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REFERENCIAL TEÓRICO

Neste capítulo, é feita a revisão da literatura tratando inicialmente de inovação gerencial. Posteriormente, serão discutidos os principais conceitos relacionados às capacidades dinâmicas. Em seguida, serão estabelecidas as relações entre inovação gerencial e capacidades dinâmicas e também serão apresentadas as características do constructo de flexibilidade e sua relação com as capacidades dinâmicas. 2.1 Inovação Gerencial

Sendo o assunto da inovação gerencial pouco explorado, conforme já mencionado, neste tópico aspectos importantes desse tipo de inovação serão discutidos, iniciando pela sua própria existência como tipo especial de inovação e passando pela discussão do conceito de inovação gerencial de acordo com uma diversidade de pesquisadores, os tipos de inovação gerencial e o processo de inovação gerencial.

Por fim, apresentam-se exemplos de inovação gerencial e seu enquadramento nos tipos apresentados, as características organizacionais, individuais e contextuais que facilitam a inovação gerencial, e a avaliação da inovação gerencial, destacando especialmente seus custos e os benefícios esperados, além das variáveis preditoras desse tipo de inovação dentro de uma tipologia peculiar.

2.1.1 Estabilizando as Pesquisas em Inovação

Durante um período, os achados nas pesquisas empíricas em inovação apresentavam entre si resultados díspares ou instáveis, dificultando a construção de uma teoria consistente relativa à inovação (DOWNS JR; MOHR, 1976). Para resolver, ou ao menos entender essa instabilidade, alguns autores (DAMANPOUR, 1991; DOWNS JR; MOHR, 1976; DOWNS; MOHR, 1979; WOLFE, 1994) indicaram a necessidade de que houvesse consideração com os diferentes tipos, atributos e dimensões da inovação ao estudá-la. Isso porque a quantidade de diferentes atributos que a inovação pode ter foi considerada a fonte

da instabilidade em pesquisas que não consideram ou não indicam que aspecto ou tipo de inovação está sendo tratado (DOWNS JR; MOHR, 1976).

A influência dos atributos da informação é discutida por Wolfe (1994) no contexto da difusão da inovação, mas ele acrescenta a importância das características: de quem adota a inovação, de quem promove a inovação, da rede social da qual o adotante faz parte, do ambiente e dos processos de comunicação da inovação.

Damanpour e Aravind (2012) consideram que para fazer frente ao crescente desafio de estudar inovação os pesquisadores têm escolhido focar em certos aspectos como: o processo de inovação, os tipos de inovação e as consequências da inovação.

Tratando apenas dos atributos da inovação, Downs Jr. e Mohr (1976) sintetizam as dimensões em atributos primários e secundários da inovação. Para eles, os atributos primários são atributos que independem de características específicas da organização ao contrário dos atributos secundários cuja característica da inovação (por exemplo, ser uma inovação radical ou incremental) dependeria da organização na qual a inovação está sendo realizada.

Evan e Black (1967) mencionam que as dimensões da inovação envolvem atributos da proposta de inovação (por exemplo, a radicalidade da inovação), atributos da estrutura da organização (por exemplo, estruturas mais centralizadas ou mais descentralizadas) e atributos das relações staff-linha (por exemplo, os canais de comunicação disponíveis).

Por sua vez, Damanpour (1991) faz um apanhado de vários autores para indicar que além de poder ser classificada como inovação em produtos e processo e inovação administrativa e técnica a inovação pode ainda ser classificada como incremental e radical, ou ainda separada pelo estágio de adoção que poderia ser iniciação e implementação.

Na tentativa de mostrar a importância dos atributos da inovação, Wolfe (1994) faz uma extensa revisão dos atributos mencionados por uma diversidade de autores. Ele indica o atributo e os valores para esse atributo que muitas vezes vêm em pares ou representam um continuum. Wolfe (1994) menciona Warner (1974) para distinguir inovação hard (objetos físicos) e inovação soft (mudança programática e organizacional) e trata ainda, por exemplo, da adaptabilidade da inovação às necessidades organizacionais (flexível x inflexível), da centralidade da inovação em relação ao dia-a-dia da organização (central x

periférica), da complexidade de entendimento e uso da inovação (alta x baixa) entre outros que podem ser vistos no Quadro 2.

Quadro 2 – Dimensões da inovação

Atributo O que é Valores

Adaptabilidade Habilidade de modificar a inovação de acordo com a

necessidade da empresa Inflexível x Flexível

Centralidade Medida em que a inovação se refere a atividades do dia a dia e envolve atividades críticas para o desempenho da organização

Central x Periférico

Compatibilidade Grau de compatibilidade da inovação com os valores existentes, experiências passadas e necessidades do adotante Baixa x Alta Complexidade Grau de dificuldade percebido para compreensão e uso da inovação Baixa x Alta Custo Tamanho do investimento financeiro inicial e despesas subsequentes Baixo x Alto

Divisibilidade Grau de composição da inovação de partes fortemente interligadas ou de partes mais soltas que podem ser adotadas separadamente Partes interligadas x Partes independentes Duração Período de tempo no qual a mudança é aplicável e que se planeja que perdure Curta x Longa Foco

organizacional Aspecto da organização em que a inovação é mais relevante

Técnico x Administrativo Impacto

arquitetônico Extensão do impacto da inovação sobre a estrutura de conhecimento da empresa

Arquitetônico x Modular Incerteza Conhecimento sobre a relação entre entradas, processos e resultados da inovação Baixa x Alta Magnitude/Disru ptividade Grau de mudança causado pela inovação no estado organizacional em termos de pessoal recursos financeiros e arranjos estruturais Baixo x Alto

Observabilidade Extensão da percepção sobre os resultados da inovação Baixa x Alta Penetrabilidade Proporção do comportamento dentro da organização que, espera-se, seja afetado pela inovação Baixa x Alta Propriedades Físicas Diferenciação das inovações que afetam objetos materiais e físicos de inovação social, programática e de processos Hard x Soft

Radicalidade Extensão na qual uma inovação representa mudanças tecnológicas e implica novos comportamentos para os membros e subsistemas organizacionais

Baixa x Alta

Risco Nível de risco ou suscetibilidade ao qual a empresa se

expõe ao adotar a inovação Baixa x Alta

Status Medida em que a inovação é adotada por busca de prestígio em vez de lucratividade ou efetividade organizacional

Baixa x Alta

Vantagem relativa Extensão na qual uma inovação é percebida como

sendo melhor que a ideia que ela substitui Baixa x Alta

Wolfe (1994) insta os pesquisadores a que especifiquem em suas pesquisas os atributos de inovação que estão investigando. Embora avaliar simultaneamente todos os atributos sugeridos possa ser em muitos casos inviável, o uso individualizado pode ampliar a compreensão do processo de adoção da inovação e melhor valorar sua contribuição para a empresa.

Aqui se destacam especialmente os atributos de foco organizacional e de propriedades físicas que dão margem à divisão de inovação em diferentes tipos. Nesse ponto o campo da inovação tem um débito para com Schumpeter (1988) no que diz respeito ao estudo da inovação (DAMANPOUR, 2014; WARNER, 1974) e seu papel no desenvolvimento econômico (DAMANPOUR; ARAVIND, 2012). Além de conceituar a inovação, distingui-la da invenção e mostrar sua importância para as organizações, Schumpeter mostrou haver uma distinção entre os tipos de inovação. Novos produtos, novos métodos de produção, novos mercados, novos fornecedores e novas formas de organização foram os tipos de inovação que ele distinguiu (ARMBRUSTER et al., 2008). Para Knight (1967), havia quatro tipos de inovação altamente inter-relacionadas: inovação de produtos ou serviço, inovação do processo de produção, inovação da estrutura organizacional e inovação de pessoas. Por meio do Manual de Oslo a OCDE (2005) assinala também quatro tipos de inovação: inovação em produtos, inovação em processos, inovação organizacional e inovação em marketing.

Pode-se notar a aparente semelhança do tipo de inovação de estrutura organizacional de Knight (1967) e da inovação organizacional da OCDE (2005) em relação às novas forma de organização da tipologia de Schumpeter (1988). Tal semelhança leva Sapprasert e Clausen (2012) a afirmar que a inovação gerencial trata dos mesmos conceitos que o tipo de nova forma de organização de Schumpeter. Mas essa visão não é uniforme, uma vez que (DAMANPOUR, 2014) afirma que as novas formas de organização de Schumpeter não tratam da inovação gerencial2, mas referiam-se a criação de novos setores por empresas independente ou a mudança na forma de agir dessas empresas em setores já estabelecidos.

Crossan e Apaydin (2010) fazem uma revisão de literatura e estabelecem diversos determinantes de dimensões da inovação. Entre as dez dimensões de inovação

2 As razões da escolha do termo “Inovação Gerencial” em detrimento de outros similares serão indicadas mais adiante.

encontradas as autoras sugerem que a inovação pode ser administrativa e técnica e trazem também a forma de organização que pode ser produto, serviço, processo e modelo de negócio. O Quadro 3 apresenta para melhor visualização as tipologias citadas.

Quadro 3 – Tipologia de Inovação

Schumpeter

(1988) Evan (1966) Knight (1967) OCDE (2005) Crossan e Apaydin (2010)

Produto

Técnica

Produto ou

Serviço Produto Produto ou Serviço Método de

produção Processo de Produção Processo Processo Formas de

organização Administrativa Estrutura Organizacional Organizacional Modelo de Negócio

Mercado Fornecedores Pessoas Marketing Fonte - o Autor No quadro, pode-se notar a distinção que Evan (1966) faz entre inovação técnica e administrativa, que de alguma maneira pode equivaler a uma divisão de um lado de inovação em produtos e processos, e de outro de inovação de modelo de negócio ou organizacional. A distinção entre inovação técnica e administrativa teve importante contribuição de Daft (1978) que propôs o modelo dual-core que procura identificar o nível hierárquico do qual se origina a inovação. A distinção entre inovação técnica e administrativa foi e continua sendo utilizada por diversos outros autores (ARMBRUSTER et al., 2008; BIRKINSHAW; HAMEL; MOL, 2008; DAMANPOUR; EVAN, 1984; KIMBERLY; EVANISKO, 1981), eventualmente usando uma nomenclatura diferente, e foi inicialmente explicitada da seguinte forma: a inovação técnica trata da implementação de uma ideia para um produto, processo ou serviço, e a administrativa se refere à implementação de uma ideia para uma nova política relativa a recrutamento de pessoal, alocação de recursos, estruturação de tarefas, de autoridade e de recompensas (EVAN, 1966).

Damanpour e Evan (1984) ressaltam a diferença entre os dois tipos de inovação apresentando que inovações técnicas não são apenas inovações tecnológicas, mas referem- se àquelas que ocorrem no sistema técnico de uma organização e estão diretamente relacionadas à atividade-fim da organização (ideias para novos produtos ou serviços ou

introdução de novos elementos no processo produtivo ou na operação de um serviço) e a inovação administrativa está ligada à estrutura ou ao sistema social da organização (DAFT, 1978; DAMANPOUR e EVAN, 1984).

A diferença entre os sistemas social e técnico da organização ajuda a esclarecer a importância dos estudos que se relacionam com o sistema social da organização. Damanpour e Evan (1984, p. 397, tradução nossa) esclarecem isso da seguinte forma:

No framework dos sistemas sociotécnicos, assume-se que mudanças em um sistema são seguidas por mudanças apropriadas no outro sistema. Entretanto, porque o sistema técnico é gerado e controlado pelo sistema social, pode se supor que mudanças no sistema social têm um impacto mais forte nas mudanças no sistema técnico do que vice-versa.

A afirmação de Damanpour e Evan (1984) permite perceber a importância do sistema social, do qual a inovação gerencial faz parte, e ainda indica que a preocupação com esse sistema não deixaria o sistema técnico abandonado, uma vez que mudanças no sistema social causariam impactos significativos no sistema técnico da empresa.

Para designar esse tipo de inovação ligada ao sistema social da organização, têm sido usadas diversas expressões apresentadas no Quadro 4. A primeira coluna mostra a expressão como utilizada originalmente em inglês, e a segunda coluna a versão em português (tradução nossa). Merece destaque o uso de “organisational” e “organizational”, que representam a grafia preferida no Reino Unido e Estados Unidos, respectivamente, o que o pesquisador deve levar em conta em pesquisas em bases de dados por essas palavras- chave. Quadro 4 – Expressões utilizadas para inovação no sistema social Inglês Português Administrative Innovation Inovação Administrativa Organizational Innovation ou Organisational Innovation Inovação Organizacional Management Innovation Inovação de Gestão Managerial Innovation Inovação Gerencial Fonte – Traduzido de Birkinshaw, Hamel e Mol (2008) e Damanpour e Aravind (2012)

Damanpour e Aravind (2012) mostram os usos dos diversos termos no decorrer do tempo e a que tipo de inovação se referiam. Eles escolhem a expressão aqui traduzida como “inovação gerencial” sem justificar sua escolha, até porque indicam haver entre as expressões considerável similaridade e sobreposição.

Por sua vez, Birkinshaw, Hamel e Mol (2008) apresentam que “inovação organizacional” é um termo muitas vezes utilizado em referência a qualquer tipo de inovação no contexto de uma organização e diversos exemplos desse uso podem ser encontrados (ex: BOLÍVAR-RAMOS; GARCÍA-MORALES; GARCÍA-SÁNCHEZ, 2012; FRAMBACH; SCHILLEWAERT, 2002; JUNG; CHOW; WU, 2003; WOLFE, 1994).

Por outro lado a expressão “inovação administrativa” tem para Birkinshaw, Hamel e Mol (2008) um sentido restrito ao indicar em geral apenas inovações na estrutura organizacional e nas políticas de recursos humanos não incluindo, por exemplo, a gestão das operações. Tal sentido restritivo não aparece no trabalho de Evan (1966, p. 51, tradução nossa), provavelmente um dos primeiros a utilizar a expressão, para quem a “inovação administrativa” é referida como “a implementação de uma ideia para uma nova política relativa ao recrutamento de pessoal, a alocação de recursos, a estruturação de tarefas, de autoridade, de recompensas”.

Resta a expressão “inovação de gestão” que tem sido a mais utilizada (ČERNE; JAKLIČ; ŠKERLAVAJ, 2013a; HECKER; GANTER, 2013; KHANAGHA et al., 2013; VOLBERDA; VAN DEN BOSCH; HEIJ, 2013) e a expressão “inovação gerencial”, que é considerada equivalente e que trata da inovação nos princípios, processos e práticas de gestão, ou seja, muda a forma como um gestor faz o seu trabalho (HAMEL, 2006).

Damanpour (2014) afirma que “inovação de gestão” é a expressão que tem ganhado peso na literatura recente. Apesar disso, e considerando que “inovação de gestão” e “inovação gerencial” são tidas como similares, escolheu-se utilizar neste trabalho a última, “inovação gerencial”, apenas por se considerar que ela confere melhor legibilidade e fluência ao texto. Portanto, essa é a expressão que será utilizada daqui por diante a começar pela próxima seção, tratando de conceitos desse tipo de inovação.

2.1.2 Novas Abordagens em Conhecimento para o Trabalho em Gestão

Uma vez que parte significativa deste trabalho trata da questão da inovação gerencial, e sendo que ela tem tido crescente importância nos meios em que se estuda inovação, é muito importante que se conheça o que significa o termo e como diversos autores têm trabalhado com ele.

O crescente reconhecimento da importância da inovação gerencial fez com que na terceira edição do Manual de Oslo (OCDE, 2005) fossem incluídas inovações não tecnológicas, especificamente inovação de marketing e inovação organizacional. Dado o uso que se tem feito do manual para padronizar pesquisas de inovação (ČERNE; JAKLIČ; ŠKERLAVAJ, 2013a) esse fato é importante e convém observar de que maneira o referido manual conceitua esse tipo de inovação.

De acordo com o que apresenta o Manual de Oslo (OCDE, 2005, p. 61) “uma inovação organizacional é a implementação de um novo método organizacional nas práticas de negócio da empresa, na organização de seu local de trabalho ou em suas relações externas”. Uma vez que as definições do manual são usadas em uma ampla gama de circunstâncias ligadas à pesquisa em inovação, sua definição é bastante simplificada. Isso se entende pela observação de Armbruster et al. (2008) que indicam que os conceitos e abordagens em inovação gerencial são desenvolvidos para atender às necessidades de diferentes áreas de pesquisa. Ainda assim, pela possibilidade de padronização alguns pesquisadores preferem utilizar essa definição do Manual de Oslo (SAPPRASERT; CLAUSEN, 2012). A despeito dessa preferência e para uma melhor compreensão do que seja a inovação gerencial faz-se necessário discutir e comparar os conceitos apresentados por uma diversidade de pesquisadores na busca por um quadro mais amplo.

Damanpour e Evan (1984) mencionam que ideias implantadas independentemente da origem (interna ou externa) e novas para a organização abrangeriam produtos, dispositivos, processos, sistemas, políticas, programas ou serviços. Tal definição amplia, talvez excessivamente, as opções para a inovação gerencial de forma que qualquer novidade em uma organização poderia ser considerada inovação gerencial (DAFT, 1978; DAMANPOUR, 1991; EVAN, 1966; KIMBERLY; EVANISKO, 1981)

Em outro extremo, Birkinshaw, Hamel e Mol (2008) restringem o que seja inovação gerencial ao indicar que ela trata de invenção e implementação de uma prática de