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Ao tratar sobre os índices e características da violência homicida, materializa-se o conflito vivenciado na relação Estado e sociedade, onde expressa nitidamente as relações sociais entre os sujeitos determinados historicamente.

Sobre este aspecto, Engels (2010, p.150) no livro “A origem da família, da propriedade privada e do Estado”, quando trata da gênese do Estado Ateniense, fala de uma “força pública separada da massa do povo”. Este é um traço característico e essencial do Estado. A “força pública” em forma de polícia (exército popular e uma frota equipada diretamente pelo povo) de caráter repressivo foi instituída para deixar afastados os inimigos e garantir a obediência dos escravos14.

Engels (2010) diz que a forma polícia é tão velha quanto o Estado e por isso os franceses do século XVIII falavam de nações policiadas ao invés de nações civilizadas, uma afirmativa que traz à tona a origem e a formação do Estado com o principal intuito de garantir a propriedade privada, criando-se o aparelho repressivo do Estado legalmente constituído e dotado de poder para coerção e repressão.

Embora Engels (2010) sinalize o papel do Estado voltado para coerção e repressão, é preciso evidenciar que o Estado contemporâneo apresenta como uma de suas funções a mediação entre capital, trabalho e sociedade, entre outras, principalmente na concessão de políticas públicas e sociais pautadas pelos

14Friedrich Engels no livro: “A origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado” no capítulo V

53 movimentos sociais. É o desenvolvimento econômico e social para a produção e manutenção do sistema do capital.

Mészáros (2011), compartilhando desta discussão, na obra intitulada “Para Além do Capital”, diz que o Estado moderno é altamente burocratizado e complexo pelo seu maquinário legal e político. Para o autor, o Estado é pré-requisito para o funcionamento permanente do sistema do capital, e na forma de reciprocidade dialética, o Estado é precondição para a subsequente articulação de todo o conjunto. O Estado para Mészáros (2011) é vital para controlar os antagonismos que surgem da dualidade dos processos necessários à tomada de decisão, sem o qual o sistema do capital não funcionaria adequadamente, porém o autor chama a atenção no que poderia ser um equívoco: “considerar simplesmente ser o próprio Estado idêntico à estrutura de comando do sistema do capital”.

Segundo Mészáros (2011, p.124):

O Estado moderno – na qualidade de sistema de comando político abrangente do capital – é, ao mesmo tempo, o pré-requisito necessário da transformação das unidades inicialmente fragmentadas do capital em um sistema viável, e o quadro geral para a completa articulação e manutenção deste último como sistema global. Neste sentido fundamental, o Estado – em razão de seu papel constitutivo e permanentemente sustentador – deve ser entendido com parte integrante da própria base material do capital. Ele contribui de modo significativo não apenas para a formação e a consolidação de todas as grandes estruturas reprodutivas da sociedade, mas também para o seu funcionamento ininterrupto.

Ainda com Mészáros (2011) o Estado moderno é inconcebível sem o capital como função sociometabólica, suas estruturas reprodutivas influenciam tudo, como exemplo, os instrumentos repressivos/materiais, as instituições jurídicas do Estado, entre outros. Existe uma relação recíproca e de correspondência, em que de um lado o Estado moderno é base sociometabólica do sistema do capital e do outro é estrutura totalizadora de comando político da ordem produtiva e reprodutiva estabelecida.

Pereira (2008) ao estudar sobre as abordagens teóricas sobre o Estado em sua relação com a sociedade e a política social, indica que a conceituação de Estado é tão complexa que se deve evitar tratá-lo de forma parcial e linear. É necessário especificá-lo para conceituá-lo, pois, apresenta diferentes configurações, sendo um fenômeno em constante movimento e mutação.

Nesse sentido, a autora menciona que no Estado capitalista os interesses e objetivos são diversos e se confrontam, assim, a principal tarefa é administrá-los

garantindo desta forma a sua legitimação e assumindo o caráter de poder público que controla política e ideologicamente todas as classes.

Parafraseando Pereira (2008), deve-se pensar o Estado como processo histórico, que contém muitos elementos do passado convivendo com novos elementos recém-incorporados. A relação exercida tem caráter dialético, pois, comporta simultaneamente, antagonismos e reciprocidades permitindo, assim, que forças desiguais e contraditórias se confrontem e interajam, marcando-se mutuamente.

Nesse contexto, o caráter dialético é visualizado nas estruturas do Estado, no que concerne, simultaneamente, à manutenção da classe dominante no poder, à reprodução da exploração da força de trabalho e à expressão da luta de classes.

A partir das discussões evidenciadas por Mészáros (2011) e Pereira (2008), compreende-se que o Estado é vital para a produção e reprodução do capital, controlando os antagonismos e as contradições do sistema e garantindo a manutenção do poder nas mãos de uma classe determinada.

Ao tratar sobre a função do Estado no capitalismo atual, Melo (2012) indica que as leituras de obras de Marx, Rosa Luxemburgo e Mészáros15 deixam claro que os direitos sociais, políticos e civis e as reformas democráticas são formas de defesa intransigente dos interesses da burguesia e manutenção da reprodução e exploração do trabalho pelo capital.

Assim, em resposta às lutas de classe, implementam-se reformas políticas e sociais à classe de trabalhadores que se organizam politicamente para enfrentamento do Estado capitalista, que gera riqueza de um lado e, simultaneamente, provoca miséria do outro. É a perversa lógica deste processo de acumulação do capital.

Não se pode deixar de lado o papel mediador do Estado entre capital e trabalho, na concessão (a partir dos movimentos sociais) de políticas sociais e benefícios à classe trabalhadora com o objetivo de desenvolvimento socioeconômico e político da sociedade. A concessão de políticas sociais realizadas pelo Estado é resultado de um processo histórico de luta dos trabalhadores.

15 Karl Marx, intelectual e revolucionário alemão, fundador da doutrina comunista, atuou como

economista, filósofo, historiador, entre outros/ Rosa Luxemburgo, filósofa e economista marxista, polonesa, tornou-se cidadã alemã pelo casamento./Istvan Mészáros filósofo húngaro, marxista, foi assistente de Lukács no Instituto de Estética da Universidade de Budapeste.

55 É possível observar que a dinâmica do Estado no capitalismo esta a favor do capital, e para isso criam-se possibilidades, estratégias e formas de manutenção por meio de ações sistemáticas do Estado (ações administrativas e de assistência social), efetivadas a partir da luta dos movimentos sociais organizados e, além dessas, a coerção e opressão são garantias de estabelecer a ordem social vigente16. Além das estruturas estatais criadas nas áreas de assistência social, saúde, educação e moradia, que garantem o atendimento de necessidades básicas ao cidadão, as instituições criadas na política de segurança pública, como exemplo, a polícia, o exército e as penitenciárias, também, fazem parte deste aparato de controle e repressão estatal.

Nesta discussão, ressaltam-se pensamentos como o de Coutinho (2008), apontando que o Estado capitalista se legitima por meio de uma política autoritária e centralizadora a serviço dos interesses privados. Sua dimensão pública deve atender e satisfazer os interesses da classe trabalhadora, na instituição de direitos sociais, porém as ações governamentais posicionam-se contrariamente a estas demandas sociais e manifestam-se em favor do capital.

Coutinho (2008), apropriando-se de categorias gramscianas para explicar a formação do Estado brasileiro, indica que até décadas atrás o Brasil ainda tinha características de um Estado extremamente forte e autoritário e uma sociedade débil, primitiva e amorfa17, herdadas do início de sua história, de um modelo de construção do Brasil que se realizou pelo alto, a partir do Estado e não das massas populares, o que trouxe, até o momento atual, a prevalência de características únicas para o Estado brasileiro.

Para Montaño e Durigueto (2011), que discutem sobre a ampliação das funções do Estado no livro “Estado, Classe e Movimento Social”, estes papéis são decorrentes das demandas sociais e trabalhistas, incorporando não apenas atividades coercitivas, mas a função de integração das classes subalternas

16A autora exemplifica no texto leis contra a mendicância (legislação sanguinária) para penalizar

violentamente os trabalhadores que foram expulsos de suas terras e separados dos seus instrumentos de produção e das condições de realização do trabalho autônomo, levando muitos a se transformarem em vagabundos e pobres.

17Contra a Corrente: ensaios sobre democracia e socialismo/ Carlos Nelson Coutinho; Gramsci: sua

(consenso). O Estado passa a ter a função de produzir o consenso social, para então, legitimar a ordem vigente18.

Os autores ressaltam que a instituição de direitos sociais e políticas públicas pelo Estado à sociedade não é um processo único, realizado somente pelos interesses do capital, são produtos de permanentes luta de classes, no qual se exige respostas para as necessidades dos trabalhadores e da população em geral.

De acordo com Montaño e Durigueto (2011, p.145):

A organização estatal (e dentro dela as políticas sociais) reflete então a

síntese das lutas sociais históricas que incorporam conquistas dos

trabalhadores e setores subalternos, confluem num projeto político- econômico da (fração de) classe hegemônica (o capital monopolista) para a reprodução da ordem, em face das necessidades de superação das crises

econômicas – reproduzindo e ampliando a acumulação de capital – e

políticas- legitimando o sistema perante as demandas populares e reduzindo os níveis de conflitividade. A constituição do Estado na fase monopolista, e a dos modos de regulação social são, portanto,o resultado de um processo histórico conformado por profundas lutas de classes. Para os autores, o Estado não pode ser compreendido nem como “organização supra classista”, “neutra”, nem como mero “instrumento de dominação” direta de uma classe sobre a outra. O Estado é o resultado das lutas de classes, em que se manifestam interesses contraditórios, ou seja, é uma correlação de forças entre as classes sociais, no qual o Estado incorpora demandas sociais e passa a ter uma dinâmica de concessão, ora para a classe dominante, ora para a classe trabalhadora.

As concessões realizadas pelo Estado à classe trabalhadora são frutos dos movimentos sociais, e se concretizam através de políticas públicas e sociais como trabalho e renda, educação, moradia, saúde, transporte, segurança pública, entre outros. Montaño e Durigueto (2011) afirmam que esta constituição não é ausente de conflitos, muito menos apenas o resultado de um governo que concede “benefícios” à população. Esse é um fenômeno contraditório, que combina concessão e conquista.

Conforme Montaño e Durigueto (2011) o Estado passa a assumir e intervir em novos espaços, ocupando novas funções como a criação de infraestrutura para garantir a produção; a repressão e coerção a qualquer tipo de ameaça a reprodução

18O consenso entre as classes, do qual trata os autores se dá pela ampliação de direitos sociais,

assim como pode se observar, na atualidade, o total apoio da mídia, com programas e propagandas que incentivam a violência, legitimada pela classe trabalhadora, que vê nas ações coercitivas do Estado a solução para a diminuição da criminalidade.

57 do capital; a integração das classes subalternas e a legitimação da ordem. É a reprodução ideológica da classe hegemônica.

Juntamente a estas novas funções do Estado criam-se, segundo Montaño e Durigueto (2011), novas estratégias que se sustentam em três pilares fundamentais e articulados, no atual contexto de crise e mundialização do capital, que são: a ofensiva contra o trabalho e suas formas de organização e lutas; a reestruturação produtiva; e a (contra)reforma do Estado.

Assim, a nova configuração do Estado contemporâneo traz arraigados processos já conhecidos para a manutenção da ordem capitalista, apenas com nova roupagem, eliminam algumas restrições anteriormente existentes. São estruturas e elementos do passado que se atrelam a novas características sociais, políticas e econômicas da realidade atual, principalmente, no que concerne à expansão desenfreada do capital e às manifestações da “questão social”. É diante deste cenário que as análises serão tratadas, considerando as discussões acerca da violência enquanto “face contemporânea da barbárie”.