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2 REVISÃO DE LITERATURA

2.3 ESTIGMA E DOENÇAS DE PELE

A pele é revestimento e limite, barreira e órgão de aproximação. Nela, surgem as sensações iniciais que possibilitam o contato com o mundo externo e com outros seres. Através dela, ocorrem as primeiras trocas que permitem o estabelecimento das relações objetais primeiras, que darão origem a todas as relações posteriores, influenciando-as. Assim, tudo que afeta a pele altera a relação do indivíduo com o outro, o que certamente modificará a evolução e o resultado de suas experiências vitais e provocará significativas mudanças no curso da fase que está sendo vivida no momento (KOWACS, 2009, p. XVI).

Conforme aponta Nadelson (1978), todas as pessoas apresentam respostas emocionais quando acometidas por algum tipo de doença. No caso específico da doença de pele, esta irá trazer emoções perturbadoras para os sujeitos. A partir da relação popular existente entre sujeira e doença, pessoas que possuem dermatoses podem apresentar sentimentos adversos, com a ideia de serem indivíduos “sujos”.

A pele, além de ser um órgão que reflete as emoções, é o delimitador físico do sujeito com o mundo. Doenças de pele, que apresentam manchas em regiões visíveis, aumentam a probabilidade de estigmatização. Em muitos casos, essas manchas não podem ser “escondidas” do olhar alheio. Além do adoecimento, o sujeito com uma doença de pele se defronta com a possibilidade de não possuir um controle sobre o conteúdo do seu próprio corpo; assim como, com os significados que a doença carrega ao longo dos tempos (NADELSON, 1978).

Portanto, como Barankin & Dekoven (2002) apontam, essas doenças não devem ser apenas analisadas pelos sinais e sintomas apresentados, mas, também, pelos fatores psicológicos e sociais associados.

Goffman (1998) esclarece que a palavra “estigma” deriva-se do grego, referindo- se a sinais que denotam uma evidência do mal ou de uma atitude amoral realizada pelo sujeito acometido pelas manchas. Esses sinais estão associados a pessoas que devem ser evitadas pelos outros, pois se tratam de traidores, escravos, criminosos ou com características poluentes.

A sociedade pré-estabelece predicados aos indivíduos, tidos como comuns e, assim, os caracterizam como “normais”. Ser “normal”, então, é apresentar características que se encontram de acordo com os padrões estabelecidos pela sociedade. Aqueles que se apresentam de maneira diversificada, afastam-se dos estilos estabelecidos, podendo ser vítimas de preconceito por carregarem consigo características diferenciadas das previstas. Isto é ser “diferente”.

Goffman (1998) ainda afirma que há três tipos de estigma: as abominações corporais, ou seja, as deformidades físicas; as culpas de caráter, tendo como exemplos, o alcoolismo, as disfunções mentais; e, estigmas de raças, nações e religiões, que são perpassadas entre gerações.

Diante dessa categorização, observa-se que as doenças de pele encontram-se inseridas no âmbito da estigmatização, por apresentarem deformidades físicas à aparência. Ginsburg & Link (1989) afirmam que o estigma pode ser adotado como uma marca biológica ou social que diferencia os indivíduos, ocasionando uma falta de respeito e interferência negativa nas relações interpessoais estabelecidas.

Embora a maior parte das dermatoses não apresente afecções letais para os indivíduos por elas acometidos, este grupo de doenças pode oferecer importantes impactos, pelas manchas e alterações que proporcionam. Assim, esta estigmatização pode gerar prejuízos para a própria percepção do sujeito afetado (MARTINS, TORRES, OLIVEIRA, 2008).

Ainda de acordo com Martins; Torres & Oliveira (2008), a pele, por expor a identidade do sujeito ante o mundo, ao se apresentar com alterações, devido à presença de dermatoses, pode ocasionar no indivíduo sentimentos de angústia, culpa, raiva, vergonha, preconceito e medo.

Segundo Gon; Rocha & Gon (2005), o sujeito que possui algum tipo de dermatose precisa conviver com duas situações. Primeiramente, necessita lidar com o desconforto das alterações físicas que se encontram marcadas no corpo e, por isto, submeter-se a uma rotina de tratamento, para que haja um controle no aparecimento e agravamento destas manchas. Além disso, ainda tem de conviver com a possibilidade de discriminação, dentro do contexto social no qual se encontra inserido.

Os autores supracitados realizaram um estudo, em uma população brasileira, com crianças portadoras de dermatoses crônicas. Na pesquisa, foi utilizado o livro “Marca Angelical”, que possui ilustrações, sem texto, de uma criança com doença de pele. A partir disso, os pesquisadores solicitaram a essas crianças que criassem histórias para a personagem. Mediante os relatos verbais dessas, eles puderam concluir que o preconceito e a estigmatização estão presentes na sociedade, e que não somente as crianças, mas também os familiares de indivíduos com doenças de pele encontram dificuldades no enfrentamento de determinadas situações diárias (GON; ROCHA; GON, 2005).

Papadopoulos & Bor (1999, p. 27) relatam que “um dos maiores desafios de viver com uma doença de pele é ter que lidar com as reações dos outros”. Para esses autores, as alterações na pele ocasionam diversos comentários e questionamentos, podendo ser considerados pelos sujeitos que possuem a doença como uma forma de invasão de privacidade.

Em alguns casos, ainda pode ocorrer o que se denomina “morte social”, ou seja, as pessoas se afastam de seus contextos sociais, afetando diretamente seus relacionamentos. Consequentemente, já que o apoio social oferecido é considerado como um fator de proteção quanto ao surgimento e progressão da patologia de pele, a ausência deste pode interferir diretamente no prognóstico (PAPADOPOULOS; BOR, 1999).

Estes mesmos pesquisadores ainda pontuam que o estigma sentido e associado às doenças de pele dependerá de muitos fatores. Dentre eles, o tipo, o curso, o tratamento e os mitos e crenças que estão associados à patologia, de uma forma geral. Concomitante a esses fatores, há ainda as percepções individuais que os sujeitos associam às suas condições patológicas, o que, em conjunto, influenciará no ajustamento particular destes (PAPADOPOULOS; BOR, 1999).

As implicações psíquicas de doenças socialmente estigmatizadas são grandes, pois as pessoas que as possuem passam a ser confundidas com suas doenças e com os significados simbólicos que elas carregam. Possuir uma doença que tem uma conotação negativa implica ser visto como um indivíduo que possui qualidades negativas [...] No caso das doenças de pele, como o vitiligo, o estigma aparece registrado na própria imagem do indivíduo, marcado e manchado como se algo de sua natureza precisasse ser revelado e reconhecido pelo outro.

Para tanto, Papadopoulos & Bor (1999, p.3) trazem a seguinte correlação:

[...] de contos de fadas para as novelas, os vilões são geralmente descritos como tendo não só personalidades desviantes, mas também “desviantes” características físicas. Heróis, por outro lado, são freqüentemente retratados como perfeitos e lindos.

Assim, quer seja na ficção, mitos e contos, quer seja na realidade, o estigma encontra-se presente nas doenças de pele. Isso pode oferecer grandes interferências na vida do ser humano, por este não se apresentar, em seu aspecto físico, de acordo com o que se é esperado pela sociedade. Logo, essa simbolização que permeia a vivência do paciente com uma doença de pele não pode ser negligenciada pelos cuidadores.