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O Estado violou o direito à participação política (art 23 CADH) das comunidades

1. DOS FATOS

3.3. O Estado violou o direito à participação política (art 23 CADH) das comunidades

Desta forma, o Estado violou este direito ao realizar a evicção forçada, não permitindo que a comunidade permanecesse vivendo em suas terras tradicionais, o que se agrava por se tratar de uma comunidade tribal. Caracteriza-se, dessa forma, a violação dos arts. 21, 5 e 22 c/c 1.1 da CADH em detrimento desta comunidade, na medida em que não foi reconhecida a sua especial relação com a terra originalmente ocupada e, portanto, não foram cumpridas as exigências para que a restrição de suas terras se desse de maneira a respeitar seus direitos como comunidade tribal.

La Atlantis violou o direito à participação política em prejuízo das comunidades, na medida em que, quanto à Chupanky, o processo de consulta não seguiu os parâmetros internacionais determinados pelos instrumentos de interpretação da CADH e definidos pela jurisprudência da Corte IDH, e quanto à La Loma, sequer houve a instalação de qualquer processo de consulta e de informações.

O direito à participação no processo de consulta, além de constituir uma das garantias para a restrição do direito à propriedade comunitária, paralelo ao dever de cumprir os 4 já mencionados requisitos para tal restrição, como já definido por essa Corte, 32 é também um direito autônomo dos indivíduos33

31

CORTE IDH. Masacre de Mapiripán vs. Colombia. Sentença de 15 de Setembro de 2005, par. 168;

Comunidad Moiwana, Op.Cit. Par. 110; Ricardo Canese. Op.Cit. par. 115; CDHNU. Comentário Geral No. 27.

Par. 4.

. No campo de proteção de direitos de povos indígenas e tribais, os direitos políticos se traduzem na realização, por parte do Estado, de consultas prévias, livres e informadas, para obter o consentimento das comunidades afetadas.

32

CORTE IDH. Comunidad Indígena Yakye Axa vs. Paraguay.Op.Cit. par. 151; Pueblo Saramaka vs. Paraguay.

Op.Cit. par. 129; Comunidad Indígena Sawhoyamaxa vs. Paraguai. Sentença de 29 de março de 2006, par. 135; Comunidad Indígena Xákmok vs. Paraguai. Sentença de 24 de agosto de 2010, par. 157; OIT. Convenção 169

sobre direito dos povos indígenas e tribais. Art. 6o. Recomendação Geral XXIII relativa aos direitos das populações indígenas, A/52/18, 1997.

3.3.1. O Estado violou o art. 23 c/c 1.1 da CADH em relação à comunidade Chupanky

O Estado violou o art. 23, pois não forneceu informações suficientes, ao não realizar o EISA, durante as reuniões nas quais a comunidade aprovou a primeira fase do projeto e sua continuidade, resultando na ausência de informações suficientemente detalhadas à comunidade e, portanto, viciando a sua manifestação de consentimento.

A Corte determina requisitos a serem atendidos pelo processo de consulta a comunidades indígenas e tribais: i) ser de boa-fé; ii) ser prévio; iii) as comunidades serem devidamente informadas; e iv) ser realizado com o intuito de se chegar a um acordo.34 Primeiramente, o Estado não agiu de boa-fé, tendo em vista a ausência das demais garantias para que a consulta fosse considerada válida e a qual, por sua vez, apenas teve início por conta da pressão de órgãos internos e internacionais de proteção dos direitos dos povos indígenas e tribais. Além disso, o Estado também descumpriu o primeiro requisito, posto que a consulta não foi prévia, pois não foi realizada antes da concessão de exploração das terras tradicionais ou do início do projeto de geração de energia.35 O Estado iniciou o processo de consulta apenas em novembro de 2007, mais de dois anos após ter autorizado a concessão à empresa TW. Isto demonstra que o processo foi realizado em tempo inoportuno, por não ter ocorrido antes da concessão. Em relação ao terceiro item, as informações fornecidas pelo Estado, através do EISA, devem conter dados acerca dos possíveis danos ao meio ambiente e à estrutura social das comunidades.36 Todavia, La Atlantis realizou o processo de consulta sem fornecer qualquer dado relativo ao EISA, que só foi iniciado em fevereiro de 2008, após o consentimento da comunidade, ocorrido em dezembro de 2007. Destaca-se ainda que o EISA contou apenas com a participação de peritos. O Estado desrespeitou, assim, os parâmetros internacionais que determinam ser essencial a participação das comunidades na produção do EISA,

34

CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Op.Cit. par. 133.

para que possam avaliar as possíveis repercussões ambientais do projeto, avaliar

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alternativas e estabelecer medidas apropriadas de mitigação, gestão e seguimento.37 Além disso, os estudos, quando finalmente fornecidos à comunidade, não tinham sido traduzidos para a língua oficial Rapstaní, o que resulta na permanente ausência de informações acerca dos danos inerentes ao projeto. Cabe ressaltar ainda que o processo de consultas apenas contou com tradutores para a língua oficial Rapstaní na última reunião e não durante todo o processo. Assim, o Estado não cumpriu os requisitos do processo de consulta o que torna inválido o consentimento outorgado anteriormente pela comunidade para a continuação das obras, descumprindo, portanto, o último dos requisitos para a consulta válida.38

O Estado não permitiu a participação das mulheres interessadas da comunidade Chupanky durante o processo de consulta, restringindo-a apenas às autoridades e aos homens chefes de família, o que implicou discriminação baseada em gênero. Ainda assim, as mulheres, através do grupo Guerreiras do Arco-Íris, pleitearam os seus direitos, que foram negados novamente pelo Estado, conforme será abordado posteriormente.

3.3.1.1. O Estado discriminou as mulheres da comunidade durante o processo de consulta (art. 23 c/c 1.1 da CADH e art. 7, “a” da Convenção de Belém do Pará)

É devido, inicialmente, ressaltar que La Atlantis desrespeitou os principais tratados internacionais de direitos humanos que reconhecem a igualdade de gênero no gozo do direito à participação política39, considerado direito fundamental,40 uma vez que tal igualdade não foi garantida pelo Estado

37

CIDH. Derecho de los Pueblos Indígenas y Tribales sobre sus Tierras Ancestrales y Recursos Naturales.

Normas y jurisprudencia del Sistema Interamericano de Derechos Humanos, par. 245-246; OIT. Convenio 169,

artículo 7.3; Banco Mundial, Política Operacional 4.01, Anexo A: Definiciones, par. 2; ONU. Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, princípio 10.

às mulheres indígenas.

38

CORTE IDH. Pueblo Saramaka vs. Surinam. Sentença de 12 de agosto de 2008, par. 41.

39

CIDH. Informe: El camino hacia una democracia sustantiva: la participacións políticas de las mujeres em las

Américas. 18 abril 2011, par. 7; Carta Democrática Interamericana. Arts. 4 e 9; Declaração Americana de

Direitos e Deveres do Homem. Art. II; Convenção Interamericana para Previnir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher. Art. 5; CEDAW. Art. 1. Recomendação Geral nº 23 que trata da participação política; Convenção Interamericana sobre a Concessão de Direitos Políticos à mulher. Preâmbulo; Fórum Permanente sobre questões indígenas e os ODMNU. Goal 7: Ensure Environmental Sustainability, 2007, p. 1.

40

CIDH. Informe: El camino hacia una democracia sustantiva: la participacións políticas de las mujeres em las

Américas. 18 abril 2011; Informe Anual 1999, Consideraciones sobre la compatibilidad de las medidas de acción afirmativa concebidas para promover la participación política de la mujer con los principios de

Ademais, o projeto Cisne Negro, obra geradora do dever de consultar do Estado, foi realizado no marco dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas (“ODMNU”) com o qual La Atlantis se comprometeu. Destaca-se que a ONU afirma que a perspectiva de gênero deve estar completamente integrada à implementação e monitoramento de todos os ODMNU,41 o que claramente não foi respeitado pelo Estado, ao não proporcionar a participação das mulheres interessadas no processo de consulta do Projeto Cisne Negro, projeto de geração de energia que integra o Plano Nacional de Desenvolvimento. As mulheres, nesse contexto, são duplamente vulneráveis, por serem mulheres e por serem membros de uma comunidade indígena marginalizada. 42

Tampouco cabe o eventual argumento do Estado de que a privação da participação das mulheres no processo de consulta teria como fundamento o respeito às tradições da comunidade pois, além de a organização patriarcal ter sido adotada apenas nas últimas décadas como resultado da política de miscigenação perpetrada pelo Estado e, assim, não constituindo propriamente uma tradição, o Comitê CEDAW determina que, independentemente dos costumes adotados, o tratamento da mulher deve conformar-se ao princípio de igualdade.43 No mesmo sentido, a OIT já determinou que um costume incompatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos não deve ser levado em conta na aplicação da legislação nacional aos povos interessados.44

41

ONU. Fórum Permanente sobre questões Indígenas e os ODMNU’s. Goal 7: Ensure Environmental

Sustainability, 2007, p. 1.

Desta forma, o suposto costume discriminatório e desigual não deveria ter sido aplicado pelo Estado, em nome dos princípios vinculantes da igualdade e não discriminação, que alcançaram o status

42

CORTE IDH. Yatama vs. Nicaragua. Op.Cit. par. 195; CIDH. Informe: El camino hacia una democracia

sustantiva: la participacións políticas de las mujeres em las Américas. Op.Cit; Comitê DESC. Observação

Geral 16: La Igualdad de Derechos del Hombre y la Mujer al Disfrute de los Derechos Económicos, Sociales y

Culturales, 2005, par. 7; Comitê DESC, Observação Geral 20, La No Discriminación y los Derechos Económicos, Sociales y Culturales, 2 de julio de 2009, par. 8.

43

de jus cogens.45

Portanto, La Atlantis deveria ter garantido tratamento não discriminatório que gerasse a oportunidade para que as mulheres exercessem seu direito à participação política.

Ainda, tal argumento reafirma a discriminação de gênero, na medida em que evidencia o entendimento do Estado de que a cultura do povo Chupanky deve ser definida apenas por seus integrantes homens, desconsiderando que as mulheres também fazem parte desta cultura e que, se reclamam seu direito de participação política nas consultas, demonstram que a discriminação não é parte de suas tradições e não é por elas desejada.

46

A Convenção de Belém do Pará, nos arts. 4 (j), 5 e 6, afirma a íntima relação entre discriminação de gênero no gozo de direitos e a violência contra mulher. A impossibilidade das mulheres da comunidade Chupanky exercerem os seus direitos políticos, com efeito, perpetua uma realidade discriminatória que permite diversas formas de violência contra a mulher.

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Apesar disso, o Estado não apenas não adotou as medidas necessárias para prevenir e eliminar a discriminação contra as mulheres, mas também as discriminou durante o processo de consulta e se omitiu frente à denúncia de violação realizada pelas Guerreiras do Arco-Íris. Evidencia-se, portanto, que o Estado violou o art. 23 c/c com o 1.1 da CADH e o art. 7, incisos “a” e “b” da Convenção de Belém do Pará.

Esta situação se agrava tendo em vista que são as mulheres da comunidade Chupanky as guardiãs da tradição com a água, ligada à transmutação dos mortos, de forma que a construção da usina e consequente alagamento do rio, lhes causa dano direto.

3.3.2. Violação do art. 23 c/c 1.1 da CADH em detrimento da comunidade La Loma

No que concerne à La Loma, o Estado violou o direito à participação política uma vez que

45

CORTE IDH. Yatama vs. Nicaragua. Sentença de 23 de junho de 2005, par. 6; OC- 18, par. 101.

46

CORTE IDH. Yatama vs. Nicaragua. Op.Cit. Par. 85; Condición Jurídica y Derechos de los Migrantes

Indocumentados, par. 101; CIDH. Informe El trabajo, la educación y los recursos de las mujeres: La ruta hacia la igualdad en la garantía de los derechos económicos, sociales y culturales. 3 de novembro de 2011;

Declaração Universal de Direitos Humanos, arts. 1 e 2; Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, arts. 2(1) e 26; Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, arts. 2(2) e 3; Convenção sobre Erradicação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, art. 1.

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não realizou consulta, não forneceu informações relativas ao Projeto da Hidroelétrica Cisne Negro e, tampouco propiciou a participação na elaboração do EISA, sob o argumento de que a comunidade era camponesa, e não tribal ou indígena, e não teria estes direitos.

Como já mencionado, a comunidade La Loma é tribal e, assim, tem direito ao devido processo de consulta, com participação de benefícios, e informações, que não foi sequer iniciado pelo Estado em relação à La Loma.48

Ressalta-se ainda que todos os cidadãos, e não apenas os membros de comunidade indígena ou tribal, devem ter: i) acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente, como o EISA; ii) a oportunidade de participar em processos de tomada de decisões; e iii) acesso à justiça.

49

Assim, ainda que o Estado tenha caracterizado La Loma como camponesa, permanece o dever de estimular e facilitar a participação política da comunidade, garantindo a sua efetiva participação em qualquer decisão que possa afetá-la, o que foi negado pelo Estado, através da Ordem 1228/2006.50

3.4. O Estado violou os direitos à proteção contra o trabalho forçado e obrigatório e à

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