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Estado Nacional: Formação e Ensino Pós-

No documento Sérgio Ferro: didática e formação (páginas 41-45)

2 A FAU e o ensino de arquitetura em São Paulo

2.3 Estado Nacional: Formação e Ensino Pós-

Se a tarefa educativa visava, mais do que a transmissão de conhecimentos, a formação de mentalidades, era natural que as atividades do ministério se ramificassem por muitas outras esferas, além da simples reforma do sistema escolar. Era necessário desenvolver a alta cultura do país, sua arte, sua música, suas letras; era necessário ter uma ação sobre os jovens e sobre as mulheres que garantisse o compromisso dos primeiros com os valores da nação que se construía, e o lugar das segundas na preservação de suas instituições básicas; era preciso, finalmente, impedir que a nacionalidade, ainda em fase tão incipiente de construção, fosse ameaçada por agentes abertos ou ocultos de outras culturas, outras ideologias e nações. Como sempre, estas ações do Ministério da Educação não se dariam no vazio, mas encontrariam outros setores, movimentos e tendências com as quais seria necessário compor,

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Para um entendimento da concepção Beaux-Arts no curso de engenheiro-arquiteto da Escola Politécnica, bem como a visualização de programas das disciplinas, ver MODENESE Filho, Eduardo. Entre Linhas e Curvas: A Teoria e a Prática na Obra de Zenon Lotufo. Dissertação de mestrado. São Paulo: FAUUSP, 2008, mimeo.

transigir, ou enfrentar (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 1984, p. 79).

A questão do ensino na era Vargas liga-se a objetivos maiores da construção do Estado-Nação brasileiro, daí a concomitância entre ações culturais e as ações de ensino, que Schwartzman de forma muito apropriada denomina formação de mentalidades. O Ministério da Educação e Saúde Pública (MESP) concentrava a política educacional e cultural do governo, administrando os vários grupos que disputavam a direção ideológica do ministério. Na cultura, ou no leque amplo da cultura, as ações dos intelectuais modernos faziam-se bem presentes. Como afirmou o mesmo Schwartzman, o modelo de nacionalismo brasileiro (...) buscava transformar a nação em um todo orgânico, uma entidade moral, política e econômica cujos fins se realizariam no Estado (SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 1984, p.167).

A formação da primeira corrente expressiva da Arquitetura Moderna Brasileira que tem em Lúcio Costa o seu articulador está indissociada da questão educacional, com a sua passagem pela direção da Escola Nacional de Belas Artes, estabelecendo um elo entre ensino superior e cultura moderna. Entretanto, como se sabe, o período de Costa à frente da ENBA foi muito breve e o momento da conformação do que Mário de Andrade denominou a primeira escola de arquitetura moderna brasileira teve de aguardar a ocasião da escolha do projeto para o Palácio da Cultura, sede do Ministério da Educação e Saúde Pública14. Nele, com a participação decisiva de Le Corbusier, consubstanciou-se na edificação as idéias de Costa e do grupo que dirigiu.

O MESP, fazendo uso de vários elementos da arquitetura moderna, deve ser lido no sentido de formar uma solução, cujo discurso explicativo procurava estabelecer o vínculo com a linguagem moderna, sobretudo conferindo-lhe uma qualidade própria:

[...] a nossa arquitetura, graças a esses pioneiros cariocas (a equipe do MESP) mais voltados a teoria de Le Corbusier, mas com alguns deles também atentos às lições de Mies Van der Rohe e Gropius, definiu-se como expressão cultural nacional independente da conceituação de seus modelos originais europeus [...] (LEMOS, 1979, p.141).

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Conforme Mário de Andrade afirmava em 1943: “A primeira escola, o que pode-se chamar legitimamente de “escola” de arquitetura moderna no Brasil, foi a do Rio de Janeiro, com Lúcio Costa à frente, e ainda está inigualada até hoje” (ANDRADE, 1980, p.26).

Deve-se esclarecer que o trabalho não desconhece as produções arquitetônicas modernas anteriores ao MESP, nem tampouco comunga com a noção que a arquitetura moderna brasileira foi iniciada com a produção da “escola carioca”, mas registra que para o entendimento da concepção de formação em geral e de formação da arquitetura moderna brasileira, toma como matriz dessas formações, a “legítima” escola de arquitetura moderna brasileira delineada pelo trabalho de Lúcio Costa.

Esta qualidade cultural própria é o elemento fundamental para formação da identidade nacional, ou para que a arquitetura contribua com tal formação. Este sentido pedagógico a arquitetura moderna agregou para si para, por um lado, representar a modernização do país, e por outro formar o homem moderno brasileiro. Esta característica não explica a arquitetura moderna brasileira como um todo, mas a articulação entre o seu caráter nacional e sua participação na formação da nacionalidade brasileira, moderna e urbana, que pode ser verificada em vários momentos.

Por exemplo, para Nabil Bonduki, o projeto de proteção e controle do trabalhador do Ministério do Trabalho, que tem na legislação corporativista sua melhor expressão, adotou como sua a arquitetura a moderna, inferindo que ao novo homem que se buscava forjar, era necessário moldar um novo espaço, uma nova concepção de morar, uma nova arquitetura (BONDUKI, 2004, p.204).

Assim, a adoção da arquitetura moderna na questão habitacional repôs a convergência entre uma parcela da intelectualidade e o Estado. Para Bonduki:

[...]os arquitetos e outros técnicos responsáveis pela questão habitacional estariam dando sua contribuição ao projeto de modernização da sociedade brasileira através da construção de umespaço racionalizado e de um novo modo de morar, símbolos de uma nova época[...] (BONDUKI, 2004, p.206).

A pedagogia da arquitetura é uma questão moderna, e não apenas nacional. O construtivismo soviético depositava nos condensadores sociais a possibilidade de novas formas de relacionamento e organização da vida que seriam fundamentais para se forjar o homem socialista. No Brasil, a contribuição do espaço arquitetônico como espaço de formação social está presente em maior ou menor grau, dependendo tanto do período, do perfil político dos arquitetos, ou mesmo da tipologia funcional da edificação.

Certamente, uma tipologia em que é solicitada à arquitetura uma ordem de visibilidade social é a de escolas. Seja em que nível for. Um dos exemplos mais significativos da relação pedagogia-arquitetônica e pedagogia é dado pela “Escola Parque” proposta por Anísio Teixeira. Rapidamente cabe lembrar que o início do trabalho de Teixeira também remonta ao período da era Vargas. Entretanto, nas disputas com outras correntes, particularmente aquela representada pelos católicos reformistas, no mesmo MESP, Teixeira viu-se em dado momento isolado, excluído e mesmo perseguido. Várias eram as questões de atrito, mas uma delas era a sua concepção da antiga escola primária, que para ele deveria ser pública e acessível a toda a sociedade. Segundo o educador a escola pública era a

personificação de uma nova estrutura social, onde todos, independente de sua origem, se mesclavam, colocando suas crenças comuns acima e de forma independente de suas crenças individuais. Não era, portanto, apenas uma escola para pobres, mas sim um lugar onde se trabalhava a formação da consciência, em contraposição à escola particular onde a classe média buscava reproduzir hábitos da antiga burguesia, facilitando a manutenção da discriminação social (RIBEIRO, 1960).

Anísio Teixeira criou, em 1950, em sua gestão como Secretário de Educação da Bahia, o Centro Educacional Carneiro Ribeiro, em Salvador. A chamada Escola Parque, talvez a sua formulação mais conhecida e influente. Seus objetivos eram o de devolver à escola primária seu período letivo completo, com um programa básico, contendo as ciências físicas e sociais e mais o ensino das artes industriais, desenho, música, dança e educação física. Ambos esses ensinos seriam divididos em escola-classe (para o básico) e escola- parque (para as atividades sociais, artísticas e voltadas ao trabalho). Em cada uma delas o aluno ficaria meio período, constituindo assim uma educação integral. Seus professores seriam diversificados, cada um responsável pela função a qual era mais qualificado e preparado. O desejo era de que essa escola formasse hábitos e atitudes, emuma convivência diária, fornecendo também alimento e saúde a essas crianças. Isso pois, a escola, segundo Teixeira, era a instituição símbolo da sociedade moderna em formação, que precisava de cuidados para se desenvolver. Ou seja, após a Era Vargas, e independente de ter sido perseguido pelo Estado Novo, as suas propostas mantinham o caráter do ensino como formação social.

E, por ser a responsável pela formação da sociedade, é que a condição obsoleta da educação no país se tornava uma condição muito grave. Em certa ocasião, quando da apresentação de projetos de escolas públicas elaborados pela Comissão do Convênio Escolar de São Paulo, o educador tocou em um ponto interessante, quando comparou o atraso da educação com a “nova” arquitetura do país, que devido à sua coragem em avançar junto ao humano conhecimento das novas técnicas, seria o ideal do que o Brasil poderia ser na construção de sua nacionalidade. Indiretamente, reforçava a disparidade entre a educação brasileira obsoleta, praticada no interior de edifícios escolares, onde a técnica de suas construções (e também um novo agenciamento espacial) mostrava os sinais de seu tempo. De forma muito interessante, e comungando com o entendimento de uma pedagogia própria da arquitetura, o educador afirmou também a importância para a educação, depois do professor, do edifício escolar e suas instalações. Para ele, já que o Brasil não estava preparado para que ocorresse o contrário, caberia à arquitetura moderna, com seu dinamismo “comunicar a educação e, pela educação, a existência brasileira, as suas finas e altas qualidades de inteligência, coragem e desprendida confiança no futuro” (TEIXEIRA, 2003, p.209).

Com o governo Vargas inicia-se a construção da Universidade Brasileira e de um sistema de ensino superior, que de forma genérica, mantinha os ideais nacionais. Entretanto, seu patamar de formação era diferenciado dos outros níveis. No campo específico de interesse desse trabalho, após a experiência moderna de Costa na ENBA, o ensino de arquitetura foi sendo renovado, ainda que o grupo do MESP (e em particular Lúcio Costa), jamais retornaria à condição docente. Ao que parece foi em São Paulo, com a criação da FAUUSP em 1948, e na verdade nas discussões durante toda a década seguinte, para não dizer de forma constante, que o ensino de arquitetura foi adquirindo novas dimensões.

No documento Sérgio Ferro: didática e formação (páginas 41-45)