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Pressupostos sistêmicos: abertura cognitiva e fechamento

2 O SISTEMA JURÍDICO NO ESTADO DEMOCRÁTICO DE

2.2 A TEORIA SISTÊMICA DE NIKLAS LUHMANN

2.2.1 O sistema social: funcionamento e especializações

2.2.1.1 Pressupostos sistêmicos: abertura cognitiva e fechamento

A comunicabilidade, conforme mencionado, existe entre os elementos do sistema e entre o ambiente com o exterior: tal vínculo existente dentro do sistema é autorreferente, ou interno, caracterizado pelo fechamento operacional, enquanto a relação com o ambiente ou com outros sistemas é heterorreferente, ou externa.

Os pressupostos do sistema que facilitam ou permitem tal comunicabilidade são o fechamento operacional, no que tange à comunicabilidade autorreferente, ou interna, e à abertura cognitiva, no que se refere à comunicabilidade heterorreferente, ou externa. Nesses termos, segundo Luhmann, os sistemas sociais são sistemas abertos e fechados, mas não abertos ou fechados, mas são fechados porque são abertos ao meio a partir da comunicação, que é o único elemento que permite transcender a clausura do sistema.

O fechamento operacional significa que nem o ambiente nem o sistema podem agir na esfera de operacionalidade do outro. No caso do sistema, é de sua operação interna a observação, a irritação, a seleção e a informação, inexistindo inputs, outputs, conforme citado, não importando elementos prontos e acabados do ambiente (LUHMANN; DE GIORGI, 1994).

Se o sistema selecionar um elemento do ambiente, será assimilado pela sua estrutura de acordo com a função que possa desempenhar. Isso porque o sistema não poderia construir sua própria identidade/complexidade e seu próprio conhecimento se fosse confundido com o ambiente/meio13.

Esse fechamento favorece o autoaperfeiçoamento da complexidade do sistema e, quanto mais complexo, mais apto está ao conhecimento do ambiente porque, sob a condição de fechamento, o sistema desenvolve a própria complexidade e aumenta, com isso, suas realizações cognitivas (LUHMANN; DE GIORGI, 1994).

O fechamento operacional é, por isso, condição para o conhecimento e somente o é porque o sistema não pode estabelecer nenhum contato condicionante com o ambiente. Por não haver qualquer interferência do ambiente, o sistema constrói conhecimento a partir da rede recursiva das próprias operações.

Desse modo, o que não faz sentido para o sistema é descartado e resta na complexidade do ambiente como força potencial a ser utilizada em momento posterior, se oportuno – razão pela qual se pode afirmar que, no lugar de limites territoriais ou materiais, o sistema tem limites de sentido (KUNZLER, 2004). Isso porque, de acordo com Luhmann, o sistema emergente no processo evolutivo social é o sistema de comunicação que se denomina sociedade. Daí se deduz que a sociedade e a comunicação partilham da mesma identidade. Assim, se o sistema sociedade é composto de comunicações, tudo o que não é ou que não é selecionado pelo sistema é ambiente – o que faz do humano ambiente do sistema social (CADEMARTORI; DUARTE, 2009).

Partindo do fundamento de que é sistema de comunicação, a sociedade abrange diferentes sistemas funcionais, distintos entre si por conta da diferenciação operacional: do ponto de vista da unidade, uma diferença encontrada no sistema está na função do que o sistema diferenciou (LUHMANN; DE GIORGI, 1994).

13 Se a estrutura sistemática verifica um elemento no ambiente, está diferenciando algo no meio do caos, no meio do indiferenciado. O conhecimento projeta diferenciações numa realidade, que não conhece nenhuma diferenciação, pois conhecer é caracterizar algo como é e não como não é – mas é desta designação que surge a distinção caracterizadora. Os demais elementos não designados permanecem no ambiente.

A abertura cognitiva representa a demanda de conteúdo e de volume das relações havidas entre o sistema e o seu ambiente, ou seja, relação entre os elementos do sistema e do ambiente, observada pela comunicabilidade. Tais relações ocorrem em conformidade com a predisposição da estrutura sistemática, ou seja, de acordo com sua capacidade de suportar interferências externas.

É por isso que qualquer abertura do sistema só se justifica devido ao seu fechamento, tendo em vista que as operações de autorreferência não absorvem o sentido global do ambiente, apenas de levar em consideração fatores que concorrem para constituição do sistema (elementos, processos, o próprio sistema) que não são exclusivos do sistema e que permitem combinar autorreferenciabilidade e heteroreferenciabilidade (FEBBRAJO, 1990).

Importa, aqui, destacar que a concepção de comunicabilidade do sistema com o seu exterior, representando interações intersistêmicas, ou a interação de sistemas interligados a sistemas ou do mundo como sistemas de sistemas faz remição à ideia de ecossistema: “vários sistemas, cada um com seu aspecto de totalidade, tais como um indivíduo, uma família, uma cidade, uma nação, interagindo numa rede dinâmica de interdependências mútuas” (VASCONCELLOS, 2009).

A noção da interação ecossistemática deve considerar a identidade de cada sistema, que apresenta um fechamento operacional para impedir a perda de sua identidade por outro código sistemático, e a abertura cognitiva, que permite a comunicação do ambiente para o sistema (VASCONCELLOS, 2009).

A comunicabilidade externa, ainda, faz referência à ideia de fronteiras, ou delimitações, por meio de que ocorre a comunicação, ou relação, entre sistemas ou as relações entre o sistema e seu ambiente, então considerado como o contexto do sistema (VASCONCELLOS, 2009).

Tendo em vista que as delimitações do sistema são um aspecto de sua relação com seu ambiente e outros sistemas, tais fronteiras são dinâmicas, o que dificulta definir com exatidão os limites da estrutura sistêmica (VASCONCELLOS, 2009).

O que se deve atentar é que as delimitações não são barreiras, mas o fator sistêmico que permite a relação externa e o câmbio de informações entre sistema e ambiente.

Acerca da permissão de troca informacional havida entre sistema e ambiente ou sistema e outros sistemas, deve-se distinguir entre sistema fechado e sistema isolado: este seria fechado tanto ao

input de formas operacionais sistemáticas quanto ao input de

informação. Já o sistema fechado seria fechado somente aos inputs de formas operacionais sistemáticas, mas aberto aos inputs de conteúdo informacionais. Poder-se-ia também afirmar que os sistemas sociais seriam sensíveis às diferenças ou à variedade que a informação carrega, denominando-se de informação uma variedade codificada e de ruído uma variedade não codificada (VASCONCELLOS, 2009).

A abertura do sistema para a troca com o exterior, por menor que seja, é suficiente para caracterizar o sistema como aberto. Por conseguinte, a definição “sistema semi-aberto” não existe. Existem, sim diferentes graus de permeabilidade das fronteiras de um sistema aberto. Dessa maneira, em tal graduação, as fronteiras podem ser muito permeáveis, quando o sistema torna-se muito suscetível às influências de seu ambiente, e também podem tornar o sistema quase impermeável, apresentando uma redução quase total do câmbio entre sistema aberto com o seu ambiente (VASCONCELLOS, 2009).

Diante do explanado, o fechamento operacional não representa a finalidade em si mesmo do sistema, mas, antes, é uma condição da abertura. É por isso que se salienta que as críticas que promovem a equiparação do fechamento como à situação de ausência de ambiente desconhecem o problema central da capacidade de conexão entre acontecimentos elementares (NEVES, 2013).

Em face à ponderação perspectiva sistêmica, tanto o sistema quanto suas fronteiras podem ser resultantes de distinções do próprio observador (VASCONCELLOS, 2009), o que será de importante relevo quando as interpretações do sistema tiverem eficácia sobre a estrutura sistêmica interpretada – interpretação esta que será consubstanciada pelo sentido fornecido pelo sujeito que opera determinado sistema, consoante explanado nos capítulos seguintes.