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ANO EXIGÊNCIA

2.2.1.4 Estabelecimento de espaços territoriais especialmente protegidos

Segundo a União Mundial para Conservação da Natureza (UICN), as Áreas Protegidas podem ser definidas como “uma área terrestre e/ou marinha especialmente dedicada à proteção e manutenção da diversidade biológica e dos recursos naturais e culturais associados, manejados através de instrumentos legais ou outros instrumentos efetivos” (UICN, 1994, p.7). As Áreas Protegidas são aquelas estipuladas pelo Código florestal de 1965 e as Unidades de Conservação criadas pela Lei Federal 9.985/2000, conhecida como Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC).

As Áreas de Preservação Permanente e as Reservas Legais representam a obrigatoriedade de manter, em terras particulares, áreas florestais sem usufruto econômico. Uma espécie de compensação ao ambiente, pelas atividades econômicas que só são rentáveis e economicamente viáveis porque retiram da natureza seus maiores ganhos, sem precisar pagar por isso. Mas, segundo Jendiroba (2006, p. 353), a reserva legal é tida ainda hoje como uma obrigação não reconhecida pelos proprietários rurais, discordando-se de privar parte da área para manter vegetação nativa. Muitos alegam a questão da “propriedade rural consolidada” baseada no princípio do ato jurídico perfeito em que se a atividade já era realizada antes da promulgação de uma lei não precisa adequar-se a ela. Esta alegação esbarra diretamente na proposição do meio ambiente como objeto do direito difuso e coletivo, por isso, superior ao interesse privado. Além disso, sendo realizada desde o século XVI, a atividade sucroalcooleira estaria imune a praticamente todas as legislações.

Sabe-se que a devastação da Mata Atlântica está intimamente relacionada aos “ciclos econômicos” brasileiros. Dean (1996), na obra “A ferro e fogo: a história e a devastação da Mata Atlântica brasileira”, ilustra perfeitamente como as atividades econômicas realizadas, a principio pelos colonizadores, foram e continuam sendo responsáveis pela depleção da base de recursos naturais. Neste mesmo viés, Sérgio Buarque de Holanda e Caio Prado Junior atentaram para as características destes ciclos, ligados a atividade exportadora, envolvendo a exploração predatória, descuidada e extensiva, visando o retorno rápido (Neder, 2002, p. 48). O fato é que o “ciclo da cana de açúcar” já dura mais de quatrocentos anos e parece não ter

fim, tendo em vista as demandas futuras por “bicombustível”, fazendo-se necessária a adoção de medidas de controle ambiental eficazes, já que são cada vez menores (em tamanho e biodiversidade) os atributos naturais destas áreas. Estas medidas caberiam ao Estado, porém, segundo Neder (2002):

[...] o Estado Brasileiro atuou, dos anos 30 até recentemente, em relação aos espaços protegidos [...], de modo contraditório e errático. De um lado, acobertou madeireiros e fazendeiros em diversas regiões do país em sua ação de converter florestas em pasto para gado. Ao mesmo tempo manteve um discurso conservacionista (de agente favorável a preservação dos ecossistemas) diante da diplomacia internacional (NEDER, 2002, p. 15).

Esta dicotomia pode ser constatada com bastante clareza ao se observar que em 1972 ocorre a Conferência de Estocolmo da qual o Brasil participa, e, em 1975, é lançado o maior incentivo do Estado ao setor sucroalcooleiro, o PROÁLCOOL.

Vários autores, como citado no primeiro capítulo, apontam o PROÁLCOOL como o grande causador do aumento da fronteira agrícola, assoreamento e poluição dos rios por meio do vinhoto, visto que as usinas dispuseram de recursos financeiros para ampliar suas atividades industriais, expandindo a cultura da cana até por áreas ecologicamente pouco favoráveis.

Passados mais de 30 anos deste programa a situação mudou muito na legislação e pouco na prática. No arquivo do órgão estadual de controle ambiental praticamente inexistem Autos de Infração e processos relacionados à manutenção das áreas legalmente protegidas. Segundo Cornils e Momesso (2010):

[...] em áreas canavieiras já desmatadas e bastante degradadas, como a Zona da Mata do Estado de Pernambuco, os usineiros resistem em recompor os percentuais mínimos legais de vegetação nativa, obrigatórios para as áreas de preservação permanente e reserva legal (20% da área da propriedade em domínio Mata Atlântica). Ressalta-se que esta região possui o pior índice de remanescente de mata atlântica do país,43 e coincidentemente, apresenta um dos piores índices de pobreza do Brasil (CORNILS e MOMESSO, 2010, p. 157).

Assim, como citado anteriormente, a maioria das usinas de Pernambuco não entregou o georreferenciamento de suas propriedades, o que não permite saber o tamanho de suas áreas de Reserva Legal nem de suas Áreas de Preservação Permanente.

Ilustrando esta situação, em palestra realizada em usina localizada na Mata Sul de Pernambuco, o responsável pela área ambiental alegou “se formos cumprir todo o Código

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Conforme o Relatório Analítico do IBAMA para a operação Engenho Verde, a Zona da Mata de Pernambuco possui atualmente apenas cerca de 2,5% da área originalmente coberta com floresta atlântica; os cursos dágua são praticamente desprovidos de vegetação ciliar, e os topos de morros e encostas raramente possuem cobertura florestal; tal fato resulta num intenso processo de erosão do solo e assoreamento dos rios da região, além de outros danos ao ambiente provocados pela atividade sucroalcooleira.

Florestal, a usina não produz. Por isso só mantemos as áreas de Reserva Legal, mas não cumprimos as exigências para Áreas de Preservação Permanente”.44

Fala-se tão abertamente sobre o descumprimento da legislação, resta saber porque o órgão ambiental não age nestes casos, que não é particularidade desta usina, mas de todas que situam-se no Estado. Mais alarmante fica a situação, ao se constatar que dos 7% de Mata Atlântica restantes no Brasil, apenas 0,72%45 encontram-se em Unidades de Conservação de

domínio público, estando todo o restante em propriedades particulares, em grande parte delas sucroalcooleiras. Destacam-se, também, os acidentes causados por ocasião das queimadas de cana sem o devido aceiro, que comumente atingem áreas de Mata Atlântica fazendo com que estas áreas sejam minimizadas ainda mais como pode ser observado na figura abaixo:

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Dados coletados pela autora em palestra realizada pelo responsável pelas áreas agrícola e ambiental da 3º maior usina de Pernambuco em 2010, realizada no dia 06 de novembro de 2010.

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Figura 10: Remanescentes de Mata Atlântica na Zona da Mata até 2008. Fonte: Monitoramento da Mata Atlântica (PROBIO); ZAPE digital (2001); Mapas Municipais Estatísticos de Pernambuco (2007).

Vê-se que as áreas localizadas no entorno das usinas são as mais devastadas, e que as áreas de Mata Atlântica estão cada vez menores, visto o desrespeito ao Código Florestal. De acordo com Braga (2009, p. 108) as APPs e RLs representam juntas um enorme potencial para a conservação e recuperação de florestas e águas em uma bacia hidrográfica. De acordo com o autor, se fosse cumprida a legislação relacionada a essas áreas, ter-se-ia cerca de 30% do território rural protegido, contribuindo para o equilíbrio da paisagem.

Mas, não bastassem as ações nessas áreas particulares, vários empresários do setor exercem influência nas tentativas de criação de Unidades de Conservação, visto que o empresariado sucroalcooleiro possui assento no CONSEMA. Além disso, de acordo com de Paula (2011) o setor possui dois assentos com direito a voto (um do Sindaçúcar, e outro de usina da região) no Conselho Gestor da Reserva Biológica de Saltinho, localizada na Mata Sul, barrando muitas vezes decisões importantes do ponto de vista biológico. Enquanto que o Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICM-bio) só vota em caso de desempate.

Outro conflito emblemático, com relação às áreas protegidas em Pernambuco, que envolve diretamente o setor sucroalcooleiro, refere-se à ocupação de ilhas localizada no município de Sirinhaém. Uma importante usina da região recorreu a Justiça, a mais de 25 anos, para que as famílias de pescadores que vivem na localidade sejam realocadas na periferia do município. A usina alega que quer proteger a área e por isso não podem existir moradores nela. Em novembro de 2010, as últimas famílias que viviam na área foram despejadas, mesmo se tratando de propriedades da União, pois as ilhas são domínio da Marinha. Desde 2006, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) vinha tentando a criação de uma Reserva Extrativista (RESEX) de 2.600ha, que incluiria a área, evitando o despejo das famílias. Desde 2009, a consulta pública para a criação da UC foi realizada, restando apenas à anuência do governo para a sua criação.

Embora esta mesma usina que pleiteia os cuidados das ilhas não cumpra as exigências mínimas com relação às Áreas de Preservação Permanente dispostas no Código Florestal, ela desempenha algumas ações de reflorestamento e é considerada como um exemplo em matéria de gestão ambiental no Estado. Nas áreas de Reserva Legal desta empresa já foram encontrados espécimes de ave e recentemente de dois mamíferos, considerados já extintos no centro de endemismo Pernambuco. Este fato demonstra o cenário de contradições no qual a gestão ambiental tem sido desempenhada no Estado.