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Esses dias teve um temporal, você via por cima da aldeia um pó vermelho, igual fumaça Aí a gente pensa: logo, logo estamos sofrendo

crise de saúde com as nossas crianças e velhos. Esse pó é cheio de

agrotóxico. Eu não tenho estudo, mas pelo meu conhecimento, a gente

vê que vamos ter problemas com a saúde porque nossa área é bem de

frente com as fazendas e armazéns (Indígena, Brasnorte, RP 08).

Diversos impactos são associados ao uso de agrotóxico: comprometem a microbiota do solo, com isso aumentam a velocidade de erosão do solo; são altamente solúveis percolando o solo e poluindo as águas subterrâneas; poluem águas de riachos, rios e lagos matando também a fauna aquática desses habitats; faz com que a agricultura seja altamente dependente desses insumos; provocam doenças nos trabalhadores que pulverizam, assim como, nas pessoas que consomem os alimentos contaminados.

Conforme destaca Pignati (2011, p. 28), o Brasil é o maior consumidor mundial de agrotóxicos e usou 923 milhões de litros em suas lavouras em 2010, calcula-se uma média de 5,2 litros de consumo de agrotóxico por habitante/ano. O pesquisador ao analisar os dados secundários (IBGE e INDEA) verificou que,

Dentre os Estados brasileiros, MT é o campeão, sendo que, dos seus 141 municípios, 24 com 80% de desmatamento e 30 com 60% de desmatamento, produzem 90% dos produtos agrícolas e consomem 90% dos agrotóxicos e fertilizantes químicos. Em 2010, o Estado produziu 6,4 milhões de hectares de soja; 2,5 milhões de milho; 0,7 milhões de algodão; 0,4 milhões de cana; 0,4 milhões de sorgo; 0,3 milhões de arroz e 0,4 milhões de hectares de outros produtos (feijão, mandioca, borracha, café, frutas e verduras) e consumiu cerca de 132 milhões de litros de agrotóxicos (produto formulado), principalmente,de herbicida, inseticida e fungicida. (PIGNATI, 2011, p. 28).

Em MT, é difícil excluir a relação existente entre o avanço da produção de soja e o aumento vertiginoso do uso de agrotóxicos. De acordo com os dados do IBGE (2011) o município de Lucas do Rio Verde, o cerne do agronegócio mato-grossense, destaca-se dentre os cinco maiores produtores do Estado, cerca de 420 mil ha entre soja, milho e algodão, proporcionalmente, consumiu cerca de 5,1 milhões de litros de agrotóxicos nessas lavouras.

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Este município vem sendo lócus de pesquisa do grupo de Saúde Coletiva da UFMT em parceria com a FIOCRUZ (período 2007 a 2010) que recentemente publicaram alguns resultados dramáticos para a população mato-grossense, que foram resumidos em:

a) exposição de 136 litros de agrotóxicos por habitante da região pesquisada; b) pulverização de agrotóxicos por avião e trator a menos de 10m de fontes de

água potável, de criação de animais, de residências, vilas ou periferia da cidade;

c) contaminação com resíduos de agrotóxicos em 60% a 100% das amostras de

água potável das escolas;

d) contaminação com agrotóxicos nas amostras de sanguee urina de

professores, sendo os níveis nos professores rurais foram o dobro dos urbanos;

e) contaminação com vários tipos de agrotóxicos no leite materno em 100% das

62 mães/nutrizes pesquisadas;

f) resíduos de agrotóxicos em sedimentos de duas lagoas, semelhantes aos tipos

de resíduos encontrados no sangue de anfíbios, bem como a incidência de malformação nestes animais foi cinco vezes maior do que na lagoa controle. (PIGNATI, 2011; IBGE, 2011; PALMA, 2011; PIGNATI E MACHADO, 2011).

As denúncias dos nefastos efeitos da contaminação química de pesticidas no ambiente natural e na extinção de certas espécies animais tiveram marco na década de 60 com o livro “A Primavera Silenciosa”, publicado pela bióloga norte-americana Rachel Carson. O livro tornou-se um referencial do movimento ecologista, pois desperta a sensibilidade social para os problemas ambientais.

O combate a essa prática criminosa passou a ser uma bandeira de luta de vários grupos sociais, como os povos indígenas que começaram a cobrar dos tomadores de decisão um posicionamento frente a essa questão. Pois, as TI estão se tornando ilhas rodeadas por plantações de soja e pecuária, sem nenhuma área de entorno ou as chamadas zonas de amortecimento. Com isso, efeitos deletérios sobre a natureza e a saúde dos povos são cada vez mais perversos.

„No território Pimentel Barbosa, em 1998, começou o

desmatamento, as queimadas, o fazendeiro invadiu. No ano de 2000

ficou ainda pior, muito agrotóxico, jogavam lixo nos rios e alguns

secaram. Quando chove, toda sujeira vem pra dentro da nossa terra e

nós temos que beber a água suja. No ano de 2005 já estava cheio de

soja e milho no entorno. Tudo muito mal. De 1995 até 2005

começou a seca...Teve uma vez que morreram 95 Xavante por causa

da contaminação por agrotóxico. Em nossa volta tem lavouras.

Quando chove vem todo agrotóxico pra dentro. Está matando tudo

aos poucos‰. (Indígena Xavante, município de Canarana, RP 04).

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Essas situações-limite engendram conflitos, violências e mortes em muitos territórios (figura 5.16). Implicam perdas de todos os lados, mas, essencialmente, mais significativas para os grupos sociais vulneráveis (neste caso, os povos indígenas) que são dizimados de diversas formas. No cotidiano por meio das contaminações promovidas pelos venenos e pelas armas que estão constantemente sob suas cabeças e de todo um legado histórico desde o início da colonização brasileira, e da escravidão que muito provavelmente perdura até os dias atuais em diversos territórios brasileiros.

As ameaças afetam os grupos sociais vulneráveis, assim como pesquisadores da temática, que são pressionados por gestores públicos e pelos grandes produtores rurais a recuarem com as denúncias, ações populares e pesquisas.

„Sobre os agrotóxicos a gente tem que falar, denunciar e se esconder,

pois as ameaças e pressões são demais‰ (Agricultor familiar, Lucas

do Rio Verde, RP 11).

No Brasil, uma importante frente de articulação para o controle do uso dos agrotóxicos foi lançada pela Via Campesina em 2011, a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida35, com objetivo de denunciar e alertar a sociedade para aos prejuízos causados pelo uso de agrotóxicos e ao mesmo tempo construir iniciativas que possam edificar barreiras ao uso deste produto químico. Participam mais de trinta movimentos sociais, entidades estudantis e sindicatos em defesa do direito à alimentação saudável para todos, da saúde e qualidade de vida do trabalhador e de um meio ambiente.

Encarar a luta contra o uso desses produtos químicos é também enfrentar e defender uma produção mais orgânica, sustentável e justa; incentivar a agricultura familiar; fomentar a reforma agrária; dinamizar a economia solidária para abastecer o mercado local com alimentos saudáveis. É uma opção por um modo de vida mais inclusivo, cuidadoso e justo.

35 Mais informações sobre a Campanha podem ser acessadas em:

185 Figura 5.16 -- Mapa temático dos conflitos socioambientais incitados pelos agrotóxicos. Org. M. Jaber; M. Sato; R. Silva, 2012.

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A fim de apresentar uma espacialização do mosaico de conflitos socioambientais mapeados, subsidiados pelo uso de tecnologias de processamento de dados georreferenciados, elaboramos o Mapa dos conflitos socioambientais do Estado de Mato Grosso (figura 5.17). O mapa em questão é composto pelos pontos de ocorrência dos conflitos, os locais em que registram ameaças de morte e trabalho escravo36.

Ressaltamos que a maioria dos pontos do mapa foi georreferenciada de acordo com as coordenadas geográficas, contudo, alguns pontos trazem uma localização aproximada, segundo as narrativas dos grupos pesquisados. Os pontos dos conflitos assinalados durante as oficinas foram confirmados por meio de consultas a dados secundários: artigos científicos, relatórios técnicos e acadêmicos, publicações diversas etc. Entretanto, como essa pesquisa é ancorada metodologicamente na autonarração, foram considerados, sobremaneira, os registros feitos pelos grupos sociais entrevistados.

O Mapa foi produzido em escala 1:1.500.000. Registramos que, em parceria com a SEPLAN, estamos reproduzindo cópias deste mapa, para serem entregues aos grupos envolvidos nesta pesquisa. Visamos assim, que o mapa sirva como instrumento de luta e pressão, assim como, possa ser constantemente retroalimentado.

Além deste mapa, elaboramos o Mapa temático dos conflitos socioambientais do

Estado de Mato Grosso – 2012 (figura 5.18), formado por um conjunto de shapes que tem

uma base para cada causa propulsora (apresentados anteriormente). Produzimos em escala 1:1.500.000. Pelas limitações de impressão da tese, neste ponto do trabalho, apresentamos uma versão reduzida com readequações para a escala 1:4.200.000, o que poderá dificultar um pouco a visualização dos dados espacializados.

Estamos cientes que o universo mapeado neste trabalho não esgota as inúmeras situações-limite existentes e ainda não visíveis em MT. Entretanto, denuncia uma parte dos problemas da imposição dos grandes projetos e reflete uma parcela importante de casos de conflitos e de resistências dos grupos sociais, frente ao modelo de desenvolvimento excludente e degradante. Além disso, reconhecemos que os conflitos mapeados não são fixos, novos desafios são postos a todo o momento para os grupos

36 O mapa pode ser acessado no link:

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sociais. Destarte, registramos que, em alguns casos, os conflitos aqui mapeados podem ter sido superados ou estar em situações ainda mais críticas.

Em consonância com as considerações epistemológicas da cartografia do imaginário (SATO, 2011), o cenário dos resultados é mutável, transcendente da temporalidade e do espaço, requerendo uma dinâmica que acompanhe o movimento. Reconhecemos que o retrato tirado é momentâneo, como na fenomenologia Caminiana em considerar a mágica do instante. E que de tempos em tempos será preciso retomar este estudo para um cenário atualizado do contexto socioambiental. Trata-se de pessoas, de enfrentamento para além do território físico. Essencialmente trata-se de uma pesquisa ética a favor da natureza e dos povos e grupos sociais marginalizados do processo instituído, que teima em encontrar táticas instituintes para que o ambiente protegido e a melhoria na vida sejam possíveis para todos, e não apenas à minoria.

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189 Figura 5.18 -- Mapa temático dos conflitos socioambientais do Estado de Mato Grosso. Org. M. Jaber; R. Silva; M. Sato, 2012.

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Sonho Impossível Sonho Impossível Sonho Impossível Sonho Impossível

Letra: J. Darion e Mitch Leigh Versão: Chico Buarque e Rui Guerra Sonhar mais um sonho impossível Lutar quando é fácil ceder Vencer o inimigo invencível Negar quando a regra é vender Sofrer a tortura implacável Romper a incabível prisão Voar num limite improvável Tocar o inacessível chão É minha lei, é minha questão Virar este mundo, cravar este chão Não me importa saber

Se é terrível demais

Quantas guerras terei que vencer Por um pouco de paz

E amanhã se este chão que eu beijei For meu leito e perdão

Vou saber que valeu Delirar e morrer de paixão E assim, seja lá como for Vai ter fim a infinita aflição E o mundo vai ver uma flor Brotar do impossível chão.

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1!

É nelas (bocas e mãos, sonhos, greves e denúncias)

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