• Nenhum resultado encontrado

Esquema quinário da sequência narrativa

Limites do processo Núcleo do processo Situação inicial (Orientação) MPn1 (m1) Nó (Desencadeador) MPn2 (m2) Re-ação ou Avaliação MPn3 (m3) Desenlace (Resolução) MPn4 (m4) Situação final MPn5 (m5) Fonte: Adam, 2017, p. 128.

Mediante esse esquema e com base também no próximo (Esquema 6), retomemos nosso objetivo de descrever a argumentatividade em torno de questões polêmicas por parâmetros de textualização, mais especificamente, nesta seção, pelas categorias de análise que J.-M. Adam denomina sequências textuais. Selecionamos uma notícia na qual as sequências narrativas orientam o modo de ver do leitor em direção à tese favorável à descriminalização da maconha, mais uma questão polêmica que tem pululado em textos das esferas jornalística e midiática no Brasil. Apontaremos, no exemplo a seguir, as macroproposições que caracterizam uma sequência como narrativa, acrescentando às macroproposições do Esquema 5 a MPn0 (Entrada-prefácio ou Resumo) e a MPnΩ (Encerramento ou Avaliação); em seguida, refletiremos sobre como essa narrativa orienta argumentativamente a notícia para uma avaliação favorável à tese de descriminalização da maconha para fins medicinais.

Texto (07) – Notícia42

Justiça autoriza curitibana com tumor a cultivar maconha para uso

medicinal próprio

Paciente diz que sofreu por anos com dores e espasmos até conhecer tratamento com cannabis. Plantas utilizadas por ela não têm THC, substância que causa efeitos psicoativos. Por Erick Gimenes, G1 PR — Curitiba

13/07/2018 05h00 Atualizado há 2 meses

Uma curitibana conseguiu na Justiça Estadual do Paraná o direito de cultivar e manusear maconha medicinal para uso próprio contra sintomas causados por um tumor benigno no cérebro. A decisão é do fim de junho. [MPn0]

A doença se manifestou em 2010 e, segundo a paciente, arruinou a qualidade de vida dela — houve pioras na mobilidade e na visão, fortes dores de cabeça, fraqueza muscular profunda, perda de consciência, espasmos musculares e alterações hormonais.

“Chegou ao ponto de não mais poder dirigir, não mais poder trabalhar, não mais poder fazer as atividades básicas. Por mais que às vezes a gente acredite que poderia ser sanado pelo tratamento convencional, não teve o sucesso esperado”, conta a mulher, que prefere não se identificar. [MPn1]

O tratamento convencional, ao qual ela recorreu inicialmente, envolve a prescrição de oito

medicamentos diferentes. A paciente seguiu a recomendação à risca por mais de quatro anos, mas diz ter sentido uma série de efeitos colaterais e progressiva ineficiência das doses. [MPn2]

Por isso, decidiu buscar tratamentos alternativos. [MPn3]Foi aí que encontrou, em artigos científicos publicados na internet, a indicação do uso do óleo de cannabis para o alívio das dores e dos

espasmos. Com o consentimento de seus médicos, passou a utilizá-lo como apoio à terapia que já estava em curso. [MPn4]

"Houve uma melhora imediata, principalmente na parte de espasmos musculares e de sono.

Imediatamente quando você começa a utilizar o óleo, você já sente a diferença na qualidade de vida absurda. Eu sempre digo que não é o óleo só, mas é um olhar multidisciplinar do paciente, onde também tem o olhar do médico e do tratamento com o óleo conjunto", afirma. [MPn5]

A planta utilizada no óleo é rica em canabidiol (CDB), substância com efeito anti-inflamatório, analgésico e neuroprotetor, e não tem tetra-hidrocarbinol (THC) — ou seja, não há efeitos alucinógenos.

42 O recurso às cores está sendo utilizado para facilitar a identificação e a visualização das macroproposições narrativas que constituem essa notícia.

Sem autorização legal, inicialmente, a paranaense relata que teve que viver a clandestinidade e o medo de ser presa para produzir o óleo.

"É tão difícil quando você está na sua pior fase da doença, porque você passa por duas etapas: você estar doente e você ter que organizar isso dentro da sua vida, porque você quer ter o acesso ao que te faz bem, a um óleo de uma planta que é importantíssimo para várias doenças", diz a paciente. Ela conta que, pouco depois, conseguiu autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação do óleo de maconha pronto. [MPn1] O custo, no entanto, era inviável: ao mês, a medicação custa em média R$ 2 mil por mês. [MPn2]

A paciente então buscou a Justiça [MPn3]e conseguiu um habeas corpus que permite a produção própria e impede a polícia de investigar, repreender ou atentar contra a liberdade dela. [MPn4]

"O juiz ponderou o direito à vida da paciente, que é um direito constitucional garantido. Ela não pode jamais ser considerada traficante de drogas, porque ela busca acesso à saúde. É obrigação do Estado. Se o Estado não tem como possibilitar esse direito a ela, então ela tem os meios legais. A Justiça está possibilitando o exercício de um direito pleno", comenta o advogado da paranaense, Anderson Rodrigues Ferreira.

Conforme a decisão, deve-se seguir rigorosamente um método aprovado por técnicos e pelo juiz responsável — entre outros cuidados, há o limite de cultivo de até 1 metro quadrado da planta. A produção do óleo é feita artesanalmente pela própria paciente, na casa dela, com o uso de uma panela comum de cozinha e os devidos cuidados de luz e adubo. [MPn5]

Anvisa permite uso

A Anvisa permite o uso da maconha medicinal no Brasil, contanto que siga regras definidas pela própria agência mediante dados que comprovem segurança e eficácia.

No país, já existe inclusive o registro do medicamento Mevatyl®, à base de THC e canabidiol, indicado para um tratamento sintomático relacionado à esclerose múltipla.

De acordo com a Anvisa, a cannabis e suas substâncias são regulamentadas por duas convenções internacionais da Organização das Nações Unidas (ONU): a Convenção de 1961 sobre Substâncias Entorpecentes, que mantém a planta Cannabis proibida e sob controle e supervisão, com exceção para fins médicos e científicos, e a Convenção de 1971 sobre Substâncias Psicotrópicas, que proíbe o uso do canabinóide Tetrahidrocanabinol (THC), também excetuando fins científicos e propósitos médicos muito limitados, por meio de estabelecimentos médicos e pessoas autorizadas pelas autoridades governamentais.

A agência nacional ressalta que essas convenções foram internalizadas em leis e decretos vigentes no país. No entanto, afirma que ainda é necessária regulamentação específica do Congresso para o plantio com fins de pesquisa e uso medicinal.

Projeto de lei nacional

Um projeto de lei apresentado na Câmara Federal pelo deputado Paulo Teixeira (PT-SP), na terça-feira (10), sugere o controle, a fiscalização e a regulamentação do uso da cannabis no país. O texto sugere a liberação de até 40 gramas de maconha não prensadas por mês, tanto a usuários recrativos quanto a pacientes como a curitibana.

Quanto ao uso medicinal, a proposta obriga prescrição médica e só permite o fornecimento de insumos ou da planta por ONGs devidamente autorizadas pela Anvisa.

O projeto de lei aguarda despacho do presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM- RJ), para ir a plenário. [MPnΩ]

Veja mais notícias do estado no G1 Paraná.

Fonte: https://g1.globo.com/pr/parana/noticia/justica-autoriza-curitibana-com-tumor-a-cultivar-maconha-para- uso-medicinal-proprio.ghtml Acesso em 26/09/2018.

Temos, correspondendo aos trechos destacados, duas sequências narrativas coordenadas: uma que tem como nó (como desencadeador de uma transformação) os efeitos colaterais provocados pelos medicamentos convencionais e a ineficácia progressiva destes para o tratamento de um tumor que acomete o cérebro do sujeito da narrativa, levando-o a buscar

por tratamentos alternativos (re-ação) e a encontrar o óleo de cannabis (desenlace); outra que tem como nó o alto custo para importação do óleo de cannabis pronto e a proibição, pelas leis brasileiras, do cultivo e da manipulação da planta, fatores que motivaram uma ação judicial (re- ação) que culminou com a emissão de um habeas corpus que lhe confere o direito de cultivar a planta e de produzir artesanalmente o óleo para consumo medicinal (desenlace). Como se trata de uma notícia, gênero no qual o relato de um acontecimento por um sujeito que não está investido do papel de jornalista deve ser enquadrado na enunciação deste, as duas sequências narrativas coordenadas são enquadradas por dois movimentos macroproposicionais adicionais: um de abertura e um de fechamento, que sinalizam, respectivamente, a entrada na trama a ser narrada e o seu encerramento. A macroproposição de entrada (MPn0) resume o acontecimento noticiado e fornece informações sobre o sujeito (a curitibana que tem um tumor cerebral e que conseguiu na justiça o direito de plantar e de consumir maconha para tratar da doença), preparando o espaço para a narrativa, enquanto a macroproposição de encerramento (MPnΩ) permite inferir uma avaliação implícita, segundo a qual existe uma disposição favorável ao uso da maconha medicinal por parte da Anvisa e uma inclinação à legalização regulamentada do uso da maconha, para fins medicinal e recreativo, tendo em vista a formalização de um projeto de lei que tramita na Câmara dos Deputados. A esse texto, portanto, foi aplicado o Esquema 6, que foi elaborado por Adam com o intuito de enquadrar uma sequência narrativa em um cotexto dialogal (ADAM, 2011, 2017) que requer a marcação da alternância dos sujeitos implicados em uma troca (como é o caso da passagem da contextualização da notícia para o relato do acontecimento noticiado e o inverso – volta à contextualização da notícia).

Documentos relacionados