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45 CARDOSO, Arnaldo Pinto – op cit P 213.

1.6. Estatutos de D Luís de Sousa (1683)

A Congregação da Igreja e do Hospício de Santo António achou necessário fazer uns novos estatutos que fossem mais actuais, mas os acontecimentos de 1640, com a Restauração da Independência Portuguesa perante a dinastia filipina, não permitiu que fossem apresentados ao Papa, nem publicados85 o que levou ao seu esquecimento. Temos conhecimento da sua existência através das Actas das Congregações Gerais, de 28 de Agosto de 1639 e de 25 de Agosto de 164086.

D. Luís de Sousa, que foi Arcebispo de Braga e Embaixador de Portugal junto da Santa Sé, entre os anos de 1676 e 1682, foi quem esteve a frente dos novos Estatutos de 1683. Os quais se apoiaram, a nível da estrutura, nos Estatutos Nulos de 1640, por causa da sua estrutura organizada e dividida em três livros, que conferem ao documento uma maior clareza. Estes Estatutos foram aprovados inicialmente em 1678 na Congregação Geral do dia 19 de Abril, por parte dos governadores e deputados, e da própria influência de D. Luís de Sousa, mas só tiveram aprovação papal em 1683, com o Papa Inocêncio XI, através da bula “In Supremo Militantis Ecclesiae Solo”.

Encontra-se dividida em três partes, que ajudam a uma melhor compreensão dos estatutos, como a estrutura do próprio hospício. Na primeira parte encontramos todas as regras necessárias para a administração e

83 ROSA, Maria de Lurdes – op. cit. 84

Citado em nota de rodapé por ROSA, Maria de Lurdes - op. cit. P.341. AIPSAR, Cod. BB2 (Actas das Congregações 1611-1678), fl. 64.

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Podemos encontrar uma publicação feita pela Imprensa Nacional de Lisboa em 1889, não podemos esquecer que estes Estatutos nunca entrarão em vigor.

48 governação do hospício, na segunda tudo o que diz respeito ao culto divino e por último na terceira parte todas as regras necessárias para o bom funcionamento do hospício a nível assistencial. Sendo esta última parte a mais importante para o nosso estudo, já que as regras que foram delimitadas serão aquelas que estariam em vigor no período em que procedemos à observação do universo dos peregrinos no Hospício Português.

Embora não queiramos entrar em detalhes sobre a estrutura governativa do hospício, achamos necessário salientar de uma maneira geral a estrutura orgânica do mesmo. Vai-se manter o papel de Protector, que recairá no representante do Rei junto da Santa Sé, por conseguinte no Embaixador português junto da Santa Sé em Roma. Esta estrutura coloca, de imediato, a instituição, na esfera das elites políticas, cujos contornos não poderemos, de momento, aprofundar. Impunha-se que existisse uma congregação composta pelo número de 20 representantes da nação portuguesa em Roma, os quais deviam ser portugueses ou filhos de portugueses, homens honrados, virtuosos e de boa consciência87. Entre estes 20 seriam eleitos 2 governadores e 5 conselheiros. O cargo de governador vai ter ampliados os seus poderes88 e a nível das suas obrigações terá nas suas mãos uma grande responsabilidade para o bom funcionamento do hospício, desde a inventariação dos bens existentes no hospício a as questões de cariz financeiro, como o pagamento do boticário, para o tratamento dos doentes, ao dinheiro entregue ao hospitaleiro para a distribuição das esmolas pelos peregrinos89. Os 20 portugueses, entre eles os 5 conselheiros e os 2 governadores terão nas suas mão a administração da “Real Igreja, Casa e Hospital de Santo António dos

Portugueses em Roma”.

No que diz respeito à assistência prestada, algumas das normas que são estabelecidas nestes estatutos são as seguintes:

 O hospitaleiro: 87

Estatutos da Venerável Igreja e Hospital de Santo António da Nação Portuguesa em Roma. Roma: Câmara Apostólica 1683. P. 13.

88

Idem. P. 59-63. 89

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 Só poderá receber peregrinos com autorização do governador90.

 Deve ter, sempre disponível, a água quente para lavar os pés dos peregrinos que chegarem91.

 Entregara a esmola de 3 Julios92.

 Apontara no respectivo livro as informações referentes ao peregrino93.

 Fará inventário de tudo o que existe no hospício94.

 Manterá no mínimo 10 camas “limpas e polidas”95

para os peregrinos.

 Fechará de manha e abrira a noite o hospício e manterá sempre acesa uma lâmpada a Nossa Senhora96.

 Não permitira comportamentos pouco dignos no hospício, nem conflitos97.

 Ficara encarregue do mantimento do hospício e não permitira que as coisas dele sejam levadas para a enfermaria98.

 As pessoas hospedadas no hospício poderão ficar nele de acordo com o seu estatuto social e condição, da seguinte maneira99:

 Sacerdotes: 2 meses.

 Frade cuja ordem não exista em Roma: 1 mês.

 Peregrinos: 1 mês.

 Dispensante: até obter a sua dispensa.

 Litigar por outra pessoa: 15 dias.

Por cauza sobre impetra de benefício de homem vivo, quer seja

própria ou alheia100: 8 dias. 90 Ibidem. P. 129. 91 Ibidem. P. 130. 92 Ibidem. P. 130. 93 Ibidem. P. 130. 94 Ibidem. P. 130. 95 Ibidem. P. 131. 96 Ibidem. P. 131. 97 Ibidem. P. 132. 98 Ibidem. P. 133. 99 Ibidem. P. 136.

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 Devendo todos eles prestar respeito ao hospício como ao hospitaleiro.

 As mulheres que chegarem ao hospício deverão receber, como já tinha sido estabelecido anteriormente, a esmola e lhe será procurado alojamento digno.

 Na enfermaria devem ser prestados os seguintes serviços:

 Aparte de curar o corpo o doente também curara a sua alma recebera a confissão e a comunhão e caso seja necessário a Extrema-unção101.

 Não se admitirão doentes com doenças contagiosas, nem ferimentos graves102.

 O médico deverá visitar os doentes duas vezes ao dia103.

 O barbeiro deverá vir a fazer a sangria aquando do pedido do médico e o boticário devera trazer os medicamento frescos e bons, caso contrario não lhe será pago o serviço104.

 As camas da enfermaria não poderão ser utilizadas pelo hospício105.

 O enfermeiro:

 Encontra-se ao serviço do hospitaleiro, por esse motivo deve acatar as ordens do mesmo e ficar no seu lugar caso seja necessário106.

 Não administrará nenhum remédio sem autorização do médico e acompanhara o mesmo, como o cirurgião e o barbeiro nas suas visitas a enfermaria e os advertira do estado de saúde dos doentes107. 100 Ibidem. P. 136. 101 Ibidem. P. 138. 102 Ibidem. P. 140. 103 Ibidem. P. 140. 104 Ibidem. P.141. 105 Ibidem. P. 142. 106 Ibidem. P. 143. 107 Ibidem. P. 144.

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 Se encarregará da limpeza da enfermaria, da alimentação dos doentes e dormira junta da mesma para poder vigiar o estado de saúde sãs pessoas internadas108.

Como se observa, nestes estatutos muitas das regras estabelecidas a nível assistencial copiam os estatutos anteriores, mas ao mesmo tempo adaptam-se às novas exigências de um espaço maior e com novas competências. A enfermaria que tinha sido, desde a origem desta instituição, um objectivo integrado na assistência prestada, surge como um espaço autónomo, mas que trabalha em conjunto com o hospício. Isto revela como o hospício com o passar dos séculos, à parte do facto da própria estrutura administrativa ficar mais complexa, parece crescer o seu poderio económico, de maneira a permitir que a assistência prestada se alargue a outro patamar, que não era possível no passado e ao mesmo tempo se adapte às exigências do tempo.

Verifica-se, assim, uma complexificação não só a nível administrativo, mas também a nível assistencial, há uma evolução do hospício para uma maior controlo do espaço e das pessoas que nele se encontram, de maneira a permitir uma melhor assistência e ajuda prestada aos portugueses que chegam a cidade. A própria assistência dada aos portugueses sofre uma evolução certamente comparável ao que se ia fazendo um pouco por toda Europa. Um exemplo revela-se no facto de se passar de uma simples acção de lavar os pés e oferecer uma cama, para ajudar também aqueles que precisem de assistência médica.

As questões que se podem, agora, levantar são as seguintes: será que as normas que foram estabelecidas nestes estatutos foram levadas a cabo pelo mesmo? Será que o tipo de assistência que é oferecida foi realmente dada aos peregrinos portugueses?

No artigo de Maria de Lurdes Rosa, na análise feita pela mesma autora aos Estatutos de 1683, sugere que eles apontavam a produção de livros de

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52 registos do hospício e da enfermaria. Ou seja, os estatutos produziram acções, registadas. Estes livros, a existirem, representariam a prova do funcionamento destes espaços e se o que era estabelecido nos estatutos tinha sido levado a cabo. Os livros elencados seriam o Livro de registo dos peregrinos, Livro dos enfermos, Livro das esmolas aos peregrinos, Inventário da roupa do hospital e enfermaria e Lista de gastos. Infelizmente, como veremos, só um século depois encontramos livros com informação específica sobre a dinâmica do hospício.