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2 DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO: ELEMENTOS TEÓRICO-

2.2 MORADIA, ESTADO E MERCADO

2.2.2 Estado, Mercado e Produção Habitacional

Segundo Lucena (1985) o Estado tem duas funções importantes no contexto da cidade e no mercado de habitação, atua como fornecedor de bens públicos e também como legislador do uso e ocupação do solo. E, para o caso específico do Brasil, atua ainda como intermediário financeiro, determinando dessa forma as condições gerais dos financiamentos imobiliários tais como prazos, taxas de juros, volume de recursos, etc.

O Estado, dada suas funções, influencia a demanda e oferta habitacional, pois, como provedor de serviços urbanos desempenha importante papel no condicionamento das demandas de uso do solo, direcionando por vezes, para áreas específicas da cidade e, por conta disso, influenciando o seu preço. Assim, para Maricato (1979):

Sempre que o poder público dota uma zona qualquer da cidade de um serviço público, água encanada, escola pública ou linha de ônibus, por exemplo, ele desvia para esta zona demandas de empresas e moradores que anteriormente, devido à falta do serviço em questão, davam preferências a outras localizações. Estas novas demandas, deve-se supor, estão preparadas a pagar pelo uso do solo, em termo de compra ou aluguel, um preço maior do que as demandas que se dirigiam à mesma zona quando esta ainda não dispunha do serviço. Daí a valorização do solo nesta zona, em relação às demais (p. 34).

No que tange à demanda das empresas, a renda diferencial paga por eles por conta da nova localização será tanto maior quanto maiores for os benefícios gerados devido redução de custos de produção e distribuição, por exemplo. Já a demanda de moradores, dada a nova disponibilidade de serviços urbanos (públicos e privados) atraem famílias com renda maior dispostas a pagar pelo uso do solo. Como consequência, ainda segundo a autora, teríamos a valorização desses imóveis, resultando no deslocamento da população mais pobre para as franjas da cidade, onde o uso do solo ainda é mais barato, ou seja, os novos serviços irão “servir aos novos moradores e não aos que supostamente deveria beneficiar” (ibid, p. 34).

Desse modo, a ação direta do Estado tem forte impacto sobre a cidade e, consequentemente, das transformações ocorridas sobre os preços do solo e na própria dinâmica do mercado, pois como podemos perceber, o poder de influenciar o mercado habitacional é muito grande. Sendo no caso brasileiro maior ainda por conta do papel ativo que tem seus intermediários financeiros como, por exemplo, a CAIXA e também via implantação de Programas de grande envergadura como o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV). E, quando percebemos o processo recente que Shimbo (2010) vai denominar de “confluência entre Estado, mercado imobiliário e capital financeiro” percebemos que tais movimentos além de contraditórios se reforçam ainda mais.

Nesse sentido, para Chesnais (1996), com a “mundialização do capital” e tendo como base o desenvolvimento das economias capitalistas, o papel do Governo se faz imperiosa principalmente na intervenção e regulação do sistema de crédito (não somente o habitacional) ainda mais quando a mercadoria moradia possui especificidades que justificam a atuação governamental no mercado habitacional, que segundo Santos (1999) são:

(1) A habitação é um bem muito caro, de modo que sua comercialização depende muito de esquemas de financiamento de longo prazo aos demandantes finais. (2) A habitação é uma necessidade básica do ser humano, de modo que toda família é uma demandante em potencial do bem habitação. (3) A habitação responde por parcela significativa da atividade do setor de construção civil, que, por sua vez, responde por parcela significativa da geração de empregos e do PIB da economia.

Morais (2002, p.110), justificando a interferência do governo, afirma que por se tratar de um “bem meritório, que apresenta elevadas externalidades positivas em termos de bem-estar social”. Deste modo, o papel do governo por meio de políticas habitacionais, seja na regulamentação financeira seja na própria construção direta de moradias ou qualquer outro instrumento legal, institucional ou político são indispensáveis, sobre tudo, na inserção da população mais carente no sistema habitacional ou simplesmente na busca stricto sensu da redução do déficit habitacional para essa classe social.

Essas políticas habitacionais conforme apontado por Royer (2009) têm buscado fundamentalmente dar respostas às questões da falta de moradia por meio de políticas de crédito o que se “choca com o conceito da universalização da habitação enquanto direito”. Assim, as demandas habitacionais à luz do desenvolvimento capitalista são compreendidas na maioria das vezes como um processo de financeirização.

No entanto, cabe resaltar que tal processo não está fundamentalmente dissociado da transformação de trabalho vivo em trabalho morto substantivado na casa, e este não se valoriza as custas daquele. Ou seja, por mais que nossa discussão caminhe em certos momentos para uma análise do mercado de crédito no sentido de se observar como se dá a intervenção do Estado ou mesmo do Mercado sobre o mercado habitacional, tal discussão trata de uma questão elementar que diz respeito ao próprio movimento do capital que é a busca incessante de melhores condições de investimentos (taxa de lucro) para a massa de mais-valia acumulada

(MARX, 1988). Assim sendo, mesmo partindo do entendimento de que as demandas por moradias estejam centralmente vinculadas ao processo no qual Chesnais (1996) vai denominar como sendo de “financeirização das economias capitalistas” devemos entender qual é o efetivo papel do Estado e do trabalho nesse processo.

Para Engels (1887) essa é uma questão que vai muito além de qualquer tipo de tábua rasa que os economistas burgueses traçam na tentativa de delimitar um tema complexo e contraditório, que transcende a materialidade da aparência. Portanto, devemos procurar observar o movimento do capital envolvido, dos atores do processo e encontrar na materialidade da contradição do modo de produção capitalista as causas que movem o capitalismo contemporâneo brasileiro em torno do problema da moradia.

Dessa forma, o Estado segundo Engels (1887), se insere nesse processo como mero representando do poder econômico por ele investido, pois:

[...] é claro como a luz do dia que o Estado atual não pode nem quer remediar a praga da habitação. O Estado não passa do poder conjunto organizado das classes possuidoras, dos proprietários e capitalistas contra as classes exploradas, os camponeses e operários (ibidem, p.39).

Como o Estado, ainda segundo o autor, é uma representação político legal institucionalizado para representar a classe dos proprietários dos meios de produção, hoje predominantemente responsáveis pelo capital financeiro. Assim sendo, os capitalistas “tomados individualmente, não querem, também o seu Estado não quer” (idem, ibidem) o fim da “praga da falta de moradia” para a classe de menor renda.

Por que então o Estado aliado ao grande capital financeiro não quer por um fim a falta de moradia? Seria porque não fosse rentável? Segundo Engels, essa não seria a resposta, segundo o autor, “todo o investimento de capital que satisfaça uma necessidade é rendível se explorado racionalmente”. ROLNIK (2012) em artigo publicado em seu site acrescenta que “se a solução para o déficit habitacional fosse apenas dinheiro, seria fácil”. Então, a questão é precisamente entender como o capitalismo brasileiro busca solucionar o problema da falta de habitação?

Em busca de mais elementos que descortinem tal questionamento, no próximo capítulo buscaremos fundamentalmente dar maior relevo a questão levantada apresentando assim um apanhado histórico das políticas habitacionais.

Teremos como foco o modo como o Estado tem buscado promover tais políticas ao longo dos anos partindo inicialmente do Banco Nacional de Habitação (BNH) criado em 1964 até medidas mais recente como o Programa Minha Casa Minha Vida (MCMV) que é o objeto de estudo desse trabalho, pois entendemos que este Programa não pode ser percebido como uma política totalmente dissociada da lógica interna das políticas que o Estado brasileiro tem promovido no que concerne à problemática da falta de moradia no país.

3 POLÍTICA HABITACIONAL NO BRASIL: ESTRUTURAÇÃO E ESVAZIAMENTO