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2 O SISTEMA JURÍDICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

2.2 A TEORIA SISTÊMICA DE NIKLAS LUHMANN

2.3.3 A formação do sistema jurídico no Estado Democrático de

2.3.3.2 Estado Social de Direito

A intervenção mínima do Estado na sociedade provocou, em uma macrovisão, imensas injustiças, e os movimentos sociais, desvelando a insuficiência das liberdades burguesas, permitiram que se tivesse consciência da necessidade da justiça social. Passaram a ser reivindicados, a partir desse pensamento, prestações positivas do Estado: é a compreensão de que deve providenciar recursos mínimos para que a sociedade supere as angústias estruturais trazidas pelo Estado Liberal. O Estado, então, passa a agir de modo sistemático sobre o processo econômico e a assunção pelos poderes públicos de novos programas de ação. Institucionalizam-se, então, na linha dos direitos fundamentais, os direitos de segunda dimensão: são os direitos ligados aos setores sociais e econômicos da sociedade.

O México é a primeira sociedade política a ostentar o rol das garantias constitucionais para a proteção do ser humano, no sentido de coletividade, e a primeira a garantir os direitos sociais dos trabalhadores na Constituição promulgada em 31 de janeiro de 1917. O pioneirismo do México é resultado dos sofrimentos suportados pela sociedade no início do século XX. A sociedade mexicana conscientizou-se das injustiças que padecia com as ações/omissões do governo, que se traduziam na miséria humana, na insatisfação popular, no analfabetismo, no desrespeito aos costumes dos povos indígenas - motivos ensejadores da Revolução Mexicana em 1910.

A Constituição do México de 1917, precedendo a Constituição de Weimar, da Alemanha, marcou o início do Estado Social e repercutiu favoravelmente no solo europeu, influenciando-o (CORRÊA, 1983). Esse texto constitucional estabelece, então, o direito de se exigir prestações positivas do Estado. Assim o Estado Social não é apenas

membro dissociável do Estado do direito, mas é o mecanismo do próprio Estado.

Percebe-se um movimento de expansão do poder estatal, o que outrora havia sido retraído pelo Estado de direito. Nesse sentido, o Estado Social, também denominado de Estado de Bem-Estar Social, é produto da evolução do sistema político na sociedade moderna (LUHMANN, 2002).

Nessa referida transmutação da sociedade estamental para a sociedade diferenciada, o sistema político surge como um sistema que objetiva a inclusão de amplos segmentos da população em sua funcionalidade lógica, razão pela qual “o Estado de Bem Estar é a realização da inclusão política” (LUHMANN, 2002, p. 49).

Considerando que configuração de Estado Social representa a tal inclusão por meio de compensação política pelas desigualdades individuais e sociais originadas um determinado sistema de vida. A percepção luhmanniana a propósito de tal Estado é que resulta de três processos sociais conjugados, quais sejam (a) o dinamismo das transformações no entorno provocadas pela sociedade industrial, cuja regulação somente é possível recorrendo a meios políticos; (b) os custos crescentes do Estado Social, referentes aos custos de financiamento e à tecnologia cada vez mais reduzidos em relação aos outros sistemas; (c) a modificação da situação motivacional das pessoas provocada pelas transformações da sociedade moderna (indústria, garantias políticas de bem-estar, educação escolar, meios massivos e a indústria cultural) (LUHMANN, 2002).

Diante dos processos sociais atuais, a semântica do bem-estar torna-se cada vez mais imprecisa e menos delimitada. A compensação se reproduz e cada vez que se estende às más condições sociais que merecem atenção política.

Aqui, então, Luhmann (1996) aponta o dissenso da atualidade, representado pela divergência entre a primazia funcional que o sistema político pretende adquirir e o grau de evolução social. Em tal contexto, questionam-se pelas condições do sistema político que levam a que o projeto de bem-estar seja capaz de reduzir a complexidade do entorno.

Como a história do sistema político dá conta da crescente pretensão de incorporar segmentos de população cada vez mais amplos, a meta política do bem-estar é somente definível a partir de operações autorreferenciais do sistema político.

Nesse sentido, Luhmann denuncia que o modelo social de Estado é dirigido a operações e relações autorreferenciais pouco eficientes, o que limita a capacidade do sistema à redução da complexidade do entorno. Assim, o problema político remete-se a outros sistemas funcionais para explicar a crise do Estado Social, eis que as próprias operações tornaram-se inadequadas para a compreensão de seu estado.

Dentre os mecanismos autorreferenciais ineficientes do sistema político contemporâneo explicitados por Luhmann, destacam-se: (a) a codificação do sistema político, qual seja, o código operante de tal estrutura o qual vem transcendendo o binômio progressista-conservador e, assim, representa a oposição entre mudança e manutenção das estruturas do sistema social. No entanto, o código é insuficiente para acompanhar a dinâmica da sociedade, visto que, em uma sociedade dinâmica, pode ocorrer a reduplicação do código, em que para ser conservador pode ser necessário que algumas coisas mudem e para ser progressista pode ser pertinente manter algumas estruturas. Mas, esse modo de observação é deficitário porque somente permite avaliar a política em meros termos de oposição ou governo – o que acarreta crise de representação ou de despolitização, as quais são representativas para Luhmann no que se refere ao Estado Social; (b) a função do sistema político, a qual “provocou a diferenciação do sistema político, pode se caracterizar como a capacidade de impor decisões vinculantes” (LUHMANN, 2002), o que, por sua vez, são decisões que afetam tanto os que as tomam como os seus destinatários.

Como o sistema político assumiu a responsabilidade pelos processos econômicos, responsabilidade política pelos conteúdos educativos e garantias políticas para o funcionamento do sistema econômico. E a estrutura política somente pode honrar as prestações aos subsistemas que podem tomar decisões vinculantes, ou seja, que disponham de mecanismos efetivos para o desempenho de suas operações, caso contrário as prestações políticas sobrecarregariam o sistema político. É aí que Luhmann entende que o Estado Social tem sido responsável por essa tendência ao aumento das prestações, mas que tais não são a problemática geradora da sobrecarga do sistema, mas sim as condições que contribuem ao aumento das prestações (LUHMANN, 2002).