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CAPÍTULO 1 O PAPEL DO ESTADO E DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

1.2 Estado e políticas sociais

Pereira (2009) destaca que nunca se falou tanto em política social como nos últimos tempos, observando que a menção a este tipo de política nas sociedades contemporâneas está associada aos conceitos de políticas públicas, necessidades sociais e direitos.

No entanto, há de se considerar o anacronismo que se faz presente, ao se abordar a dimensão “social” atrelada a dimensão “público” em um contexto que lhe é politicamente adverso, ou seja, regido pela ideologia neoliberal.

Dessa forma, quando observada como processo e resultado de relações complexas e contraditórias que se estabelecem entre Estado e classes sociais em cada contexto histórico e as respectivas realidades socioeconômicas, fica mais fácil compreender o imprescindível papel da Política Social na consolidação do Estado democrático de direito. Porém, conforme Boschetti (2009), para exercer essa função, como seu objetivo primeiro, as políticas sociais devem ser entendidas e avaliadas como um conjunto de programas, projetos e ações que venham a universalizar direitos.

de paradigmas epistemológicos competitivos e rivais presentes nesse cenário. Esse fato acontece porque há uma tendência de empregá-la de forma genérica, o que leva a conferir à política social um sentido vago ou a confundi-la como ações voluntaristas, clientelistas e que ferem direitos. Assim, entende-se que a falta de uma definição consistente, embora não absoluta, afeta a credibilidade dessa política e o que ela representa à sociedade.

Em oposição à versão da política social como mera regulação social e distribuição de recursos entre cidadãos, referenda-se a necessidade de conhecimento e estratégias apropriadas para consecução da política, com vistas ao alcance de objetivos próprios, que leve em conta as posições desiguais dos cidadãos na estrutura de classes, com o intuito de modificá-las.

As políticas sociais referem-se a ações que definem o padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, “para a redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico” (HOFLIN, 2001, p. 31).

Portanto, deve-se lembrar que é “mediante a política social, que direitos sociais24 se concretizam e necessidades humanas (leia-se sociais) são atendidas na perspectiva da cidadania ampliada” (PEREIRA apud BOSCHETTI et al., 2009, p. 173).

Diante do exposto e de acordo com Pereira (2009, p. 166), revela-se a perspectiva pela qual a política social será neste estudo tratada:

[...] a que apreende a política como um produto da relação dialeticamente contraditória entre estrutura e história e, portanto, de relações, simultaneamente antagônicas e recíprocas, entre capital x trabalho, Estado x sociedade e princípios da liberdade e da igualdade que regem direitos de cidadania.

Desse modo, atrela-se a política social a uma concepção crítica de Estado, que considere a função de atender à sociedade como um todo, não privilegiando os interesses dos grupos detentores do poder econômico. Volta-se, pensando em termos concretos, a reforçar a necessidade de o Estado estabelecer como prioritários programas de ação universalizantes, que possibilitem a incorporação de conquistas sociais pelos grupos e setores desfavorecidos, visando o equilíbrio social.

Identifica-se a universalidade como o princípio que melhor pode contemplar a população, sem descartar, naturalmente, os direitos individuais (civis e políticos). Ou seja, pautado no desafio de não discriminar cidadãos no seu acesso a bens e serviços que, por serem públicos, são indivisíveis e devem estar à disposição de todos, fazendo com que a democracia

24 O direito social é um investimento que deve ser assegurado pelo Estado, visando reduzir, progressivamente, as

desigualdades e dar oportunidades a todos de acesso a determinados bens sociais indispensáveis a uma vida digna e a uma participação cívica consciente.

se fortaleça e ganhe sentido. Esse fato significa dizer, na perspectiva desse princípio, que não se devem estabelecer critérios desiguais de elegibilidade, que diminuam o status de cidadania de quem precisa de proteção social pública.

De acordo com Thomas Marshall25 (1967), cidadania é o termo que define o exercício conjunto dos três principais direitos atribuídos ao homem em uma democracia: direitos civis, políticos e sociais. Assim, a cada um desses direitos corresponderiam determinadas possibilidades de atuação no âmbito humano e político que poderiam vir a garantir, o equilíbrio da sociabilidade entre os membros de cada comunidade política e entre as diferentes unidades territoriais.

Antagônica à universalização, a focalização afigura-se como uma tradução dos vocábulos ingleses targeting ou target-oriented, oriundos dos Estados Unidos e adotados pelos governos conservadores europeus, que concebem a pobreza como um fenômeno absoluto, e não relativo. Entre as implicações políticas que tal concepção acarreta, destacam-se: a restrição do papel do Estado na proteção social e a proclamação da desigualdade social como um fato natural. Para tanto, são adotadas soluções tecnicistas, focalizadas e controláveis.

Assim, a universalidade tem conotação eminentemente pública, cidadã e igualitária, enquanto a focalização tem seu olhar voltado para às individualidades.

Pereira e Stein (2009, p. 107) destacam que:

[...] ultimamente, fortaleceram-se ideias que ora desfiguram a concepção verdadeiramente universal do princípio da universalidade – com expressões adjetivadas como universalismo “segmentado”, “contido” ou “básico” – ora rejeitam essa concepção em nome de uma suposta superioridade democrática da focalização, agora identificada com o respeito às individualidades e às suas diferenças.

Sob a perspectiva da distribuição de benefícios e serviços, a equidade26 tem balizado a implantação e o desenvolvimento da maioria dos programas, tendo eles um caráter universal ou focalizado, fazendo, portanto, com que a compreensão sobre o significado de equidade não seja similar.

Visto essa condição, é necessário revisitar os conteúdos originais dos referidos princípios: universalidade e focalização; considerando suas validades e suas implicações práticas com relação aos direitos sociais.

Por fim, destaca-se que, no ponto de vista desse trabalho, o termo público, que define a política possui intrínseco sentido de universalidade, estando intimamente ligada às questões

25 Sociólogo britânico, Thomas Humprey Marshall debateu a formação da cidadania a partir da experiência inglesa

e viu suas observações se estenderem na Europa, servindo de base para reflexões na América Latina, incluindo o Brasil.

26 Etimologicamente a equidade é sinônimo de equanimidade, isto é, disposição para reconhecer, imparcialmente,

sociais. Assim, cabe ao Estado, considerando sua função de atender à população em sua totalidade, o protagonismo na satisfação das necessidades humanas, mantendo o caráter igualitário, por meio da implantação de programas, projetos e ações universais. Sob esta ótica, a política social requer a participação ativa da sociedade (controle social), sob a perspectiva do controle, no planejamento e na execução de procedimentos e metas voltados para satisfação de necessidades humano-sociais.

Nestes termos, sentimos a necessidade de ir além, buscando problematizar o significado da Participação, no contexto das políticas públicas, na tentativa de realizar aproximações com noções de Cidadania.