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Fórum de Debates – FAU USP –

No documento Sérgio Ferro: didática e formação (páginas 80-85)

2 A FAU e o ensino de arquitetura em São Paulo

2.7 Os fóruns de 1962 e 1968 da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP

2.7.2 Fórum de Debates – FAU USP –

As discussões do Fórum de debates de 1968, ocorrido durante o mês de julho e o segundo da FAU-USP, sucedendo ao de 1962, deram origem a segunda grande reforma do ensino da faculdade, no mesmo ano. Segundo o texto lançado pela comissão, essa reforma teria acontecido muito tempo antes, seguindo os moldes da primeira, se o golpe de 1964 não tivesse interrompido toda a pesquisa e aperfeiçoamento que estavam ocorrendo.

Ainda segundo o texto, a regulamentação da profissão de arquiteto que teve seu aval entre as duas reformas reafirmou a importância do ofício mudando seu enfoque que, se antes

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Ver em BUZZAR, M. A. Arquitetura Moderna Brasileira como Representação: o Caso da FAU- USP. In: 6o Seminário DOCOMOMO Brasil, 2005, Niterói. Anais do 6o Seminário DOCOMOMO Brasil, 2005. p. 01-20.

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Entre os textos de Ferro que discutem essa problemática pode-se citar, entre outros, “Arquitetura Nova”, de 1968 e “Reflexões para uma política na arquitetura”, de 1969-1970. Sobre o parágrafo, ver BUZZAR, Miguel A. João Batista Vilanova Artigas, elementos para compreensão de um caminho da arquitetura brasileira (1938 – 1967). Dissertação de Mestrado. FAUUSP, 1996.

era voltado apenas à construção, naquele momento se tornava voltado ao projeto como um todo. Assim o arquiteto, além de ter necessária a independência e a liberdade para projetar, deveria ter conhecimento crítico de toda uma experiência criadora, além, é claro, de fugir de aspectos alienantes da sociedade. Daí a importância das reformas do ensino para a formação desses novos profissionais ligados às reais necessidades dessa mesma sociedade.

Em 1962 houve pela primeira vez o interesse pelo objeto em si e em sua produção industrial. Além disso, a criação do Urbanismo como disciplina foi um passo importante na direção do entendimento de uma nova sociedade industrial nascente, apesar de ainda não alcançar a expressão física desejada.

Em 1968, essas reformas deveriam ser levadas mais a fundo. A criação de um Atelier Interdepartamental daria à faculdade, segundo a comissão, uma extensão global de suas pesquisas, unindo esforços de todos os departamentos e promovendo uma desejável transmissão e troca de conhecimento. Além disso, a comissão também propôs a criação de unidades alternativas de ensino paralelas às básicas já existentes, possibilitando, além de uma maior flexibilização do ensino (que leva a uma variação na formação), um meio dos professores testarem suas pesquisas e responderem às solicitações de outros departamentos da faculdade.

Outra proposta era a de a criação de um curso de mestrado diferente da pós- graduação dada na FAU até então, voltada somente à pesquisa e à docência. O desenvolvimento do país então pedia uma formação mais específica voltada à produção e à prática.

Já o urbanismo pedia uma análise mais crítica, o mesmo que pedia a apropriação dos recursos naturais pelo homem (se antes eram apenas meros utilitários, agora teriam parte de um sentido amplo e mais humano da sociedade). Inclusive a avaliação estética dos edifícios pedia uma mudança: além de simplesmente observar sua técnica, a sociedade naquele momento apelava para uma avaliação ligada ao viver social do homem, e assim racionalizada e transformada em instrumento de emancipação econômica e desenvolvimento no geral.

Cada departamento, como esperado, fez sua própria avaliação crítica e lançou suas próprias propostas. Aqui se têm as principais:

I - Projeto

A principal preocupação do Departamento (de professores entre os quais Artigas, Riedy, Ernest Mange e Hélio Duarte) era uma avaliação consistente do subdesenvolvimento brasileiro para que não se caísse em uma “tecnização a reboque da permanência das atuais estruturas” (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 1968, p.30). Não que o desenvolvimento da técnica não fosse desejado, mas sim que fosse conseguido a partir da experiência

adquirida ao longo do tempo, tendo esse desenvolvimento não um fim em si mesmo, mas sim buscando alcançar a superação do subdesenvolvimento do país como um todo. Assim, o projeto do universitário não devia mais buscar ser um mostruário de técnicas, mas sim refletir seu ideário e sua proposta para o futuro da sociedade.

Dessa forma, o Departamento organizou suas 4 seqüências (que se mantinham as mesmas de 1962, com exceção da arquitetura de edifícios que passou a se chamar projetos, em uma abordagem mais ampla) em unidades de aprendizado apenas básicas no primeiro ano e gradualmente aumentando-se as de cunho alternativo. No último ano, além do trabalho final de graduação, o aluno se concentraria em disciplinas de planejamento.

A grande proposta do Departamento foi, no entanto, voltada ao interesse de toda a universidade. Ele pediu para que se corrigissem as falhas decorrentes de medidas tomadas a partir de 1964 que tiraram a representatividade (principalmente discente) de vários órgãos da faculdade, tornando-os meramente administrativos.

II - História

Para o Departamento, cuja sub-comissão teve como relator o professor Sérgio Ferro, o ensino da história não se limitava à coleção de dados e simples historiografia. A importância da disciplina estava em pensar e formular teorias sobre fenômenos relativos à arquitetura e ligados ao seu contexto social e cultural. Apesar disso, deveria-se evitar qualquer pré-determinação que esse contexto traria, e fazer a própria história da arquitetura nacional mesmo que calcada em terreno hostil.

O Departamento sugeriu por fim que se organizassem seminários e cursos monográficos que pesquisassem os acontecimentos da época e os transmitissem aos demais estudantes do curso. Mas a principal proposta foi a condensação das disciplinas de história em dois dias por semana, para que a reunião de todos os docentes promovesse uma maior troca de informações sobre os conteúdos das disciplinas e sobre a sociedade de modo geral, evidenciando assim a FAU como palco das grandes discussões da época.

Como curiosidade, convém notar que veio do Departamento de História, no Fórum desse ano, a sugestão pela adoção do sistema de créditos, tal como é conhecido hoje em dia pelo sistema universitário do país.

III - Construção

O ensino de arquitetura prima pela busca de novos métodos e caminhos, sejam eles tecnológicos, sejam humanos. Mas busca, principalmente, dar ao aluno a capacidade de optar entre as diversas tecnologias existentes, não se limitando apenas a mostrá-las.

Nos anos finais do curso, o Departamento optou então por oferecer, nas disciplinas alternativas, o conhecimento por tudo o que de mais novo estava sendo oferecido ao mercado e que os alunos encontrariam em suas vidas profissionais, como a pré-fabricação.

Além disso, sugeriram a criação de laboratórios ligados ao ensino de tecnologia da arquitetura e assim livres em relação ao ensino da engenharia, como havia sido até então.

Além de todo esse debate, a Faculdade se dedicou à criação de órgãos que impulsionassem a interação entre estudantes e docentes de todos os departamentos, como o Fórum, o Museu e o Atelier Interdepartamental.

I - Fórum

De acordo com a experiência de 1963 e essa de 1968, a FAU propôs a realização de um Fórum anual, onde se discutisse e reformulasse o ideário do ensino e pesquisa da arquitetura, se fizesse um balanço das atividades da FAU do ultimo ano e se estabelecesse a problemática que iria guiar as atividades da Faculdade no ano seguinte.

II - Museu

Sua função seria a de programar, coordenar e divulgar as atividades curriculares e extra-curriculares de ensino e pesquisa da FAU, seja na graduação ou pós. A problemática adotada seria a resolvida pelo Fórum do ano anterior e caberia ao Museu determinar as atividades dos Departamentos e do Atelier Interdepartamental seguindo essa problemática. Fariam parte do Museu os Laboratórios de Recursos Áudio-Visuais, o de Modelos e Ensaios, o de Artes Gráficas, o Centro de Documentação (incluindo a Biblioteca) e o Setor de Divulgação. Participariam do Museu membros dos Departamentos e dos alunos e seria dirigido por um coordenador, docente da Faculdade, mas que trabalhasse no órgão em tempo integral durante sua gestão.

III - Atelier Interdepartamental

Seriam executadas nesse Atelier atividades de pesquisa em arquitetura que possibilitassem a participação de professores de vários Departamentos e de todos os alunos. A definição da programação seria feita pelo Museu, de acordo com as decisões do Fórum do ano anterior. O objetivo seria o de aperfeiçoamento dos quadros universitários, tendo que para isso atrair, inclusive, profissionais de fora da FAU para suas atividades. Mais uma vez nota-se a vocação da instituição como centro da troca de informações tanto sobre arquitetura quanto sobre a sociedade em geral.

Por fim, o objetivo de todos esses encontros pode ser resumido nas palavras do professor Rodrigo Lefévre, titular do Departamento de Construção na época, em seu relatório sobre as atividades de seu departamento no Fórum de 1968.

Ele escreve que o novo ensino de arquitetura pedia um esforço de pensamento voltado para a relação faculdade-sociedade, mesmo que não fosse fácil. Os professores daquela nova geração de profissionais deveriam estar preparados para a elaboração de um conhecimento novo, que estivesse voltado para o desenvolvimento econômico, político e cultural do país, que percebesse as contradições das propostas estrangeiras e que alcançasse assim independência nacional.

Da “nova” universidade se exigiria a queda de seus muros, o rompimento do isolamento, ajudando, orientando e modificando a sociedade como um todo. Mas, antes de tudo, era preciso se conhecer o que se pretende modificar. Mas esse conhecimento deveria partir de um objetivo inicial, de um projeto amplo e formulado, para que não fosse vazio e inaproveitado.

E, apesar de toda a luta por um ensino novo e completo, é apenas na prática do exercício da profissão que o arquiteto seria posto a prova, segundo Lefévre (data). A universidade deveria preparar, portanto, o aluno para uma infinidade de acontecimentos reais, como também para a surpresa do dia-a-dia.

Assim, a maior proposta do então professor era a da criação de instrumentos que auxiliassem no desenvolvimento de trabalhos reais de arquitetura na faculdade e que esses mesmos instrumentos passassem por períodos constantes de avaliação e crítica. A autocrítica também se faria necessária, além do trabalho em conjunto com toda a universidade, e a possibilidade de pesquisa em todos os seus acervos.

Em poucas palavras, a faculdade buscava formar “arquitetos engajados em termos de responsabilidade histórica” (UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO, 1968, p.45). Mas o jovem formado, ao admitir-se engajado nesses termos, se assume como parcela esclarecida da população. Isso nada mais revelava a rigidez da estrutura sócio-econômica do país, que colocava (e ainda coloca) o estudo como objeto de privilegiados. Ou o estudante simplesmente se aceitava como tal, ou tomaria para si essa responsabilidade, assumindo através de ações sua condição de guia da sociedade.

Os termos de Lefèvre são muito sintomáticos dos debates no Fórum. Há a questão da atuação política, como será visto adiante, que permea toda a discussão e, naquele momento do Fórum, o chamado a responsabilidade do indivíduo frente a sociedade soava como uma ruptura frente a política de aliança de classes (pós-congresso do PCB de 1967). A idéia de estudantes e professores (intelectuais) agirem como vanguarda política, substituindo um partido, é muito forte e, de certa forma, mostra a evolução de um radicalismo político, mas também um isolamento social.

No documento Sérgio Ferro: didática e formação (páginas 80-85)