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3. Do Moderno ao Contemporâneo

3.1. Nós já não existimos mais!

3.1.2. Estética e estética relacional

A questão relacional da arte já vinha sendo muito valorizada nas artes. Desde Lygia Clark, a arte que prioriza a loucura e os Hospícios, Helio Oiticia e outros que a questão relacional trabalha em basicamente duas direções: pode relacionar o objeto às vivências internas e pode relacioná-lo à exterioridade e alteridade.

O que importa nesta pesquisa, entretanto, não é exatamente esse aspecto sensível ou estética, mas a questão relacional de como a obra de arte se insere no campo do que se chama obra de arte. A questão é que a obra, ao ter valor estético reconhecido pela sociedade e pela história das artes, pode ocupar um valor institucional, pode ser dito dela que é conhecimento legítimo de uma certa sociedade. Mas e o manto de Artur Bispo do Rosário? Que tipo de sociedade, e essa é a pergunta, considera que isso seja arte? Muitos valores estão sendo quebrado, valores artísticos, que comparam o trabalho de toda uma vida dedicada às artes, e o trabalho que mais se aproximaria de artesãos. Que segurança terão os verdadeiros artistas para serem distinguidos?

A teoria relativista de Koellreutter não tem uma ligação direta com a Estética Relacional, de Bourriaud (BOURRIAUD 2009), mas guarda bastante semelhança com ela, que podem ser identificadas nas teorias da linguagem que despontam a partir dos estudos de Wittgenstein, Althusser, Foulcault e outros.

Basicamente significa uma ruptura com o que se pode chamar de essencialismo, em dois sentidos: primeiramente por questionar a existência de essências para além da obra, tradição materialista que, segundo o Filósofo Althusser (2007) reside na tradição do vácuo, inaugurada por Pascal, pois o vácuo, como consistente da própria materialidade, entraria em contradiação com ele mesmo em ausência ter um conteúdo “essencial”.

Em um outro aspecto a visão antiessencialista, pela teoria dos jogos de linguagem de Wittgesntein, podem assim ser chamadas pois consideram que podemos classificar e construir o conhecimento em torno do conceito de “semelhanças de família”, de modo que algumas questões, como a já citada questão sobre “o que é arte?” não são respondidas com condições necessárias e suficientes para sua própria definição, mas apontadas em suas semelhanças pela forma com que participam do discurso humano, isto é, participal do logos.

Ao modo das “famílias”. Não existem condições necessárias e suficientes, ao mesmo tempo, para se identificar uma família: semelhança de sangue não bastaria, pois pode haver adotados, a legalidade também, pois as famílias podem coexistir legal e ilegalmente, e muitos casos de bastardos são reconhecidos. Algumas condições podem ser suficientes: por exemplo, os laços de sngue, o DNA, basta isso para ser da mesma família. Mas não é necessário isso, como vimos.

Dessa forma, o não essencialismo de Koellreutter, que guarda com Wittgenstein as mesmas relações de semelhança de família que estamos aqui a discutir, faz parte de sua definição de valor para a arte, ou função estética.

O que mais se aproxima para que reconheçamos uma família? Não é pela sua forma, nem pela sua definição, mas pelo seu modo de ser, pelo seu jeito. E uma das formas de ver isso é através do estudo dos seus processos, sua produção de valor. Por outro lado, o que define a humanidade é também o seu processo, a sua forma de vida, que caracteriza a forma com que produz valor.

Valores opostos ou contraditórios segundo regras essencialistas estão excluídos do discurso científico e mesmo da coerência da arte, em seu processo. Isso porque tem um lugar fixo no logos: um lugar necessário e suficiente. No entanto, ao abdicarmos de uma definição essencialista, podemos dizer perfeitamente o que seja arte, como já nos disse Danto, sem nos preocuparmos com sua definição. Está em jogo não propriamente uma definição mas um modo de ser uma forma de dizer que, dentro de uma forma de vida, encontra coerência e torna-se verdadeira. Os jogos de linguagem, nesse sentido, nos mostram que muito mais importante que as definições, sãos os USOS das palavras.

Existe a necessidade de superação dos opostos contraditórios ou das dualidades mutuamente excludentes ou exclusivas em um sentido semântico e que geralmente tornam os fenômenos estéticos reféns de algum grau de normatividade. Para Koellreutter existe uma dualidade que, imposta pelo racionalismo, deve ser transposta: a que segrega a razão da intuição, ou arte da ciência. Uma das funções da estética contemporânea está ligada à “superação das dualidades opostas, como vida e morte, bem e mal, belo e feio”, assim como devemos conceber os valores como “interdependentes, com rejeição ao valor absoluta”. (KOELLREUTTER 1990, 4)

Nos aproximamos de um mundo polivalente e por qualquer ângulo, apreensível em sua totalidade. Uma gigantesca proveta da qual surgirá a nova cultura. Talvez esse mundo seja um nada, um caos... Mas um caos repleto de potencialidades inesgotáveis. (KOELLREUTTER 1984, 38)

Paul Klee considera o ponto “gris” como um ponto covalente entre o caos e o cosmos. “Eu início pelo caos, é a maneira mais lógica e a mais natural. Eu não me preocupo, pois posso me considerar em primeiro lugar como o caos.” (KLEE 1973, 9)

Uma das formas de superação da dualidade propostas por ambas as reflexões é a compreensão das formas a partir da coexistência de seu outro: o alto é compreendido em relação ao baixo; o forte em relação ao fraco; o claro pelo escuro. Por isso as composições não devem tratar os opostos como excludentes ou como contrassensos, mas como seu outro que permite a significação a partir

das relações e referências. Isso também permite uma ampliação do universo semântico, pois acaba estando presente também — como sentido ou como ideologia — a suspensão do juízo a respeito de determinados valores cujos opostos encontram-se vetados como visão de mundo pela teoria estética mais convencional com a qual travavam embate. Koellreutter propunha um raciocínio que, como vimos, chamou de arracional.

Uma das questões centrais nas teorias estéticas de ambos é o fato de que o homem deixa de existir como observador e torna-se participante na construção do sentido estético. O sentido da obra dá-se nas relações significativas dentro dos modos de vida.