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CAPÍTULO I – O SENTIDO DE ESSÊNCIA NA OBRA DE MATURIDADE DE MARX

I.3. ESSÊNCIA, ESTRUTURA E MODO DE PRODUÇÃO

Afirmamos mais acima que, em nossa compreensão, o sentido de essência a partir das obras de maturidade de Marx é o resultado da articulação das estruturas próprias de um modo de produção específico, sendo a estrutura econômica determinante em última instância das demais7. Isso nos permite avançar em dois

sentidos: primeiro, afirmar que Marx rompe com o antropologismo juvenil e com a

concepção de uma essência humana alienada; segundo, o sentido de essência nas obras de maturidade é o todo social, resultado da articulação das estruturas econômica, jurídico-política e ideológica, portanto, o próprio modo de produção. O antropocentrismo da juventude desaparece nas obras de maturidade e cede o lugar ao conceito de modo de produção, cuja articulação estrutural delimita e determina as relações sociais: no prefácio à primeira edição do Capital, Marx define as “pessoas” (Personen) como portadoras ou suportes (Träger) de relações de classes e interesses, criaturas (Geschöpf) das relações sociais nas quais estão inseridas, portanto, apenas são essencialmente produtos do meio, que é resultado do desenvolvimento histórico- natural8 (cf. Marx, 1988, Livro I, Vol. 1, p.18; Marx, 1957, p.04).

O que podemos entender por articulação das estruturas de um modo de produção é, sem dúvida, o que lhe dá especificidade: são as características específicas de cada uma das estruturas (diferentes em modos de produção distintos). Articulação das estruturas que delimitam e determinam o todo social é, sem dúvida, sinônimo de modo de produção9. No Prefácio de 1859, Marx fala da estrutura econômica (struktur) e da superestrutura (überbau10) jurídico–política e ideológica para

explicar que a articulação dessas estruturas (conjuntos de valores que determinam e delimitam práticas correspondentes) forma um todo social específico, determinado em última instância pela estrutura econômica.

O que diferencia o marxismo de qualquer teoria estática das estruturas é que há movimento. A dialética marxista compreende o movimento da reprodução do

8Os termos em alemão foram tomados de Marx,1957, p.04.

9Sinônimo de modo de produção da maneira como o conceito foi desenvolvido pela correntealthusseriana,

ou seja, modo de produção não designa apenas a estrutura econômica (as relações sociais de produção e as forças produtivas), mas a articulação da estrutura econômica, jurídico-política e ideológica (cf. Althusser, 1967b, p.153).

10O verbo latinostruo, do qual deriva a nossa palavraestruturatambém sugere a ideia de construção,de

sobreposição. A raiz serve, com a adição de prefixos, a verbos derivados como, por exemplo, construir, destruir, instruir etc.

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modo de produção como gerador de contradições derivadas, que abrem as possibilidades da transição e possibilitam práticas também transformadoras.

Assim como é possível definir a essência de um modo de produção particular a partir da análise das estruturas, também é possível definir cada uma das estruturas tendo como referência o conjunto. Isso significa que é possível identificar especificidades de cada uma das estruturas, assim como do modo de produção em conjunto, que podem possuir alterações na forma em que existem concretamente em formações sociais distintas, mas não no seu papel dentro do modo de produção (no caso das estruturas analisadas separadamente), nem no que determina essencialmente um modo de produção. É possível, a partir da análise dos fenômenos, chegar à essência de qualquer modo de produção, assim como foi possível constituir um conceito de modo de produção geral e também de modos de produção específicos (escravista, feudal, capitalista etc.).

Esse conjunto de afirmações é importante para que fique claro que não tratamos como a essência do modo de produção apenas a estrutura econômica, ou mesmo apenas as relações sociais de produção. A estrutura econômica é determinante em última instância das demais estruturas, mas cada modo de produção, de acordo com as necessidades da reprodução, possui uma estrutura que assume papel dominante interno, por exemplo: a estrutura ideológica no modo de produção feudal; a própria estrutura econômica no modo de produção capitalista. (cf. Poulantzas, 1968, p. 10-11; 23-26)

Compreender a essência de um modo de produção como a articulação de suas estruturas, tendo como determinante em última instância a estrutura econômica nos permite: compreender as interações recíprocas entre as estruturas; tratar o modo de produção como um todo articulado com dominante, ou seja, compreender o papel de cada estrutura no processo de reprodução e, assim, as características específicas que seu conjunto possui, determinando um modo de produção específico.

A determinação em última instância da estrutura econômica no processo de constituição de um modo de produção determina o papel das demais estruturas. Uma vez constituído o modo de produção, essas estruturas podem sofrer mudanças, mas sempre em função do papel que cumprem na reprodução, assim como a estrutura econômica tende a se reproduzir com as mesmas características, como condição de permanência desse modo de produção. Ainda que a forma se modifique

– formas de governo na estrutura jurídico-política, por exemplo –, o que define a essência é o papel que cada uma das estruturas cumpre e como se articulam num dado modo de produção.

Marx (1974a, p.22-23), na Crítica do Programa de Gotha, se expressa nesse sentido:

“[...] os distintos Estados dos distintos países civilizados, apesar da heterogênea diversidade de suas formas, têm em comum que todos eles se assentam sobre as bases da moderna sociedade burguesa, ainda que ela se encontre em alguns lugares mais desenvolvida que em outros, no sentido capitalista. Têm, portanto, certas características essenciais comuns”.

Portanto, a essência se refere às características próprias e específicas de um modo de produção. As estruturas próprias de um modo de produção qualquer, ainda que possam conter diferenças formais se a comparação for feita entre formações sociais concretas, cumprem o mesmo papel dentro do quadro desse modo de produção.

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