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2 BASES TEÓRICAS: ELEMENTOS DE INSPIRAÇÃO ANALÍTICA

2.5 A estigmatização do outro

As relações sociais, em uma sociedade globalizada, é marcada por uma série de conflitos que representam de maneira contundente as distorções nas relações entre os diversos atores sociais. Esses confrontos são encarados sob a ótica das relações de poder que, através da dialética dominante/dominado, cria estigmas com o objetivo de marcar o que é “diferente”, excluindo-o do convívio social digno.

O termo estigma foi criado pelos gregos para destacar os sinais corporais que eram marcados, através da violência, em escravos, criminosos, traidores, entre outros. O portador de tais sinais passaria a ser excluído do convívio social e seria alvo de descrédito quanto à questão moral (GOFFMAN, 1988). Para Ronzani, Noto e Silveira (2015),

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O estigma é uma construção social que representa uma marca a qual atribui ao seu portador um status desvalorizado em relação aos outros membros da sociedade. Ocorre na medida em que os indivíduos são identificados com base em alguma característica indesejável que possuem e, a partir disso, são discriminados e desvalorizados pela sociedade.

As marcas acima referidas não trazem consigo, de forma inata, quaisquer qualidades ou defeitos. Essas características são produzidas através das relações sociais que forjam os rótulos e as subjetividades (TEIXEIRA FILHO, 2005). Para o autor, a geração desses estigmas está diretamente ligada aos processos de subjetivação que podem ser produzidos por homogeneização ou por singularização.

Conforme Teixeira Filho (2005) os processos de subjetivação homogeneizante tem por critério gerar uma moral universal que desconsidera as 20 diferenças no modo de viver, criar, amar, entre outros. Já o processo de singularização é caracterizado pelo movimento constante e heterogêneo. É através da singularização que ocorre o rompimento com modelos pré-estabelecidos, assim, as marcas podem ser destituídas de atributos a ela associados de forma a serem ressignificadas.

De acordo com pesquisador Erving Goffman, em sua obra “Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada” de 1988, é possível constatar a existência de uma identidade social que pode ser virtual ou real. Para o autor a identidade social virtual é aquela atribuída ao sujeito através de concepções hegemônicas pré-estabelecidas, são impressões que os outros formam a respeito de uma pessoa. Por sua vez, a identidade social real é aquela baseada em atributos concretos demonstrados pelo ser social.

Além das identidades acima referidas, Goffman (1988) apresenta a noção de identidade pessoal. Segundo o pesquisador a identidade pessoal refere-se à hipótese de que cada indivíduo é único em termos de sinais de identificação pessoal. O autor explica que é justamente através dessa unicidade que ele se diferencia dos demais criando uma história ininterrupta e singular dos fatos sociais.

20 Um exemplo de subjetivação homogeneizante é quando se atribui a um indivíduo uma determinada identidade social estabelecida por meio de categorias e atributos considerados comuns e naturais.

51 De acordo com Goffman (1988) podem-se mencionar três tipos de estigma distintos, a saber:

Em primeiro lugar, há as abominações do corpo - as várias deformidades físicas. Em segundo, as culpas de caráter individual, percebidas como vontade fraca, paixões tirânicas ou não naturais, crenças falsas e rígidas, desonestidade, sendo essas inferidas a partir de relatos conhecidos de, por exemplo, distúrbio mental, prisão, vício, alcoolismo, homossexualismo, desemprego, tentativas de suicídio e comportamento político radical. Finalmente, há os estigmas tribais de raça, nação e religião, que podem ser transmitidos através de linhagem e contaminar por igual todos os membros de uma família. Em todos esses exemplos de estigma, entretanto, inclusive aqueles que os gregos tinham em mente, encontram-se as mesmas características sociológicas: um indivíduo que poderia ter sido facilmente recebido na relação social quotidiana possui um traço que pode-se impor a atenção e afastar aqueles que ele encontra, destruindo a possibilidade de atenção para outros atributos seus. Ele possui um estigma, uma característica diferente da que havíamos previsto. Nós e os que não se afastam negativamente das expectativas particulares em questão serão por mim chamados de normais . (GOFFMAN, 1988, p. 14)

A estigmatização e as marcas, propriamente ditas, revelam relações de dominação e de poder. Os sujeitos estigmatizados sofrem com a exclusão, o preconceito e a discriminação. Para Parker (2013), o estigma e o preconceito possuem processos sociais bastante parecidos e em ambos os casos abrangem categorização, rotulagem, estereotipagem e rejeição social. Conforme Parker (2013, p. 28) os dois conceitos são “atitudes negativas adotadas por alguns em relação a valores específicos de outros: minorias raciais e étnicas, pessoas com doenças mentais, pessoas com HIV, e assim por diante”.

Para Goffman (1988) as pessoas normais creem que os estigmatizados possuem uma humanidade parcial e por isso são objetos de discriminação. Assim sendo, cria-se uma teoria do estigma para explicar essa inferioridade baseada nas diferenças e usam-se termos específicos de representação que reforçam essa discriminação.

A determinação de um estigma ocorre de forma arbitrária lançando um olhar sobre a identidade do outro. Conforme Goffman (1988) a manipulação do estigma se dá através da criação de estereótipos que traduzam as possibilidades de construção de comportamentos normativos em relação à moral. Ou seja, a manipulação do estigma também é a manipulação de identidade, pois criam-se

52 normas do que viria a ser a identidade padrão desrespeitando quaisquer formas de pluralidade sociocultural.

Tratar de indivíduos estigmatizados é tratar de sujeitos discriminados e excluídos. A imposição social de um estigma, ou seja, a marcação de uma diferença em relação a uma identidade normativa produz reflexos sociais e psicológicos na vida dessas pessoas. Grupos de indivíduos são atirados à margem do convívio social digno, e sofrem com todo tipo de preconceito e discriminação. A população negra é trancafiada nas periferias das grandes cidades, relegadas ao subemprego e ao racismo estrutural que impede qualquer mobilidade social. As mulheres tem a identidade marcada por acepções de gênero sofrendo um controle social do seu comportamento, além de violências físicas e das desigualdades com relação às condições salariais. Os membros da comunidade LGBTT+ sofrem violências diárias, físicas e psicológicas, enfrentam dificuldades no mercado de trabalho e no convívio social.

Para Ronzani, Noto e Silveira (2015, p. 8), “É importante compreender que o estigma existe em um círculo vicioso: o estigma encoraja o preconceito e a discriminação e estes, por sua vez, reforçam a ocorrência do estigma”. Ou seja, é um sistema que se retroalimenta sempre em uma constante.

À vista disso, para construir uma sociedade mais justa e plural deve-se combater todas as formas de estigmatização, preconceito, discriminação, desigualdade e exclusão, sobretudo, as relativas a raça e classe social, com o objetivo de romper com esse círculo vicioso que condena as pessoas estigmatizadas à pobreza e à dominação social por grupos hegemônicos.

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