de criar a socieda- de ideal.

Nesse sentido, pude destacar o compromisso com a educação a partir do conhecimento doutrinário do espiritismo, o qual buscava formar consciências capa- zes de lutar por uma sociedade melhor, construindo essa base a partir da própria formação do ser humano.

Conforme assertivas de Incontri (2003, p. 40), o espiritismo trouxe uma proposta de educação. O ser humano foi criado simples e ignorante pelas mãos do Criador para habitar o universo e tinha como objetivo supremo atingir a perfeição, mas essa perfeição depen- dia do seu esforço pessoal, do engajamento individual nesse processo de aperfeiçoamento. Nesse sentido en- contrei a essência pedagógica do espiritismo, o qual explicava que o próprio sentido da vida era o da educa- ção. Acreditei que a educação espírita poderia ajudar o ser humano no processo de aprendizagem e aperfei- çoamento, haja vista que tinha ferramentas precisas e profundas para trabalhar com essa evolução, porque sabia dos processos obsessivos e analisava a existên- cia humana sob o ponto de vista das sucessivas reen- carnações.

Da mesma forma que Incontri (2003, p. 41), não tive a pretensão de defender uma espécie de catequese da religião espírita, propondo educar para o espiritis- mo. Pelo contrário, esse tipo de educação poderia ser dado aos praticantes de qualquer religião e até a ateus. Kardec sempre enfatizou que os espíritas não deveriam fazer proselitismo e muito menos violentar consciên- cias. No relacionamento com pessoas não espíritas, era preciso exercer a tarefa de educar, sem impor con-

vicções, dentro dos princípios da alteridade, respeitan- do o outro nas suas diferenças e até mesmo aprenden- do com estas. Foi isso que Jesus deixou como legado maior de seus ensinamentos.