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2.4 BEM-ESTAR

2.4.4 Mal-Estar no Trabalho

A nova realidade organizacional, caracterizada pela predominância de sistemas flexíveis e precários de produção, tem requisitado variadas adaptações dos trabalhadores à essa nova organização do trabalho, o que tem contribuído de maneira significativa para afetar

27 Palavra de origem inglesa que traduzindo para a língua portuguesa significa “dar resposta”

28 Neste trabalho utilizaremos a expressão Gestor, que é aquele que gere, administra; por ser também o termo

mais comumente empregado na gestão pública. Além disso, o trabalho direciona-se ao gestor, sem que seja necessariamente um líder, de acordo com a conceituação utilizada pela literatura.

a subjetividade do trabalhador. Em decorrência, predominam os afetos negativos expressos pelos sentimentos de ansiedade, insegurança, depressão, instabilidade emocional e pensamentos negativos, caracterizando um baixo índice de BES (SCORSOLINI-COMIN et al., 2016).

Piolli (2013) identificou que variados casos de estresse ou adoecimento dos trabalhadores se expressam por meio de doenças físicas e emocionais e que, geralmente, estão relacionados à preocupação excessiva com o trabalho e a produção. Esses sintomas aparecem, na maioria dos casos, nos trabalhadores que estão inseridos em espaços de trabalho com exigências que extrapolam a capacidade física e mental humana em suportá-las; dessa realidade, advém seres humanos lesionados, adoecidos e, muitas vezes, incapacitados de maneira definitiva para o trabalho (ANTUNES; PRAUN, 2015).

Nessa perspectiva, a conceituação de mal-estar no trabalho (MET) é complexa e apresenta uma literatura pouco expressiva na utilização desse termo. Ainda assim, de acordo com Torres et al. (2014, p. 328), “o mal-estar aparece vinculado ao contexto e condições de trabalho, enquanto que o sofrimento e o adoecimento parecem ser a resposta que cada indivíduo encontra para a situação de mal-estar”.

Nesse sentido, quando a organização e/ou as condições de trabalho não oferecem os recursos necessários para que os trabalhadores consigam realizar as tarefas de acordo com suas aspirações, descaracteriza-se o trabalho e o dinamismo interno do sujeito se retrai; consequentemente, o trabalhador sofre por causa do mal-estar existente no contexto de trabalho (BENDASSOLLI, 2011; BORGES, YAMAMOTO, 2004).

O MET é desagradável e se origina das situações vivenciadas pelos indivíduos na execução das tarefas. A manifestação individual ou coletiva do mal-estar no trabalho se caracteriza pela vivência de sentimentos (isolados ou associados) que ocorrem, com maior frequência, nas seguintes modalidades: aborrecimento, frustração, angústia, antipatia, aversão, sentimento de não-reconhecimento e de impotência diante de determinadas situações, dentre outras. Diante disso, esgotam-se os meios de defesa contra as exigências propostas pela atividade, causando um desequilíbrio e o trabalho se torna uma fonte de tensão e desprazer e depois, em alguns casos, a patologia (MATTOS, SCHLINDWEIN, 2015; DEJOURS, 2012; FERREIRA, 2012).

Quando isso ocorre, não se pensa sobre o papel dos gestores na relação com sua equipe e o modelo de gestão vigente no ambiente laboral e o impacto na saúde dos servidores, mas se atribui a uma “estrutura psíquica frágil”, e, em decorrência, a pessoa adoecida passa a

ser vista como um “peso morto” para os gestores e demais colegas da equipe (MATTOS; SCHLINDWEIN, 2015).

A maneira pela qual os trabalhadores, as equipes e os gestores expressam seus sentimentos e atitudes dentro do ambiente laboral, além da forma em que estes últimos planejam e organizam o trabalho, são expressas pela subjetividade e significância que o trabalho tem para cada um deles (KUBO, GOUVEA, 2012; KANUNGO, 1991).

Em outra perspectiva, Périco e Justo (2011, p. 163) defendem que:

Pensar o mal estar no trabalho é uma tarefa que perpassa questões biopsíquicas bem como sociais. O exercício de refletir o assunto à luz do conflito indivíduo-civilização pode trazer contribuições importantes, sobretudo levando em consideração a relação entre classes sociais e restrições pulsionais. Em uma civilização tão socialmente desigual, as restrições pulsionais, e, com efeito, as exigências das mesmas, passam a ser diferentes; principalmente dependendo do tipo de berço que se encontra ao nascer.

Para Petarli et al. (2015), o MET acontece devido à organização do trabalho, gerando sobrecarga de atividades, falta de espaço para os trabalhadores se expressarem; além da inexistência do apoio social no ambiente laboral, visto que os gestores e colegas de trabalho são capazes de fornecer a assistência necessária para aliviar o mal-estar decorrente desse tipo de precarização do trabalho.

A esse respeito, o gestor é a figura principal no processo de fortalecimento desse “apoio social”, visto que, por intermédio de sua função, espera-se que ele perceba a predominância do MET, busque soluções e incentive sua equipe a eliminar ou sanar os fatores que contribuem para essa predominância (TORRES et al., 2014).

Além disso, o trabalhador espera ser valorizado pelo seu gestor em função do trabalho que exerce; o reconhecimento, para Clot (2010, p. 285) é:

[...] o retorno de todo o investimento objetivo e subjetivo empregado no trabalho; é a retribuição, a contrapartida e está estreitamente associado à produção de sentido no trabalho. A retribuição simbólica e as gratificações que lhe estão associadas, provenientes da hierarquia, é que tornam útil aquele que trabalha; além disso, o julgamento dos pares outorga o pertencimento ao ofício.

Observa-se que o mal-estar no trabalho é um tema atual e que tem despertado o interesse, de maneira crescente, para alguns pesquisadores como Scorsolini-Comin et al., 2016, Antunes e Praun (2015), Mattos e Schlindwein (2015), Petarli et al. (2015), Borges e

Yamamoto (2004), Torres et al. (2014), Piolli (2013), Bendassolli (2011), Dejours (2012), Ferreira (2012), Périco e Justo (2011), Clot (2010) e nas agendas organizacionais, em virtude do volume expressivo de trabalhadores acometidos por doenças físicas e psicológicas relacionadas ao ambiente laboral.

Nesse sentido, cada trabalhador tem os seus valores morais, heranças culturais, necessidades, particularidades e, enfim, suas subjetividades. Assim, se alguns sofrem quando não conseguem trabalhar do jeito e com as condições que gostariam, outros, nas mesmas condições, conseguem criar rotas de fuga e alternativas inovadoras; estes não são, necessariamente, melhores que aqueles; ambos estão à mercê de precarizações do mesmo ambiente laboral, mas agem e reagem de maneiras distintas. Há, portanto, uma linha muito tênue que separa o bem e o mal-estar, estes que são elementos “indissociáveis do trabalho” (DEJOURS, 2012).

A esse respeito, “as diversas manifestações de adoecimento com nexo laboral não são fenômenos novos, mas processos tão antigos quanto a submissão do trabalho às diferentes formas de exploração” (ANTUNES; PRAUN, 2015, p. 410). Um exemplo disso é que, em 1845, as condições de vida e trabalho dos operários de algumas cidades industriais inglesas encontravam-se na raiz de um conjunto de enfermidades que, não raramente, ocasionavam a morte desses trabalhadores (ENGELS, 2010).

Dessa maneira, o mundo do trabalho vem sofrendo ao longo do tempo várias reestruturações para se adequar ao sistema de produção vigente; com isso, exige-se, cada vez mais, trabalhadores polivalentes e flexíveis. Essa exigência tem se refletido de maneira crucial na saúde do trabalhador, tanto no aspecto físico, quanto mental; tendo em vista que, para desempenhar as atribuições impostas no cenário da reestruturação produtiva, o trabalhador precisa ter boas condições de trabalho e isso não acontece. Em decorrência disso, a desmotivação, as atividades contínuas, a sobrecarga de trabalho e a fragilidade nos relacionamentos interpessoais, dentre outras coisas, têm acentuado o desgaste desses indivíduos em seus ambientes de trabalho (FERREIRA, 2011).

Uma vez que foi possível conhecer um pouco mais sobre cada tópico até aqui mencionado é chegado o momento de abordar especificamente a temática central da Qualidade de Vida no Trabalho.