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PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS E TÉCNICOS

2.4 Estilo e o estudo da cerâmica arqueológica

O estudo da cerâmica arqueológica pode ser dividido em três momentos, segundo Orton, Tyers e Vince (1997, p. 17-22), inicialmente a fase histórico-artística que abrange os séculos XVI a XIX, neste período interessavam apenas as vasilhas inteiras, decoradas e bem acabadas. O segundo momento é a fase tipológica que vai de 1880 a 1960, tem início os sistemas de classificação tanto de fragmentos como de vasos inteiros. Um tipo cerâmico era identificado pelos diferentes atributos, e o material podia ser ordenado por sequências locais para formar cronologias, tendo como principal ferramenta metodológica a seriação.

Para os autores, a partir da década de 1960, tem início a fase contextual que contou com o trabalho pioneiro de Shepard (1956), um momento chave para os estudos de cerâmica. Assim, a identificação dos tipos contribuia para a cronologia; as matérias-primas e suas fontes para estudo do intercâmbio e as características físicas das vasilhas para entender seu lugar no

desenvolvimento tecnológico. A partir de então, tem início, para os autores, uma diversidade de enfoques, desde estudos de tecnologia, etnoarqueologia, questões de estilo e problemas de mudança (ou a falta de mudança) dos conjuntos cerâmicos. As duas principais linhas de análise cerâmica são os estudos tecno-tipológicos e de estilo (decoração e forma) (ORTON; TYERS; VINCE; 1997, p. 26-27).

Para Alves (1991), no Brasil a formação e o estudo de coleções cerâmicas tiveram início em princípios do século XX, e por longo tempo as pesquisas basearam-se em coleções, privilegiando-se a descrição de traços formais e estéticos. Para a autora, a partir de 1950, a pesquisa sobre a cerâmica pré-histórica brasileira ganhou novo impulso, numa perspectiva tecnológica, visava-se entender se a cerâmica era resultado de uma evolução técnica dos próprios grupos ou se teria sido fruto de transferência, originada de migração ou comércio (ALVES, 1991).

O conceito de estilo tem gerado um debate entre os arqueológos e acompanha as diferentes escolas arqueológicas. O estilo é o modo como se faz alguma coisa, e pode ser diferenciado pelo aspecto funcional e estilístico. Com o estudo do estilo se pode organizar a variabilidade da cultura material, a partir das características similares e das diferenças dos objetos. Mesmo sendo fruto de um debate amplo entre os pesquisadores das diferentes filiações teóricas, o conceito de estilo pode ser compreendido como um determinado modo de fazer algo ou alguma coisa; que este modo de fazer implica escolhas dentre possibilidades de alternativas; e que é próprio de um determinado tempo e lugar (HEGMON, 1992, p. 518).

Para Sackett (1977), estilo e função seriam dimensões inseparáveis e ambos poderiam explicar a variabilidade da cultura material. A noção funcional proposta por Sackett está relacionada à manufatura e ao uso dos artefatos, os utilitários da esfera tecnológica e econômica e os não utilitários relacionados à esfera social e ideológica. Para Sackett, a fabricação de um artefato é produto de escolhas culturais e por isso indicador de etnicidade:

Estilo entra em cena quando vemos que os artesãos de qualquer grupo (ou fraternidade) estão cientes de apenas alguns, e muitas vezes escolhem apenas uma, das opções isocrésticas potencialmente disponíveis para eles quando se realiza uma determinada tarefa, e que as escolhas feitas são largamente ditadas pelas tradições tecnológicas dentro das quais eles foram aculturados como membros dos grupos sociais que delineiam sua etnia. As escolhas tendem a ser bastante específicas e consistentemente expressas dentro de um determinado grupo em um determinado momento, embora estejam sujeitos à revisão, como resultado de chances em seus padrões de interação social (e exposição concomitante a opções isocrésticas alternativas) com outros grupos (SACKETT, 1990, p. 33).

Características tecnológicas singulares entre dois conjuntos de artefatos, relacionados temporal e historicamente em sítios arqueológicos distintos, podem ser consideradas com uma conexão cultural, já que segundo os pressupostos da variação isocréstica, “[...] o artesão de uma certa sociedade tende a escolher por uma, ou poucas, das opções isocrésticas, que ao menos em teoria, estão potencialmente disponíveis para ele deste espectro (de alternativas) (SACKETT, 1982, p. 73). De acordo com o modelo isocréstico, o estilo se localiza na variação formal, tanto na dimensão funcional como estilística, ou seja, toda a variação formal é estilística, por isso indicadora de etnicidade (SACKETT, 1990).

A etnicidade, segundo o autor, está expressa em qualquer variação da cultura material, na medida em que as escolhas isocrésticas representam uma expressão cultural de um tipo de comportamento que permeia todos os aspectos da vida social. Justamente por isso a variabilidade isocréstica, proposta por Sackett, tem como base téorica a questão de onde o estilo54 reside, é nesse ponto que o impasse entre Sackett e Binford se faz presente. Para Binford, o estilo reside em um domínio formal distinto e fechado em si mesmo, algo acrescentado ou acessório à forma essencial ou instrumental que o artefato ocupa. Ele critica a ideia de estilo como correlato de etnicidade, para ele a variabilidade dos conjuntos de artefatos é funcional e podem caracterizar certos lugares e períodos de tempo. E as escolhas isocrésticas correspondem à essência da variabilidade organizacional em um grupo étnico, promovendo-lhe flexibilidade adaptativa para lidar com a dinâmica ambiental na qual vive (DIAS; SILVA, 2001, p. 98-99). Partindo da ideia de Sackett, estilo e função são aspectos complementares que determinam a morfologia dos artefatos e as características das cadeias operatórias que lhes dão origem.

Por outro lado, Wiessner (1990) e Lemonnier (1992) entendem que a noção de variação isocréstica é insuficiente para a análise dos sistemas tecnológicos, sendo necessário entender as bases sociais das escolhas e como estas se inserem num sistema de significados. Wiessner (1983, 1990), a partir de um estudo etnográfico de variação estilística, diferenciou o estilo assertivo, com base pessoal que traz informações sobre identidade individual e estilo emblemático que proporciona informações sobre o grupo, assim o estilo reside na intencionalidade consciente de gerar informação, na integração coletiva e grupal ou

54 A partir da perspectiva de tecnologia como sistema, a noção de estilo passa a ser um conceito fundamental

para o entendimento dos conjuntos tecnológicos dos diferentes grupos culturais, pode ser assim definido: “o modo como as pessoas realizam o seu trabalho, incluindo as escolhas feitas por eles no que se refere aos materiais e às técnicas de produção” (REEDY; REEDY apud DIAS; SILVA, 2001, p. 96). Ainda segundo Dias e Silva (2001, p. 96) o estilo tecnológico permite compreender não apenas como um padrão material se manifesta na morfologia e decoração dos artefatos, mas também como algo inerente e subjacente aos processos de produção a partir dos quais estes aspectos visuais são uma resultante.

individual. Já Plog (1978) fez um estudo da decoração cerâmica do sudoeste dos EUA e considerou que o grau de similaridade estilística da cerâmica de áreas vizinhas depende do grau de interação social.

A noção de estilo analisado a partir da sequência de operações contribui na interpretação dos conjuntos artefatuais de grupos diferentes. Dias e Silva (2001) sugerem que o estabelecimento da diferenciação de grupos culturais a partir de sistemas tecnológicos distintos depende da comparação contextual dos conjuntos artefatuais dos sítios de uma mesma região para tecer conjecturas sobre a distinção de identidades sociais/culturais no contexto arqueológico.