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CONCEPÇÕES DE GESTORES SOBRE O CUIDADO EM SAÚDE AOS USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NA ESTRATÉGIA SAÚDE DA FAMÍLIA

1. Estigma e Curativismo.

Um dos aspectos, talvez o mais relatado, apresentado pelos gestores foi a dificuldade em relação às ações preventivas aos usuários de álcool e outras drogas, algo que de certa maneira justifica a forma curativista com a qual os profissionais atuam em relação à demanda em questão:

“(...) em geral, eles são pessoas com uma dificuldade de fazer

prevenção, e acabam usando o serviço de maneira mais curativa (...) quando ele se interessa em realizar um tratamento, uma prevenção

ou um seguimento de saúde, a rede tem esses espaços de tratamento

específico para eles (...) ele não comparece à unidade, ele comparece quando ele sente dor, quando ele precisa de um atendimento rápido, um atendimento curativo”. (Gest7)

Outro gestor fez um comentário na mesma direção:

“Então assim, eles vêm aqui para fazer um tratamento, uma prevenção, não. Eles querem que resolva o problema na hora, tirar a

dor (...) mas não um acompanhamento, nós não temos”. (Gest8)

As falas dos gestores soam como argumento explicativo para a realização de um cuidado “possível” a um grupo de pessoas que possui características que limitam a atuação dos profissionais da saúde. É como se a execução do cuidado somente fosse possível a partir do que é demandado, clínica e momentaneamente, pelos usuários quando procuram o atendimento.

Agir com preconceito é destacar no outro, de forma negativa, o que ele possui de diferente; momento em que há uma alegação da própria identidade como predominante e superior. Sob outra perspectiva, o estigma destaca algo que vai além do julgamento prévio, evidencia um defeito, descrédito, uma mancha na imagem de um sujeito, fato que presume impureza, desaprovação e contágio, portanto, passível de urgente isolamento26.

Os usuários de álcool e outras drogas passam por um processo de isolamento social, muitas vezes relacionado ao abandono e as rupturas de laços afetivos com a família e rede de apoio. Na mídia, política e debates da sociedade civil são valorizadas as questões negativas relacionadas à temática, fato que fomenta não apenas o preconceito, como também o estigma em relação a esses sujeitos27. Entretanto, a identificação desses pontos revela apenas o que se apresenta – aparência - em relação à proposição e, pelo referencial adotado, presume desvelar a essência do exposto.

Em cada conformação econômico-social historicamente experimentada pela humanidade (comunista primitiva, escravista, feudal e capitalista), o cuidado tem adotado uma dinâmica, dadas as particularidades do seu tempo. Na sociedade capitalista, o trabalho (práxis geral) e as práxis particulares (exemplo: cuidado em saúde) são processos de formação

de valor, portanto, não são orientados à livre provisão das necessidades humanas, mas sim, às exigências do mercado12,28.

Nesse processo, a “unidade orgânica da pessoa”, suas propriedades físicas e psíquicas são consideradas pelo capital como coisas que o homem pode possuir e vender; portanto, o “elemento” mais significativo do processo produtivo e onde o capital investe, é no trabalhador (a) que portam em sua corporalidade a força de trabalho29. Somado a isso, também exigirá distintas formas de organização e administração do processo de trabalho – nesse caso, trabalho em saúde.

Nos últimos anos, a assistência à saúde tem se mostrado cada vez mais com características empresariais gerenciais, onde a contratualização de resultados é uma das ferramentas mais incorporadas à política pública30. Com o alvo voltado para os resultados, restringe-se o tempo de contato entre profissional de saúde e usuário do sistema. Desse modo, tendencialmente, os espaços de cuidado longitudinais - Unidade de Saúde da Família - formatam-se em dispositivos para atendimento de casos agudos típicos de pronto atendimentos31.

No atual período histórico, as demandas tocantes ao sofrimento e às queixas de origem psíquica - menos orgânica - tornaram-se os principais motivos de procura por serviços de saúde32. Essas condições exigem dos profissionais de saúde um cuidado crítico, reflexivo e contínuo. Entretanto, o trabalho em saúde tem passado por mudanças gerenciais que o colocam como práxis mecanizada, fragmentada e impessoal, próprias do processo de extração de valor.

Frente aos usuários de álcool e outras drogas - detentores de um corpo improdutivo ao capital – a medicalização e a resolução imediata da demanda, surgem como atenuantes do conflito social que esses indivíduos trazem consigo. Assim, a questão social vinculada a estes sujeitos é neutralizada por meio da sua crescente transposição para o universo do corpo orgânico individual, abordados sob o aparato das ciências biomédicas33,34.

Progressivamente, corpos desviados pelo capital ou “anormais” deixaram de ser controlados por instituições reconhecidamente opressoras, o que é um inegável avanço. Porém, o que se observa atualmente é uma transferência de controle para os serviços de saúde. Isso não tem resolvido as contradições dessa questão, apenas modifica sua abordagem.

Como apontado pelos sujeitos pesquisados, espera-se que os usuários de álcool e outras drogas vivenciem a prevenção em saúde. Cabe atentar, entretanto, que até mesmo estas orientações para as direções corretas de viver são expressões da natureza normatizadora das

práticas em saúde, as quais, consequentemente, são respostas à crescente ultraespecialização e ao aumento de custos dos serviços em razão da gradual incorporação de equipamento33,35.

Para estes profissionais, o atendimento agudo parece resolver a demanda e ao mesmo tempo blindá-los o de um possível envolvimento com a problemática. Aparentemente, realiza- se o que o usuário “necessita” naquele momento em que busca por cuidado. Contudo, tanto nos atendimentos contínuos, como nos agudos, as determinações sociais do fenômeno em estudo estão presentes e emoldurar o cuidado aos usuários de álcool e outras drogas ao campo das ciências naturais, nada mais é que alienar-se enquanto trabalhador da saúde e, consequentemente, como ser social vinculado à totalidade que o permeia33.

2. As necessidades de saúde.

Ao dialogar sobre a relevância do reconhecimento das necessidades de saúde dos usuários, os participantes denominaram a questão discutida como “doença”, assim caracterizada pelo interior das ciências naturais. Dada à formação dos profissionais, essa percepção é legítima. Porém, demanda uma compreensão pelo olhar das relações sociais e seus desdobramentos para a saúde.

“(...) eu paro um pouco e me coloco fora da situação (...) como

profissional identifico às vezes que ele têm várias questões de necessidades de saúde que tem que ser trabalhadas (...) mas, muitas

vezes, na perspectiva do usuário, essas não são as necessidades de

saúde dele, entendeu? As necessidades de saúde dele são outras, ele tem outras prioridades”. (Gest1)

“(...) não é fácil, gente (...) é uma doença (...) gera dor física, o

corpo pede, a cabeça pede e ele quer aquilo. Então não vai pelo

julgamento, “pô, ele é sacana”, não é isso. Ele precisa de ajuda”. (Gest3)

Refletir sobre como as relações sociais podem ser observadas por dentro do setor saúde exige a compreensão o que é trazido por Illich36,37, onde para ele, o capitalismo envolve a sociedade em uma lógica onde os indivíduos estão cada vez mais condicionados a consumir bens e serviços, entre eles os cuidados em saúde. Nessa perspectiva, a racionalidade hegemônica biomédica organiza-se para designar o que é ou não doença, como também o que é adequado ou não para os indivíduos, submetendo-os, muitas vezes, a rotineiras avaliações

pelo serviço de saúde. Isso, não somente isenta profissionais e usuários de qualquer tipo de responsabilidade política e social em relação às necessidades de saúde, como os tornam dependentes de intervenções terapêuticas.

Neste horizonte hegemônico os Determinantes Sociais da Saúde são definidos por uma Comissão Nacional como “fatores sociais, econômicos, culturais, étnicos/raciais,

psicológicos e comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e fatores de risco na população”38

. Consequentemente, o Sistema Único de Saúde (SUS)

planeja e executa suas atividades a partir dessa compreensão dos determinantes e condicionantes dos problemas que se apresentam no cotidiano de suas práticas7. Assim, o conceito de risco é incorporado na prática clínica de forma reificada, como problemas sociais apresentados como estilhaços autônomos de uma realidade, o que contribui para o isolamento e divisão das determinações do processo saúde doença39.

Para a ciência moderna, o mundo é compreendido a partir do que sua aparência revela, entretanto para a visão ontológica aqui adotada, entender a essência do que se apresenta, é fundamental. Por consequência, os DSS precisam ser debatidos e assimilados como conjunto, questão social, com substância material e inseparável do processo de trabalho, que no capitalismo teve como uma das principais consequências o aprofundamento das desigualdades sociais pela ampliação da produção de riquezas. Ou seja, a determinação essencial para a problemática da saúde encontra-se no processo de acumulação capitalista40.

A saúde, como qualquer setor de prestação de serviços públicos, elabora diretrizes políticas que se materializam nos processos de trabalho da assistência e da gestão. Este arranjo é construído em uma tensão entre os interesses da acumulação capitalista, os conflitos de classes, os grupos, os partidos, a pressão popular, os lobbies, entre outros41. Neste debate, sobressai o cuidado em saúde que se particulariza como agir técnico-científico fragmentado, profissionalizado e especializado42, que, reificado viabiliza o processo de produção43.

As necessidades de saúde, nos distintos grupos sociais, refletem as características dos processos saúde-doença a partir da forma de produção e reprodução social. Portanto, para que se possa organizar um sistema de saúde e planejar a prestação de serviços à população é essencial o entendimento desse conceito44. Uma vez que, fazer de uma questão social, uma questão compreendida apenas como natural-biológica, incorre em desdobramento ideológico inegável, ocultador das contradições sociais de lhe determinam.

A máxima da formação social vigente é de que os “processos de tomada realista de decisão”, orientados para os mercados, não devem ser incomodados e/ou bloqueados pelos estímulos relativos à saúde, ou até mesmo à simples sobrevivência45. E o homem, inserido

neste processo produtivo, torna-se alienado no momento em que há a possibilidade de que suas atitudes (objetivações) – imersas na ideologia hegemônica - terminem por se transmudar em barreiras ao pleno desenvolvimento humano46.

Certamente, a partir do momento presente não é possível uma exata previsão sobre futuro, mas entender que o homem, fincado ao processo exposto também se produz enquanto ser social, inclusive em pensamento, abre um espaço para a possibilidade de que o mesmo também possa se desalienar. Ou seja, se o seu pensamento pode coisificar, também descobrir a reificação e apanhar outros movimentos do real, explorando-os como verdadeiras possibilidades para a superação das alienações e construção de uma sociedade emancipada, nas quais tais estranhamentos não possam mais operar46.

Esta pesquisa não pretendeu avaliar a atuação dos gestores da atenção primária em saúde em relação à demanda trabalhada, apenas trouxe à tona os seus entendimentos acerca do objeto de estudo, explorando-os por meio da perspectiva da totalidade social. Para que assim, esses trabalhadores possam se reconhecer como atores ativos de uma conformação sócio histórica capitalista, que mesmo marcada por inúmeras contradições, oferece elementos que possibilitam a superação desta ordem societária.

Por fim, para o referencial adotado, a subjetividade possui função indispensável na vida social e, mesmo que sempre delimitada pelas possibilidades históricas postas pelo devir humano dos homens, não é refém do processo social, mas elemento integrante do mesmo, tanto produto como produtora do mesmo e fundamental para as (im)possiblidades das transformações e/ou reproduções da realidade sócio institucional.

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3 DISCUSSÃO

A sociabilidade humana incorpora, além das necessidades ligadas ao biológico, outras historicamente construídas, originárias das atividades sociais e de trabalho (Lessa, 2006). No cuidado ao usuário de álcool e outras drogas os profissionais de saúde caracterizam as necessidades dessa demanda como “doença”, portanto, pelo interior das ciências biomédicas, território onde se sentem mais seguros por ser de seu domínio teórico-prático (Gomes, 2017).

Na perspectiva biomédica, os profissionais almejam o tratamento e a abstinência como conduta ideal para os casos, pois se preocupam com os possíveis prejuízos que este uso possa trazer à saúde das pessoas, bem como o consideram um problema de saúde pública que roga por “cura” e estratégias preventivas - estas também expressões da natureza normatizadora das práticas em saúde. Isso desconsidera a questão social vinculada ao uso e a neutraliza, uma vez que a transfere para o universo do corpo orgânico individual.

Costa e Paiva (2016), em estudo sobre concepções dos profissionais de saúde sobre o uso de drogas no Brasil, pontuam que as atitudes dos profissionais são moralizantes e preconceituosas, com uma prática que criminaliza o uso de álcool, principalmente nas classes menos favorecidas, pautada por condutas normatizadas, foco na eliminação dos riscos e na abstinência total, em consonância com o modelo hegemônico, e distante das necessidades dos sujeitos e da complexidade que envolve a questão.

Mesmo o modelo sociocultural, que explica o uso de álcool e outras drogas em função do meio cultural e pensa as ações em saúde voltadas para grupos, comunidade e família não adentra as raízes reais (essência) da problemática (Souza, 2012).

Para o entendimento sobre o envolvimento desses sujeitos com o fenômeno trabalhado é essencial uma análise das condições de produção e reprodução da existência dessas pessoas na sociedade capitalista contemporânea, já que esta determina tanto o envolvimento quanto o resultado a ele relacionados. Ou seja, uma compreensão pelo olhar das relações sociais e seus desdobramentos para a saúde.

Como toda questão relativa à vida, o uso de álcool e outras drogas necessita ser visto como inscrito no âmbito da sociedade vigente. Portanto, não descolado do real conjunto de relações sociais sob as quais as pessoas se constituem, o que presume o debate não apenas sobre os aspectos biológicos, como também acerca das determinações do processo saúde- doença a partir do processo de produção e reprodução social (Souza, 2012; Shimoguiri e Rosa, 2017; Paixão et al., 2018).

Nesse processo, a “unidade orgânica da pessoa”, suas propriedades físicas e psíquicas são consideradas pelo capital como coisas que o homem pode possuir e vender. Portanto, o

“elemento” mais significativo do processo produtivo e onde o capital investe, é no trabalhador (a) que portam em sua corporalidade a força de trabalho (Lukacs, 2003). Assim, o capitalismo é uma conformação social na qual o homem somente tem lugar quando pode ser transformado em mercadoria (Lessa, 2006).

Em cada conformação econômico-social historicamente experimentada pela humanidade (comunista primitiva, escravista, feudal e capitalista), o cuidado tem adotado uma dinâmica, dadas as particularidades do seu tempo. Na sociedade capitalista, o trabalho (práxis geral) e as práxis particulares (exemplo: cuidado em saúde) são processos de formação de valor, portanto, não são orientados à livre provisão das necessidades humanas, mas sim, às exigências do mercado (Souza e Mendonça, 2017).

O processo saúde-doença expressa, portanto, nos planos material e simbólico, objetivo e subjetivo, muitas das contradições sociais, patologias do 'corpo e da alma' que são os

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