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Nas oficinas com o grupo 1 pudemos observar que a relação do idoso com a fotografia foi expressa principalmente pela vontade de mostrar suas imagens à pesquisadora e ao grupo. Muitos partici- pantes demonstraram interesse em olhar as fotografias trazidas pelos colegas, enquanto outros queriam mostrar suas imagens o mais rápido possível para a pesquisadora, ora como se fosse um acervo que não deveria interessar aos outros, ora como se fosse me- ramente uma tarefa a ser cumprida.

Uma atitude manifestada pelo grupo 1 que marcou boa parte das oficinas foi a estática: o grupo não fazia mais do que era pedido, ou então se colocava à margem das atividades. Muitos participantes não traziam câmeras, talvez por não ser possível trazê-las ou por não sentirem vontade de participar das atividades, mas continuavam na sala, sentados, quietos.

A eles foi dada a opção de participar das atividades utilizando a imaginação, exercitando a percepção, ou compartilhando a má- quina com os colegas, mas a maioria dos participantes não demons- trou disposição em participar de uma forma ou de outra. Uma provável causa desse comportamento, além, claro, da falta de inte-

resse pelas oficinas, pode ser a dinâmica de funcionamento da pró- pria Unati.

Cabe notar que, em conversas informais, a coordenadora da Unati comentou que enfrentava alguns problemas para manter o grupo, por exemplo, a falta de infraestrutura disponibilizada pela Universidade, que cedeu a sala da Unati para o diretório acadêmico do curso de Direito. Além disso, disse também que o grupo estava formado havia muito tempo, sem rotatividade dos participantes, e já não sabia mais “o que inventar” para o grupo, referindo-se à difi- culdade em elaborar novas atividades. As atividades que ela men- cionou referiam-se a exercícios lúdicos, ocupacionais ou palestras sobre saúde, nutrição, motricidade ou sobre o estatuto do idoso.

Podemos pensar que, tomando como base as atividades pro- postas pela Unati, os idosos desse grupo estavam acostumados a ati- vidades que não demandassem muita criatividade, decisão, opinião ou uma postura mais ativa, diferentemente das oficinas propostas nesta pesquisa. Assim, muitos repetiram nas oficinas a postura exigida deles nas palestras: que estivessem presentes, sentados e quietos. Mantinham-se sentados nas cadeiras, olhando para a frente, imóveis, sem ao menos conversarem uns com os outros. A passivi- dade diante das atividades propostas marcou os encontros com o grupo 1, escancarada na oficina 2, quando foi pedido para que se levantassem e os participantes agiram como se fosse uma tarefa di- fícil, ou incomum, considerando que levantar-se durante uma re- união pode significar quebrar uma regra da Unati.

Talvez esta seja a forma de escancarar aos pesquisadores, coor- denadores e oradores nosso modo errôneo de lidar com o grupo. Quando, na oficina 2 do grupo 1, a pesquisadora pediu que obser- vassem slides com a obra do fotógrafo Bavcar, alguns participantes avisaram que logo sairiam da oficina, para não perder o ônibus. É um momento convenientemente interessante – a apresentação de

slides – para demonstrar o desinteresse por esse tipo de atividade que os mantém atados às cadeiras, em silêncio. É um convite a nós, acadêmicos tão acostumados a aulas e palestras expositivas, para refletirmos sobre a dificuldade em se produzir sentidos quando o

grupo se sente enfadado, atado, sem voz diante das nossas intermi- náveis conferências.

Ainda, é preciso salientar que existe um acordo entre a Unati e as atividades oferecidas aos idosos pelo curso de Educação Física da UEL. Para que os idosos pudessem usufruir das aulas de alonga- mento e hidroginástica, deveriam participar do grupo da Unati e, inclusive, assinar uma lista de presença. Esse grupo se reunia duas vezes por semana, imediatamente depois das aulas de hidroginás- tica e quem não tivesse assiduidade no grupo deveria abandonar as atividades físicas. Este pode ter sido outro fator que influenciou a permanência dos idosos durante as oficinas de fotografia, mesmo que não estivessem participando das atividades propostas.

É interessante ressaltar que o próprio trabalho com a fotografia já desperta um modo fixo, engessado, de operar no qual o partici- pante é um sujeito passivo, cujo papel é mais o de relatar histórias do que de criar novos sentidos. É provável que muitos grupos já estejam acostumados – treinados – a funcionar dessa forma, bem como os profissionais, engessados sempre no mesmo modo de con- duzir as atividades de pesquisa e investigação com grupos.

O que poderia ter sido mais considerado é justamente o tempo demandado para o rompimento desse engessamento, tendo em vista o tempo envolvido na construção de uma estética e olhar foto- gráfico. Claro que, se por um lado a transformação do olhar já havia se iniciado para a pesquisadora e para alguns dos participantes, lidar com atividades que propõem a transformação do participante em um sujeito ativo pode requerer tempo, muito mais tempo do que o previsto. Afinal, não podemos ignorar que essa geração que hoje se encontra na casa dos 70 anos, sobretudo mulheres que pas- saram a infância e a juventude em pequenas cidades ou na zona rural, tiveram uma vida inteira bastante marcada por cerceamentos, exigências de renúncia, obediência e subordinação.

A postura do grupo 2 foi muito diferente, talvez por ser com- posto por pessoas mais jovens, familiarizadas com a câmera foto- gráfica, ou talvez por serem integrantes do novo grupo da Unati, ainda não acostumadas com o modo de funcionamento de tal

grupo. Ou, ainda, pela postura diferente da própria pesquisadora, que se manteve mais atenta ao que tinham a dizer, aos sentidos que iam produzindo durante as reuniões em grupo.

Devemos, ainda, considerar que cada grupo se comporta de forma diferente, o que lhes possibilita produzir sentidos diferentes e, além disso, as mesmas pessoas em grupos diferentes podem res- significar ou produzir também novos sentidos, como foi o caso de Antônia, que participou do grupo 1 e também do grupo 2. No grupo 1, ela se ateve a trazer imagens de sua família, dos netos e a falar do seu passado, dos entes queridos. Na oficina 2, ela nos levou (através das fotos) à sua casa, seu querido jardim, suas plantas e seu pássaro de estimação. Foi um movimento quase literal de intros- pecção, ao mostrar as pessoas importantes em sua vida e a própria vida em si, por meio de imagens de sua casa e rotina.

Os integrantes do grupo 2, após se familiarizarem com suas máquinas, produziram fotografias pessoais, com estilos próprios, sensíveis e que contavam suas histórias e leituras sobre o mundo.

Eunice falou sobre sua ânsia por viajar, conhecer o mundo e falar diferentes línguas. Com as imagens, deixou transparecer que, apesar de não se apegar a retratos de família, a mãe e o sobrinho têm um papel marcante em sua vida.

Yuka mostrou que é difícil olhar para o mundo e traduzir em imagens seus sonhos de infância, seu cotidiano, seus anseios a res- peito do que está por vir. Resistiu ao ser incitada a pensar nesses assuntos, não quis traduzi-los em imagens que demandavam tempo e reflexão para serem produzidas, mas, quando se dispôs a criar seu autorretrato, não mediu esforços para compor a cena de modo que fosse retratada exatamente como queria.

Yone, poeticamente, deixou-se transparecer nas imagens de suas mãos, sempre mostrando lindas unhas vermelhas. Em seu fu- turo vislumbra um “chão de estrelas” que a ajuda a suportar uma doença incurável, mas que não a impede de aspirar por uma me- lhora.