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Capítulo II Desenvolvimento da fé em James W Fowler

2.2. Estágios da fé

A fé, segundo Fowler, desenvolve-se em um pré-estágio e seis estágios, que vão da fé primal ou indiferenciada até a fé universalizante. Nesse processo, cada pessoa coloca como centro de sua vida um conjunto de significados e crenças.

Fowler considera que o ser humano está em processo de desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo, psicossocial, moral, da fé, e que estes aspectos estão inter- relacionados, um influenciando o outro, ao longo da vida. O movimento de um estágio para outro é dinâmico, apresentando características específicas que possibilitam compreender as formas de expressão da fé e não o estado de perfeição e maturidade de uma pessoa. As características do processo de maturação biológica, da idade cronológica e do desenvolvimento psicológico são importantes para a disposição do ser humano na transição de um estágio a outro. No entanto, estas transições acontecem através do encontro com as crises, desafios, experiências diversas. As mudanças no contexto onde a pessoa está inserida podem favorecer esta passagem ou não.

Para Fowler, as características de um estágio podem estar presentes em outro, independente da faixa etária em que a pessoa se encontra. Para exemplificar, pode-se reconhecer jovens vivendo o estágio 6 e adultos vivendo o estágio 2. As manifestações dos estágios são diferentes em cada pessoa e não são automáticos.

A fé é evolucionária, e a mudança na expressão de fé se processa de acordo com o desenvolvimento da pessoa, nos diversos estágios. Entende-se, assim, que a fé não é estática, mas sim dinâmica.

A sequência dos estágios da fé, na concepção de Fowler, é a seguinte: fé primal ou indiferenciada; fé intuitivo-projetiva; fé mítico-literal; fé sintético-convencional; fé individuativo-reflexiva; fé conjuntiva; e fé universalizante. Em cada nova estrutura do

desenvolvimento ocorre uma reelaboração dos conteúdos da fé – realidades, valores, poderes, comunidades, nos quais a pessoa coloca a centralidade de sua vida. Neste processo podem acontecer paradas em qualquer um dos estágios, bem como as mudanças radicais nos conteúdos da fé podem resultar em uma mudança estrutural de estágio.

Uma breve apresentação, das características principais do pré-estágio e dos seis estágios pode colaborar na compreensão global dos estágios da fé na teoria fowleriana:

a) Pré-estágio: Lactância e fé indiferenciada. De 0 aos 2 anos de idade. In útero e nos primeiros meses após o nascimento. Esta fase envolve o início da confiança emocional e nela está a base do posterior desenvolvimento da fé. A transição para o estágio 1 se dá com a convergência do pensamento e da linguagem. No item 2.3, este pré-estágio será apresentado de maneira mais detalhada.

b) Estágio 1: Fé intuitivo-projetiva. Aproximadamente dos 2 anos aos 6 ou 7 anos de idade. A imaginação articula-se com a percepção e com os sentimentos, criando imagens religiosas de longa duração. É o estágio em que a criança se torna consciente das proibições e normas morais, bem como da noção de sagrado. A característica marcante é de uma fé fantasiosa e imitativa. A transição para o próximo estágio é o surgimento do pensamento operacional concreto e a resolução das questões edipianas. No item 2.4 será abordada esta caracterização.

c) Estágio 2: Fé mítico-literal. Aproximadamente dos 7 aos 12 anos de idade. Este estágio corresponde ao estágio das operações concretas de Piaget, a criança começa a assumir para si as histórias, crenças e costumes de sua comunidade, apropriando-se de forma literal das crenças, símbolos e regras. Aprende a distinguir a fantasia da realidade e desenvolve a capacidade de perceber a perspectivas das outras pessoas. A fé, neste estágio, é uma construção mais linear e com sentido. “É o estágio no qual a pessoa começa a assumir para si as histórias, crenças e observâncias que simbolizam pertença à sua comunidade” (Fowler, 1992, p. 128). Os atores das suas histórias são antropomórficos. A força desse estágio é o surgimento da narrativa, da história, do drama como formas de dar sentido às próprias experiências, sem reflexão sobre as mesmas. Podem surgir limitações, neste estágio, como um perfeccionismo rígido ou uma

acentuada negligência. A transição para o estágio 3 é a contradição implícita nas histórias, o surgimento do pensamento formal e a entrada na adolescência.

d) Estágio 3: Fé sintético-convencional. Aproximadamente dos 12 aos 18 anos de idade. A referência aos termos “sintético” e “convencional” é explicada pelo autor:

O sistema de fé do indivíduo que se encontra no estágio 3 é convencional no sentido de ser visto como o sistema de fé de todo o mundo ou da comunidade toda. E é sintético no sentido de ser não analítico; existe como uma espécie de totalidade unificada, global (Fowler, 1992, p. 142).

Este estágio típico da adolescência e é caracterizado principalmente pela ampliação da experiência de mundo para além da família, integrando a escola, o trabalho, os companheiros, a sociedade, a mídia e talvez a religião. A fé neste estágio possuiu uma dimensão sintetizadora e fornece uma base para a identidade e a perspectiva da pessoa. É um estágio conformista, a pessoa se encontra sintonizada com as expectativas e julgamentos de outros e ainda não possuiu uma percepção segura de sua própria identidade. Possui uma ideologia, mas não refletem sobre ela. Emerge neste estágio a capacidade de formar um mito pessoal, mito do próprio devir da pessoa em identidade e fé. As expectativas e avaliações dos outros são internalizadas, bem como as traições interpessoais constituem as limitações desse estágio, gerando conflitos nas relações interpessoais e na relação com Deus. A transição para o estágio 4 inclui os conflitos ou contradições entre as fontes de autoridade valorizadas pela pessoa, mudanças significativas que ocorrem nas instituições e experiência de “sair de casa”, como um tipo de avaliação do próprio eu e dos valores orientadores de sua vida.

e) Estágio 4: Fé individuativo-reflexiva. Aproximadamente dos 18 aos 25 anos de idade. A pessoa, neste estágio, começa a assumir encargos e responsabilidades por seus compromissos, estilo de vida, crenças, atitudes:

O eu, anteriormente sustentado em sua identidade e composições de fé por um círculo interpessoal de outros significados, agora exige uma identidade não mais definida pelo composto dos papéis ou significados da pessoa para outras. Para sustentar essa nova identidade, ele compõe um quadro de sentido consciente de suas próprias fronteiras e conexões interiores, e consciente de si mesmo como “cosmovisão”. O eu (identidade) e a perspectiva (cosmovisão) são

diferenciados do eu e da perspectiva de outras pessoas e tornam-se fatores reconhecidos nas reações, interpretações e julgamentos que a pessoa faz a respeito das ações dela mesma e de outras pessoas (Fowler, 1992, p. 154).

A força desse estágio está na capacidade de refletir criticamente sobre a própria identidade e a ideologia, sendo um estágio desmitologizante. Algumas limitações podem surgir, como a possibilidade de um segundo narcisismo e a confiança excessiva na sua mente consciente e no seu pensamento crítico. A transição para o estágio 5 se dá quando a pessoa começa a dar atenção às vozes interiores perturbadoras; quando as histórias, símbolos, mitos e paradoxos da própria tradição religiosa ou de outras possam perturbar a simplicidade de sua fé anterior e quando surge a desilusão com os compromissos e o reconhecimento de que a vida é mais complexa do que achava.

f) Estágio 5: Fé conjuntiva. Após os 25 anos. A fé conjuntiva implica a integração e convivência com as contradições:

Implica a integração, no eu e na própria perspectiva, de muita coisa que foi suprimida ou não reconhecida no interesse da autocerteza e da consciente adaptação cognitiva e afetiva à realidade […]/ deve haver uma nova retomada e reconsideração do passado da pessoa. É importante observar que isto implica um reconhecimento crítico do seu inconsciente social (Fowler, 1992, p. 166).

A convivência com o que é diferente e ameaçador, a luta para unificar os opostos na mente e na experiência são típicos deste estágio. A força desse estágio está na capacidade de compreender os mais poderosos significados da pessoa ou de seu grupo. A limitação reside na passividade ou inatividade paralisante, ocasionando uma compreensão paradoxal da verdade. Este estágio permanece dividido, entre um mundo não transformado e uma visão e lealdades transformadoras.

g) Estágio 6: Fé universalizante. Atribuído à maturidade, sem idade específica. É caracterizado pelo engajamento da pessoa em uma comunidade humana e pelo comprometimento com a transformação da realidade, visando a valores últimos:

O estágio 6 é extremamente raro. As pessoas que se encaixam nele geraram composições de fé nas quais a sua percepção do ambiente último inclui todo o ser. Elas se tornaram encarnadoras e realizadoras do espírito de uma comunidade humana inclusiva e realizada (Fowler, 1992, p. 169).

As pessoas universalizantes são contagiantes; criam zonas de libertação dos grilhões sociais, políticos; vivem um sentido de unidade com um poder que integra e transforma o mundo; são frequentemente vistos como subversivas; muitas morrem pelas mãos daqueles que esperam transformar; são mais reverenciados após a morte. Estas pessoas são lúcidas, simples, mais plenamente humanas do que outras e prontas para ter comunhão com pessoas de qualquer um dos outros estágios e quaisquer outras tradições. Nesse estágio prevalece uma visão ampliada de comunidade universal com dedicação da vida por uma causa de amor e justiça, na busca da transformação da realidade atual, visando a uma realidade transcendente para todos. Pessoas como Gandhi, Martin Luther King, Madre Teresa de Calcutá são citadas, pelo autor, como pessoas de fé universalizante.