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2.5 L EGISLAÇÕES BRASILEIRAS REFERENTES À INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA

2.5.2 Estatuto da Criança e do Adolescente e o Paradigma da Proteção Integral

CFB de 1988 transformou-se no Estatuto da Criança e do/a Adolescente pela Lei 8.069 em 13 de julho de 1990.

A aprovação dessa Lei foi resultante de um amplo processo de mobilização social ocorrido em todo o país nos anos 80 do século XX, e contou com o envolvimento de todos os segmentos relacionados à infância e juventude com as mais diversas “identidades ideológicas e composições sociais”. O único compromisso político de todos era a promoção e defesa dos direitos de crianças e dos/as adolescentes (COSTA, 1993, p. 18).

Participaram desse processo, ocupando lugar de destaque as seguintes organizações sociais: A Frente Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente; A Pastoral do Menor da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil); Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua (MNMMR); e A Comissão Nacional Criança e Constituinte.

O Estatuto não é somente a regulamentação de um artigo constitucional, mas é responsável pela implantação de um novo paradigma, com a superação da ideia corrente na sociedade de que crianças e adolescentes eram meros/as portadores de necessidades. Com isso, eliminou-se a forma coercitiva de reclusão pautada em motivos quase sempre relacionados ao desamparo social.

A base sustentadora da nova Lei é a Doutrina da Proteção Integral, concepção que na opinião de Costa (1993, p. 21), possui como principais características:

O reconhecimento do “valor intrínseco da criança e do adolescente como ser humano”; a necessidade de especial respeito à condição de pessoas em desenvolvimento; o valor prospectivo da infância e da juventude, como portadoras da continuidade do seu povo, da sua família e da espécie humana e o reconhecimento da vulnerabilidade que torna esse segmento

da população merecedor de proteção integral a ser garantida pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Essa mudança de paradigma significou igualar, no âmbito dos direitos sociais, crianças e adolescentes aos adultos, ou seja, aqueles têm os mesmos direitos que estes. E, ainda, os direitos devem ser aplicáveis em consonância com a idade.

Outra modificação relevante introduzida pela Lei é a de que as responsabilidades com criança e o/a adolescente foram divididas entre a família, a sociedade e o Estado, sob a égide do princípio da Absoluta Prioridade.

O Parágrafo único do art. 4º do ECA estabelece que a garantia da prioridade compreende:

a) Primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) Precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública;

c) Preferência na formulação e na execução das políticas sociais e públicas; (BRASIL: Lei N 8.069, p. 9).

Para tanto, tornaram-se necessárias algumas inovações introduzidas pelo próprio Estatuto. A primeira refere-se à política de atendimento, que passa a destinar-se a toda e qualquer criança e adolescente indiscriminadamente, e desenvolver-se-á por meio de “um conjunto articulado de ações entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” (art. 86 do ECA) (COSTA, 1993, p. 36).

São linhas básicas dessa política: políticas sociais básicas; políticas de assistência social; política de proteção especial e políticas de garantias. O Quadro 1 demonstra de que forma isto funciona.

Quadro 1 – Direitos da Criança e do/a Adolescente Política de Atendimento.

1) Políticas Sociais

Básicas Todas as crianças eadolescentes Universospopulação de Açõessaúde, Básicas deensino fundamental.

2) Política de

Assistência Social Criançaadolescente e necessitados

Segmento da

população alimentar, casas deComplementação acolhimento 3) Política de

Proteção Especial. Criançaadolescente eme situação de risco pessoal e social;

Casos e/ou

pequenos grupos Plantões; Reabilitaçãode drogaditos e Atendimento ao

adolescente Infrator/a;

4) Política de

Garantias. Criançaadolescentes e envolvidos em conflito de natureza jurídica

Casos/grupos Centros de Defesa, Ministério Público e Defensoria Pública.

Fonte: (COSTA, 1993; 35).

Outra novidade é a municipalização da política de atendimento – isto quer dizer que programas e ações direcionadas a essa população não deve ser pensadas e elaboradas numa esfera longe do local onde serão executadas. Ao contrário, toda atividade será planejada no local onde há de ser aplicada, transformando-se a ordem vigente da verticalização para a ordem da horizontalização e, com isso, muda-se a polaridade de responsabilidades. É a descentralização também proposta nas demais políticas sociais.

Tal descentralização de poder foi cuidadosamente prevista nos artis. 86 e 88 do ECA, que dizem respectivamente:

Art. 86 – A política de atendimento dos direitos da criança e do adolescente far-se-á através de um conjunto articulado de ações governamentais e não- governamentais, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

Art. 88 – São diretrizes da política de atendimento: I – municipalização do atendimento;

II – criação de conselhos municipais, estaduais e nacional dos direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis federal, estaduais e municipais; III – Criação e manutenção de programas específicos, observada a descentralização político-administrativa;

IV – [...]

E a terceira novidade implantada pelo Estatuto é e participação paritária e deliberativa de governo/sociedade civil a ser exercida pelos Conselhos de Direitos10, 10Colegiado composto paritariamente por representantes da sociedade civil organizada e por órgãos

governamentais, cuja principal atribuição é deliberar sobre as políticas públicas para todos os setores da sociedade ou segmentos da população. Formato este instituído pela Constituição Federal de 1988 na forma de organização e gestão das políticas sociais, garantido assim, a participação da sociedade nas deliberações das políticas públicas de saúde, educação, assistência social, infância e adolescência. Após a Constituição, tornou-se comum no Brasil a formação de Conselhos dessa natureza para discutir, deliberar e monitorar ações relacionadas a todos os segmentos sociais, tais como, mulher, idoso, pessoas com deficiência, seguridade social, população GLBT etc. Na área da infância existe o Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA),

em todas as esferas do governo: federal, estadual, distrital e municipal (COSTA e MENDEZ, 1993, p. 54).

Por fim, a introdução na estrutura de atendimento dos Conselhos Tutelares11, transferindo a estes os casos não relacionados à infração penal.

Para a efetivação dessa política de atendimento, tornou-se necessário um reordenamento institucional com imposição desses novos parâmetros de relacionamento entre Estado e Sociedade Civil para concretização da gestão dessa política específica.

O Estatuto promoveu também mudança de paradigma nas questões relacionadas a crianças e/ou adolescentes - a quem se atribua algum tipo de prática infracional. Nesse sentido, inaugurou uma nova fase para o atendimento aos/as envolvidos em ato infracional, fazendo uma opção pela inclusão social desses/as, retirando-os da condição de objeto apenas de intervenção do Estado, como era na vigência dos Códigos de Menores.

Dessa forma, o Título III da referida legislação referente à - Da Prática de Ato Infracional, capítulos do I ao V desse - está reservado para as referências, definições e caraterísticas do ato infracional, as circunstâncias em que crianças e adolescentes podem ser apreendidos, de quem é a responsabilidade em impor-lhes “sanções” e quais as medidas lhes serão impostas com o propósito de reparação do dano causado a si, a outrem e/ou à sociedade.

No próximo item, faz-se uma descrição da Política Nacional que regulamentou, a partir de 2012, a execução das medidas socioeducativas previstas no Estatuto a serem aplicadas a adolescentes, que após o devido processo legal, foram sentenciados/as a cumprir uma dessas medidas.

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