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III. CONTEXTUALIZAÇÃO E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

3.1. Estados Unidos da América (EUA)

Em 1899 Carnegie, fundador do conglomerado US Steel Corporation, publicou o livro, O

Evangelho da Riqueza, que estabelece a abordagem clássica da responsabilidade social relativa a

grandes empresas. A sua visão, baseia-se nos princípios da caridade e da custódia. O princípio da caridade exigia que os membros mais afortunados da sociedade ajudem os menos afortunados, enquanto que o princípio da custódia, derivado da Bíblia, exige que as empresas e os ricos funcionem como guardiães, ou zeladores, mantendo as suas propriedades em custódia, para benefício da sociedade (Cyert, 1995).

A RSE era aceite como doutrina nos EUA até ao século XIX, quando o direito de conduzir o negócio era prerrogativa do Estado ou da Monarquia e não um interesse económico privado. Os monarcas autorizavam os alvarás para as corporações de capital aberto que prometessem benefícios públicos, tais como a exploração e a colonização do novo mundo (Hood, 1998).

Com a independência, os Estados americanos começaram a aprovar legislação que visava a auto- incorporação (self-incorporation) como alternativa à incorporação por acto legislativo específico, inicialmente para serviços de interesse público, como, a construção de canais e, posteriormente, para propósitos de condução de negócios privados.

Em 1916 nos EUA, Henry Ford, argumentando a realização de objectivos sociais, decide não distribuir parte dos dividendos obtidos, revertendo-os para investimentos na capacidade de

100 produção, aumento de salários e fundo de reserva para a redução futura esperada de receitas devido ao corte nos preços dos carros.

Com efeito, em 1919 a questão da RSE e discricionária dos dirigentes das empresas de capitais abertos veio à tona publicamente através do julgamento do caso Dodge versus Ford. Tratava-se da amplitude da autoridade de Henry Ford, presidente e accionista maioritário, em tomar decisões que contrariavam interesses de um grupo de accionistas da Ford (Lerner e Fryxell, 1994).

O Tribunal Supremo de Michigan posicionou-se a favor dos Dodges, justificando que a empresa existe para o benefício dos accionistas e que os directores têm livre arbítrio apenas quanto aos meios de alcançar os fins, não podendo usar os lucros para benefícios não subjacentes aos accionistas.

Num outro litígio dirimido pela Justiça Americana em 1953, no Caso A.P. Smith Manufacturing

Company versus Barlow, foi retomado o debate público sobre este tema. Na interpretação do

Tribunal Supremo de Nova Jersey, em torno da inserção da empresa na sociedade e as suas respectivas responsabilidades, posicionou-se favorável à doação de recursos para a Universidade de Princeton, contrariando interesses de um grupo de accionistas, tendo sido determinado que a empresa pode apoiar o desenvolvimento social, através do estabelecimento duma Lei da filantropia empresarial (Campbell et al., 1999).

A partir de então, defensores da RSE sustentam que, se a filantropia é uma acção legítima da empresa, então outras acções que priorizam objectivos sociais em relação aos retornos financeiros dos accionistas, seriam de igual legitimidade, tais como o abandono de linhas de produto lucrativas mas destrutivas ao ambiente natural e social (Campbell et al, 1999)

Como que conduzindo a discussão noutra perspectiva, relativamente à aqueles posicionamentos e dissertando nas condições históricas da altura, Jones (1996) sustenta que o posicionamento contrário é baseado nos conceitos de direitos de propriedade e função institucional que perspectiva que, a direcção da empresa como agente do accionista, não tem o direito de fazer nada que não atenda ao objectivo de maximização do lucro, observados os limites da Lei.

101 Concordando com aquele posicionamento, os autores Levitt (1958); e Friedman (1970) relevam que agir diferente, é uma violação das obrigações morais, legais e institucionais por parte dos directores.

As tendências da RSE nos EUA, foram desenvolvidas em grande parte, por visionários e grandes líderes como Rockefeller, Carnegie, Ford, Hewlett e Packard. Porém, o grande desenvolvimento ou crescimento da RSE deveu-se à regulamentação da actividade. Desde o fim da década de 1960 e início da década de 1970, o Governo americano, criou vários órgãos de regulação que formam em grande parte os pontos referenciais da actual RSE.

A Administração de Segurança e Saúde Ocupacionais (OSHA), a Comissão de Oportunidade Igual de Emprego (EEOC), a Comissão de Segurança nos Produtos ao Consumidor (CPSC) e a Agência de Protecção do Meio Ambiente (EPA) criaram padrões para as práticas empresariais responsáveis, as quais se tornaram limiares do comportamento interno mínimo da RSE.

Na evolução das ideias sobre a RSE houve posicionamento dos que acreditam que cabe ao Estado, igrejas, sindicatos e organizações não governamentais o suprimento das necessidades comunitárias através de acções sociais organizadas e não à empresa, que na essência precisa em primeiro plano satisfazer o accionista (Friedman 1971).

As décadas de 1970 e 1980 chegam com a preocupação de como e quando a empresa deveria responder às obrigações sociais. Neste período, a ética empresarial começa a desenvolver e a consolidar-se como um campo de estudo. Filósofos entram em cena, aplicando teoria ética e análise filosófica, com o objectivo de estruturar a disciplina da ética empresarial. O escândalo Watergate, no governo de Nixon, focaliza o interesse público da importância da ética no governo. Conferências de diversa ordem foram convocadas para discutir RSE, questões morais e éticas no negócio.

Em resposta à regulamentação inicial, houve um movimento deliberado, por parte das empresas, no sentido de estabelecer cargos de assuntos governamentais para gerir as suas relações com Washington. Os lobbistas de empresas instaram os legisladores a definirem uma Lei que

102 beneficiasse os seus negócios. Os grupos de vigilância, que representam o público, fizeram lobbies junto do congresso dos EUA para assegurar que as preocupações sociais, ambientais e económicas fossem acauteladas face às preocupações empresariais. Como resultado, o movimento da RSE interna está bem definido, regulamentado e divulgado numa tentativa de influenciar o público e o congresso.

Na verdade, o governo americano continua a regular o comportamento empresarial face à sua necessária ligação com a sociedade. Casos mais recentes, incluem a Lei de reinvestimento na comunidade para o sector bancário, a Lei do ar puro e, nos pós Enron a Lei da reforma da contabilidade das empresas públicas e protecção dos investidores (Lei sarbanes-oxley).

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