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5 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

5.2 ESTADO E SEPARAÇÃO DE PODERES

O Estado forma-se por três elementos: povo, território e poder. Ademais, é pressuposto que o poder seja soberano, ou seja, não admita nenhum outro que lhe seja superior, e também uno e indivisível.

Consoante a melhor doutrina constitucionalista de Silva (2005, p. 107), “Poder é a energia capaz de coordenar e impor decisões visando à

realização de determinados fins”. Ainda segundo o autor, o poder do Estado,

que ele também chama de estatal ou político, é soberano, independente e supremo, e tem como características a unidade, indivisibilidade e indelegabilidade.

Com vistas a assegurar a liberdade dos indivíduos, por meio do enfraquecimento do poder do Estado, e visando à ampliação da eficiência da atuação do Estado em suas atribuições, concebe-se a Teoria da Separação dos Poderes.

Segundo Dallari (1998, p. 218), Aristóteles expõe, pela primeira vez, o perigo da concentração do poder nas mãos de um só, sugerindo, também, que tal prática favoreceria a ineficiência estatal. O autor segue citando os antecedentes da teoria, como Maquiavel, que, já no século XVI, vislumbrou a existência de três poderes: legislativo, representado pelo parlamento, executivo (pelo rei) e judiciário. Entretanto, ainda de acordo com o autor, a primeira sistematização doutrinária da separação dos poderes surge no século XVII, com Locke; A doutrina defende a existência de quatro funções executivas (legislativa, executiva, federativa, exercício do bem público), sendo a primeira exercida pelo parlamento e as demais pelo rei.

De acordo com Bastos (2004, pp. 179-181), desde a antiguidade, com Aristóteles, já era possível identificar em todos os Estados a existência de três funções principais: “[...] uma função consultiva que se

pronunciava acerca da guerra e da paz e acerca das leis; uma função judiciária e um magistrado incumbido dos restantes assuntos da administração”. Tal

divisão foi retomada por Locke, Bolinbroke e Montesquieu, com a criação da doutrina da separação dos poderes, que consiste em afirmar que todos os Estados possuem três funções: legislativa (estabelece normas gerais que regem a vida em sociedade), executiva (traduz em um ato de vontade individualizado a exteriorização abstrata da lei) e jurisdicional (dirime possíveis controvérsias que possam surgir da aplicação da lei). O autor afirma que este pensamento inovou em relação à Aristóteles (o primeiro a conceber a teoria) porque trouxe o postulado de que a cada uma dessas funções deveria corresponder um órgão próprio que, de forma autônoma e independente, levaria tal função a efeito. Ele afirma que a essência a teoria era estabelecer um mecanismo de equilíbrio e recíproco controle entre os três órgãos supremos do Estado: Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário. A essa mecanismo de controle se deu o nome de “checks and balances”, ou seja, freios e contrapesos (p. 183).

Segundo Grau (1996, p. 168), Locke atribui ao Poder Executivo a execução das leis naturais da sociedade, ao Poder Legislativo, o estabelecimento de como deve ser a utilização da força para a preservação da comunidade, e, ao Poder Federativo, a gestão da segurança e do interesse público.

O autor ensina, todavia, que a teoria da separação dos poderes só foi verdadeiramente concebida em 1748 por Montesquieu em seu livro “O Espírito das Leis”. Ele propõe um sistema em que os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário sejam independentes e harmônicos entre si, devendo as diferentes funções do Estado serem exercidas por órgãos diferentes, fundamentando a teoria na especialidade funcional e na independência orgânica dos órgãos com vistas à defesa da liberdade dos cidadãos.

Montesquieu (2008, p. 169), em sua obra, define a liberdade política como “A certeza que um cidadão terá segurança e será respeitado pelo

outro”, assim dispondo quanto à sua manutenção:

A liberdade política [...] só será assegurada se não houver a reunião do Executivo e Legislativo na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, porque o mesmo Monarca ou o mesmo Senado pode fazer leis tirânicas para depois executá-las também tiranicamente. Também não há liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo, porque no primeiro caso o Juiz seria Legislador e no segundo teria a força de um opressor. Então os poderes de fazer as leis, executar as resoluções públicas e o de julgar os crimes/demandas particulares têm que estar separados.

Ao tratar do Judiciário, o autor defende que o poder de julgar deve ser exercido por pessoas tiradas do seio do povo e não pelo Senado, e também entende que os tribunais não devem ser fixos, mas constituídos quando e enquanto necessário; complementa que os julgamentos devem tomar por base o texto expresso da lei e não a vontade do juiz. Conclui, a esse respeito, que os outros poderes podem ser entregues a “Magistrados” ou a “Corpos permanentes”, já que não são exercidos sobre o particular, pois a lei é a vontade geral do Estado (Legislativo) e o Executivo apenas executa/aplica tal vontade (pp. 171-172). Ele trata, ademais, de ambas as Câmaras do Legislativo, em um sistema bicameral idêntico ao brasileiro, em que câmara baixa representa o povo e a câmara alta, o senado. Defende que o homem livre deve ser governando por si mesmo e como não pode exercer o Poder Legislativo pessoalmente, deve o fazer por meio de representantes. Ao tratar

do senado, discorre sobre a existência de um corpo de nobres capaz de frear as iniciativas do Povo e de ser freado por este também, por meio do exercício da “faculdade de impedir” (pp. 173-176). Quanto ao Executivo, ele estatui que este deve estar nas mãos de apenas um monarca, pois há, aqui, a necessidade de uma ação pronta/atuação instantânea; para tanto, defende que sendo uno, ou seja, administrado o Poder Executivo por um só, melhor será (p. 177).

Dallari (1998, p. 219), por sua vez, aponta como ponto obscuro da teoria de Montesquieu a divisão das atribuições do Estado entre o “poder legislativo”, o “poder executivo das coisas que dependem do direito das gentes” e o “poder executivo das coisas que dependem do direito civil”, sendo este último caracterizado pela função de julgar e punir; Segundo ele, posta a divisão dessa forma, o Estado não teria outra atribuição interna que não a de julgar e punir.

Ainda conforme o autor, a teria é criticada por não existir verdadeira separação dos poderes, já que sempre houve ingerências de um poder na atuação dos outros; Defende, também, que fatores extralegais também favorecem que um prevaleça sobre o outro; Além disso, segundo ele, a teoria nunca conseguiu assegurar a liberdade dos indivíduos e o caráter democrático do Estado, pois há, por vezes, uma comunhão de vontades entre o Executivo e o Legislativo; Por fim, disserta que, ao contrário de quando a teoria foi idealizada, hoje, exige-se uma maior atuação do Estado nas mais diversas áreas, sendo que a redução do poder do Estado iria, nessa perspectiva, na contramão das necessidades sociais de hoje (p. 220).

Grau (1996, p. 174) também critica a obra de Montesquieu ao afirmar que a “separação” dos poderes é, senão um mito, já que ela, na verdade “não passa da divisão ponderada do poder entre potências

determinadas: o rei, a nobreza e o povo”. Para o autor, o que existe é um

equilíbrio e não uma separação entre os poderes.

A despeito das críticas, após a sua concepção, a teoria de Montesquieu foi amplamente incorporada a todos os textos constitucionais que a sucederam, iniciando pela Declaração dos Direitos da Virginia nos Estados Unidos da América, em 1776. A seguir, foi expressamente prevista na Constituição Americana (1787) e na Declaração dos Direitos do Homem e do

Cidadão (1789), como sucedâneo do Estado de Direito, que a consignou em seu artigo 16: “A sociedade em que a garantia dos direitos não está

assegurada nem estabelecida a separação dos poderes, não tem Constituição”.

A evolução da teoria e a prática constitucional desenvolveram- se no sentido de que nenhum dos poderes é, em si mesmo, soberano, pois no ápice de cada um deles há uma possibilidade de controle recíproco a ser exercido em casos extremos. Assim, houve uma perda gradativa da pureza das funções do Estado, de forma que os poderes mantêm suas funções originárias como típicas e as funções dos demais poderes como atípicas. Ele chama a atenção para a necessidade de se reconhecer que o equilíbrio do Estado moderno vai depender não apenas da atividade balanceada dos poderes, mas pelos controles recíprocos e por aqueles exercidos pela sociedade através de sindicatos, organizações profissionais, Igrejas, forças armadas, imprensa, partidos políticos, etc. (BASTOS, 2004, p. 185).

Dallari (1998, p. 220) estatui, de acordo com a teoria da separação dos poderes, que os atos estatais podem ser classificados em gerais, exercidos pelo Legislativo, e especiais, pelo Executivo, sendo que este atua no limite das normas; A fiscalização de tais atos fica a encargo do Judiciário, cuja função é a de controlar para que aqueles não exorbitem suas competências.

Silva (2005, p. 110) explana o conceito de “harmonia entre os poderes” e não independência, sendo a ideia representada por normas de reciprocidade e prerrogativas mútuas entre os poderes; Nessa mesma lógica, há quem trate da teoria como uma mera repartição de funções e não propriamente de poderes. A discussão acerca da definição se a separação seria de poderes ou apenas de funções, segundo Dallari (1998, p. 216) é importante para definir o papel do Estado na vida social: Quando se fala em separação de poder, o seu objetivo seria reduzir o poder do Estado para evitar a ditadura; Já no que tange tão somente à repartição de funções, a meta seria o aumento da eficiência do Estado no desempenho de suas atribuições.

Para Azambuja (2002, p. 177), a especialização de funções ou divisão de poderes “[...] é a consequência natural do desenvolvimento social,

material e moral dos povos”. Segundo ele, a despeito das teorias propostas,

não subsistiram os argumentos de separação absoluta dos poderes, havendo, tão somente, uma divisão de órgãos, uma separação de funções, com recíprocas cooperações.

Nesse mesmo sentido, Azambuja (2002, p. 190), chama a atenção para o problema da organização do Poder Executivo, que se tornou o mais agudo na ciência política. Ele afirma que, se por um lado é certo que ele deve ser um poder limitado, por outro lado ele deve dispor de força, recursos e prestígio que o habilitem na tarefa exigida no governo do Estado moderno. Ele conclui dizendo que, ao contrário do que se pensou no pós-guerra, nas democracias os governos devem ser fortes, pois a sua força não representa uma ameaça, mas uma garantia de liberdade, pois um governo fraco sucumbe no despotismo ou anarquia (p. 197).

De acordo com Bastos (2004, pp. 188-189), Karl Loewenstein é expoente da doutrina que preconiza a existência de uma quarta função ou poder do Estado: o poder de controle, sendo esta, segundo ele, essencial à teoria do poder. Ele divide as funções do Estado em “policy determination”, que é a decisão política fundamental; “policy execution”, atinente à execução da decisão política fundamental; e “policy control”, a qual se refere à fiscalização da política. O autor afirma que, no Brasil, tal função de controle é reconhecida pela Constituição e está repartida entre diversos órgãos, sendo o principal deles a Corte Constitucional. Ele reconhece, a despeito das críticas ao denominado “ativismo judicial” e à força criadora do Direito por parte dos magistrados, ser inegável que a corte exerce, para além de uma função jurídica (a qual se desenvolve segundo as limitações e procedimentos próprios da jurisdição), uma função política de controle, pois atua como verdadeiro órgão corretivo sobre os atos do Executivo, do Legislativo e do próprio Judiciário, recompondo a ordem jurídica e assegurando os mandamentos constitucionais violados. Nesse mesmo sentido, ele ressalta a posição de autores como Ronald Dworkin, que defende o “construtivismo judicial” e um “living approach” na concretização da Constituição, além da vinculação dos magistrados ao “original intent” da Constituição (p. 191).

Ademais, em se tratando das normas constitucionais não diretamente aplicáveis, ou seja, que dependem de normatividade posterior, o

autor afirma que estas não estariam abertas à apreciação de sua constitucionalidade pelo tribunal constitucional, não lhe sendo permitido, portanto, a invalidação da opção política adotada; Prevaleceria, assim, o poder da maioria democraticamente eleita para governar.

Por fim, em análise à teoria na atualidade, Dallari (1998, p. 223) conclui:

As próprias exigências de efetiva garantia de liberdade para todos e de atuação democrática do Estado requerem deste um maior dinamismo e a presença constante na vida social, o que é incompatível com a tradicional separação dos poderes. É necessário que se reconheça que o dogma da rígida separação formal está superado, reorganizando-se completamente o Estado, de modo a conciliar a necessidade de eficiência com os princípios democráticos.

5.2.1 Origem, Evolução e Novo Princípio da Separação dos Poderes

Ao tratar da origem do princípio da separação dos poderes Piçarra (1989, p. 36) discorre sobre as suas raízes, ponderando, em primeiro lugar, sobre a versão aristotélica da constituição mista, um sistema político- social pluralmente estruturado, que abarca o equilíbrio das classes sociais através da sua participação no exercício do poder político. Segundo o autor, neste modelo, todas as classes têm acesso a todos os órgãos constitucionais, de forma que haveria um equilíbrio estático entre as classes sociais, ao contrário do que ocorria, na também apontada por ele, teoria da constituição média, a qual pressupõe o equilíbrio dinâmico entre as classes, como uma forma de sua aproximação econômico-social.

O autor insere em sua obra a noção da “rule of law”, ou seja, princípio da legalidade, de acordo com o qual, diante do desenvolvimento das instituições representativas na Inglaterra, a melhor forma de governo consistiria em um esquema constitucional em que houvesse a repartição do poder político entre o Rei, os Lordes e os Comuns.

Entretanto, ele assevera que, diante da complexidade das relações sociais e da necessidade de regulamentação jurídica, o legislador passou a ter um papel importante no sistema jurídico-político e a lei deixou de ser apenas declaratória para ter natureza constitutiva, de forma que surgiu,

pela primeira vez, a doutrina da separação dos poderes. Assim, a primeira versão da doutrina da separação dos poderes veio como “arma ideológica de luta” contra os abusos e arbitrariedades do Longo Parlamento Inglês, de forma a limitar o desempenho da sua função legislativa e retirar-lhe as competências de natureza jurisdicional, ou seja, veio para fins precisos: “[...] excluir a tirania e

o arbítrio que ocorrem quando todos os poderes estão concentrados em um só órgão e para a garantia da liberdade e segurança individuais, ameaçadas quando as leis são aplicadas por seu elaborador” (PIÇARRA, 1989, p. 49).

O mestre defende, ademais, que já se vislumbrava à época um poder governativo do rei e um poder jurisdicional baseado na “common law”; Faltava, ainda, um poder legislativo separado orgânica e funcionalmente do primeiro, para que as leis fossem imparciais e para que os cidadãos não fossem julgados pelos mesmos autores das leis. Na esteira dessa distinção entre as funções, o autor define o poder legislativo como o poder de exprimir a vontade do corpo social e o executivo como o poder de agir em conformidade com essa vontade, dando cumprimento ao disposto nas leis. Dessa forma, tal divisão passou a ser essencial à realização da “rule of law”, constituindo, assim, a base do liberalismo. Assim, mais tarde, em nome da eficiência do Estado e em vista da possibilidade do exercício de controles recíprocos, viu-se a necessidade da separação orgânica e processual dos órgãos responsáveis pelos poderes executivo e legislativo, devendo a função executiva ser exercida por um órgão singular ou pouco numeroso, e a função legislativa por uma assembleia numerosa, exigindo-se desta, que a lei fosse elaborada no interesse comum, e, ainda, prevendo a possibilidade de responsabilização de seus membros do executivo pelos abusos do poder (p. 66).

O autor discorre sobre o conceito de lei de Locke, que não traz apenas características extrínsecas e de forma, mas também intrínsecas e de conteúdo, fixando o essencial, o padrão normativo e os direitos subjetivos (p. 68). Relativamente aos poderes legislativo e executivo, Locke apud Piçarra legitima a possibilidade de limitação do primeiro e divide o segundo em “poder federativo” (poder de agir na esfera internacional) e “poder executivo”, conceituando este último como o poder de aplicar as leis internamente; Por fim, prevê a existência de um terceiro poder, “poder de prerrogativa”, equivalente ao poder de agir para fazer o bem público, mesmo diante da ausência de regras.

Ademais, Piçarra assevera que se por um lado a doutrina de Locke fundamenta a ideia de supremacia da função legislativa, por outro ela pressupõe a definitiva autonomia material da função legislativa em relação à executiva; Assim, o conceito de lei como ato típico de uma função legislativa emancipada e superior passou a integrar a doutrina da separação dos poderes, tornando-a uma exigência racional e um corolário institucional (p. 73).

Para ele, a ideia de balança de poderes, ou a teoria de freios e contrapesos traz consigo a máxima “[...] o equilíbrio pressupõe centros de

controle separados” (PIÇARRA, 1989, p. 86). Portanto, o Parlamento não

executa, mas controla o exercício da função executiva, da mesma forma que o rei não participa da legislação, mas pode impedi-la de entrar em vigor, através do veto.

Ao citar a doutrina de Montesquieu, a sua lição acrescenta às típicas funções executiva e legislativa, a função judicial, responsável pelo poder de punir os crimes e de julgar os conflitos entre os particulares (p. 91). O conceito de lei por ele defendido seria institucional “[...] da razão justa,

adequada às características dos fatores sociais que pretende reger [...]”. Ele

vislumbra, ademais, uma relação entre a função exclusivamente soberana e criadora (legislativa) da função subordinada e estritamente aplicadora (executiva), e reduz o poder judicial à tarefa de aplicação mecânica lógico- sistemática do texto legal, sendo-lhe vedado, portanto, o poder criador do Direito (p. 96); O autor afirma, ainda, que a doutrina de Montesquieu envolve duas dimensões: Uma separação institucional/funcional dos poderes (separação vertical) e uma separação social ou extrainstitucional dos poderes (separação horizontal); A primeira designa a dimensão orgânico-funcional e a segunda, a dimensão político-social da doutrina (p. 105).

O autor também cita Rousseau, para quem a associação dos indivíduos cria um corpo moral, coletivo e político, que se exprime por meio da vontade geral, o qual, por sua vez, busca o bem comum. Nessa ótica, ele afirma: “O primado da vontade geral na direção das forças do Estado vem a

traduzir-se, na prática, pelo primado absoluto da lei, única forma de expressão daquela. A essência do Estado é jurídica e não política” (Piçarra, 1989, p. 139).

Para ele, no Estado, o poder legislativo representa a vontade, e o poder executivo, a força responsável pela execução das leis e pela manutenção da

liberdade civil e política. Ele proclama a unidade política do corpo social e o princípio da soberania popular; Contudo, ao rejeitar a ideia de estamentos e de qualquer outro corpo intermediário ou grupo de interesse, Rousseau resigna, também, o conceito de representação política. Piçarra (1989, p. 139) destaca que faltou à teoria de Rousseau constitucionalizar o povo soberano, compatibilizar o monismo de legitimidade com o pluralismo do poder e superar a concepção de que o soberano é irrepresentável, o que tornaria possível a democracia.

Ao tratar do princípio constitucional da separação dos poderes no Estado de Direito Liberal, ele vislumbra os seguintes pontos de referência: conceito moderno-iluminista de lei (supremacia da lei e soberania popular), separação Estado-sociedade (torna-se o princípio técnico-organizatório do Estado, com um centro único de poder) e direitos fundamentais de liberdade (freios e contrapesos) (p.147).

Já no Estado de Direito de Legalidade ou Estado de Legislação Parlamentar, segundo ele, tal princípio é chamado a garantir o primado da lei e o monismo do poder legislativo, de forma que seja o único centro de poder no Estado. Entretanto, o autor afirma que essa forma de Estado se tornou inapropriada à realidade, pois a lei parlamentar se tornou injusta diante da necessidade de ampliação do agir do Estado na implementação dos direitos a prestações (direitos sociais), e, nessa lógica, o juiz e o administrador passaram a criar o Direito e não apenas aplicá-lo (p.152).

O mestre explana o entendimento de Kant sobre o conceito de lei e a aplicação do princípio da separação dos poderes, defendendo o caráter estritamente jurídico daquela, apontada como única fonte de Direito, de forma que o poder político-estadual soberano não seja apenas limitado, mas consubstanciado na própria lei (p. 159).

Em relação ao princípio da separação dos poderes, ele denota a este um sentido estritamente jurídico, definindo-o como um princípio técnico- organizatório destinado à garantia da supremacia legislativa. E relativamente ao poder legislativo, ele defende a possibilidade de representação, de forma