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2. O ADOLESCENTE, O CONFLITO E A LEI

2.3 A LEGISLAÇÃO VIGENTE

2.3.3 O que a legislação tem a dizer sobre o afeto?

2.3.3.3 O Estatuto da Criança e do Adolescente

E o que tem o ECA a nos falar sobre o afeto? Na verdade, não há sequer uma menção direta a valores como o amor ou o afeto no texto do Estatuto, o que não quer dizer que não houve preocupação do legislador quanto à formação da personalidade do adolescente, atribuindo à sua existência um sentido afetivo e não, simplesmente, material.

Tal como fizemos na ocasião da análise dos demais instrumentos normativos que tratam da infanto-adolescência, convém trazer à baila alguns fragmentos do Estatuto, onde se acredita haver a preocupação de transformar o entorno de convívio de crianças e adolescentes em um lugar mais afetivo.

Possivelmente, lidar com o ECA e o SINASE em busca de um tratamento mais afetivo atribuído pela norma aos adolescentes demandará maiores esforços de nossa parte. Sabe-se, pois, que diferentemente das convenções e dos princípios de assento constitucional, os dispositivos legais do ECA são dotados de menor abstração, constituindo-se normas diretivas.

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Ao que parece, é mais comum tratar de aspectos mais intangíveis, como o afeto, a partir de recomendações, nunca normas coercitivas. Para muitos, soa até estranho que aqui se resguarde a obrigatoriedade de se destinar afeto a adolescentes que descumpriram a lei e, por isso, tornaram-se internos do CASE, em cumprimento de sua medida socioeducativa.

No entanto, essa não parece ser a posição mais acertada, já que seria dificílimo impor a alguém o sentimento de amor ao próximo, pois esse sentimento, além de não se revestir de contornos de obrigatoriedade, é imensurável. Ao se tangenciar a questão do afeto, o que se defende, na verdade, é a necessidade de se permear as relações intersubjetivas e o ambiente do adolescente com mais afetividade.

O primeiro caso, o das relações intersubjetivas, acena ao afeto como elemento de um tratamento mais adequado, cuidadoso e, por isso mesmo, mais humano, pois aos adolescentes não se pode dispensar o mesmo tratamento que é dado a pessoas adultas. Não fosse assim, não haveria nenhum sentido em se falar em proteção integral ou em melhor interesse da criança, ou mesmo, estudar-se uma gama normativa tão complexa sobre a situação especial da infanto- adolescência, sem uma contrapartida que permitisse a salvaguarda desses direitos.

O segundo caso, que diz respeito a proporcionar ao adolescente um ambiente mais afetivo, trata de percepção, a nosso sentir, facilmente materializável. Perpassa a questão da educação, da escuta, do olhar, do acreditar no outro, sendo esse outro o adolescente com quem se partilha o espaço, em qualquer que sejam as circunstâncias, mesmo aquelas mais áridas.

Dito isso, volve-se a atenção aos fragmentos textuais do ECA que acenaram a proposições de valorização afetiva, a exemplo daquelas contempladas pelos artigos 94 e seguintes do ECA. Mesmo exigindo grande esforço interpretativo para assimila-las à luz da questão da proteção jurídica da afetividade, elas se mostraram pertinentes, pois tratam especificamente da aplicação da medida socioeducativa em um ambiente que apresente condições adequadas ao desenvolvimento físico e mental do adolescente.

Não obstante, em que pese os artigos 124 e 125 do ECA tratarem da incolumidade, integridade física e segurança do adolescente, é fato que uma das figuras centrais previstas nessa garantia é segurança à integridade física e mental do adolescente privado de liberdade, sendo de responsabilidade do Poder Público adotar todas as medidas para que de fato tais garantias sejam respeitadas.

A partir da detida leitura do ECA, percebeu-se ainda que a preocupação com o ambiente de internação costuma atingir exclusivamente a questões de instalações físicas adequadas, habitabilidade, higiene, salubridade e segurança, vestuário e alimentação suficientes e adequadas

à faixa etária dos adolescentes e cuidados médicos, odontológicos, farmacêuticos e saúde mental. Todavia não houve um dispositivo sequer que tratasse do ambiente como um meio onde se disseminam relações humanas.

Os investimentos parecem se voltar à segurança da unidade de internação, para diminuir riscos de invasões e evasões e assegurar tranquilidade para o trabalho socioeducativo, o que caminha no sentido oposto ao que ora se defende. Acredita-se que os investimentos deveriam ser prioritários na parte pedagógica e emocional do adolescente. Medica-se o jovem ansioso e agressivo, ao invés de ouvi-lo. É muito mais fácil encarcerar do que educar para a vida em sociedade.

Crê-se que o ECA tenha valorizado os vínculos de afeto na ocasião em que estabeleceu como prioritárias as necessidades pedagógicas do adolescente na escolha da medida, com preferência pelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, nos termos dos artigos 100, 112 , § 1º, e 112,§ 3º, do ECA.

A partir desses dispositivos, reconheceu-se a importância da presença da família do interno no processo socioeducativo o que equivale a dizer, em outros termos, que tanto o estabelecimento quanto a permanência de vínculos de afeto são de grande valia à recuperação do pequeno infrator.

Todavia, captou-se dessa parte textual uma apequena contradição: mesmo se tendo apregoado que é dever da família, do estado e da sociedade promover a proteção da criança e do adolescente, o ECA deixa ao alvitre da família fazê-lo, pois não há qualquer segurança do cárcere, o que mostra a falibilidade do sistema estatal, descomprometido com a qualidade dos estabelecimentos em que adolescentes cumprem a sua medida socioeducativa de internação.

Por fim, registre-se o intuito do ECA de que a submissão do adolescente a uma medida socioeducativa se estenda para além de uma mera responsabilização, embora isso quase nunca aconteça. Cuidou-se ainda de expressar o objetivo das necessidades sociais, psicológicas e pedagógicas do adolescente.

Feitas tais ponderações, passa-se à averiguação acerca de provimentos afetivos no SINASE.