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Capítulo III. Dinâmica e estratégia da tropa paga

1. Estratégia de distribuição de soldados entre fortalezas e tropas:

No início do século XVIII, a região do Grão-Pará já possuía em termos materiais uma estrutura militar bem delineada, embora precária. Através dos relatos dos governadores é possível notar a presença de fortalezas, casas fortes, fortins e presídios no curso dos principais rios como o Amazonas e o Rio Negro, considerados pontos estratégicos da capitania. Essa questão nos chamou muita atenção, sobretudo porque nos oferece indícios sobre o significado da defesa para a Coroa portuguesa. Os Mapas da gente de guerra da capitania do Grão-Pará fazem referência à existência de três fortalezas na região, a saber: da Barra, do Gurupá, dos Tapajós ou Trombetas e a do Rio Negro; dois fortins: da Barra e das Mercês; quatro casas fortes: do Guamá, do Rio Negro, do Pauxis e do Paru; três presídios: de Joanes, de Salinas e de Macapá. Essa estrutura contava ainda com uma casa ou armazém da pólvora. A partir da década de 1737, Pauxis e Paru já aparecem na documentação como fortalezas. Vejamos o mapa com as principais fortificações portuguesas na região na primeira metade do século XVIII.

A conquista do vale Amazônico não se deu de forma tranquila para a coroa portuguesa, mas foi resultado de intensa disputa entre as principais nações europeias. O estabelecimento de fortalezas militares, como se vê no mapa, é parte desse processo. Como nos lembra John Keegan, “as fortalezas são produtos de Estados soberanos pequenos ou divididos”; essas construções “proliferam quando uma autoridade central ainda não se estabeleceu, está lutando para se afirmar ou foi derrubada”. E, portanto, “não é um lugar simples de proteção contra um ataque, mas também de defesa ativa”, e, sobretudo, “um centro onde os defensores estão protegidos da surpresa ou da superioridade numérica” do inimigo, “uma base da qual podem fazer surtidas” e “impor controle militar sobre a área por que se interessam”.1

Nessa perspectiva, a conquista do vale amazônico também se caracteriza pela disputa pelo estabelecimento e manutenção de pontos estratégicos para a defesa. A presença de locais militarmente fortificados por um determinado Estado significa não apenas o símbolo de sua dominação, mas também a intensa movimentação de tropas e homens de guerra, como mostrou a experiência da própria conquista e colonização da região.2

Por outro lado, não se trata aqui reconstruir a história dos fortes e seus múltiplos significados para a região, aliás, essa é uma questão que ainda precisa de estudos mais sistemáticos.3 Trata-se de perceber essas estruturas militares como resultado da política de defesa pensada pela coroa portuguesa para região, e, sobretudo, entender esses espaços como lugar de circulação e convivência dos soldados pagos, com outros atores

1 KEEGAN, John. Uma História da Guerra. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. pp.188-189. 2 Ver: RIO BRANCO, José Maria da Silva Paranhos, Barão do. Questões de Limites: Guiana Francesa.

Brasília: Senado Federal, Conselho editorial, 2008; REIS, Arthur Cezar Ferreira. Limites e Demarcações na Amazônia Brasileira. 2ª Ed. Belém: SECULT, 1993, 2 vols.; SARAGOÇA, Lucinda. Da ‘Feliz Lusitânia’ aos confins da Amazônia (1615-62). Lisboa/Santarém: Cosmos/CMS, 2000; CARDOSO, Alírio Carvalho. Insubordinados, mas sempre devotos: poder local, acordos e conflitos no antigo Estado do Maranhão (1607-1653). Campinas: Dissertação de Mestrado, Universidade Estadual de Campinas, 2002; CORRÊA,Helidacy Maria Muniz. Para aumento da conquista e bom governo dos moradores”: o papel da Câmara de São Luís na conquista do Maranhão (1612-1668). Niterói: Tese de Doutorado, Universidade Federal Fluminense, 2011; CARDOSO, Alírio. Maranhão na Monarquia Hispânica: intercâmbios, guerra e navegação nas fronteiras das Índias de Castela (1580-1655). Salamanca: Tese de doutorado, Universidad de Salamanca, 2012.

3 Ver: VIANNA, Arthur. “As fortificações na Amazonia I - As fortificações no Pará”. Annaes da

Bibliotheca e Archivo Publico do Pará, tomo IV (1905), pp. 227-302; CASTRO, Adler Homero Fonseca de. “O fecho do império: história das fortificações do Cabo do Norte ao Amapá de hoje”. In: GOMES, Flávio dos Santos (org). Nas terras do cabo norte. Fronteiras, colonização e escravidão na guiana Francesa. Belém: Editora universitária. UFPA, 2000, pp. 154-62;VALLA, Margarida. “A engenharia militar na construção da cidade”. In: Anais do Seminário da História da Cidade e do Urbanismo. Vol. 6, n. 3, 2000. Disponível em:http://www.anpur.org.br. Acessado em 13/09/2013.

do mundo colonial. Todavia, cabe aqui um esforço no sentido de conectar pontos difusos da documentação e retomar uma breve análise sobre a construção dessas estruturas militares. Ora, a tomada, construção e reconstrução de pontos militarmente fortificados na Amazônia colonial, também sinalizam para uma região que se definiu, em grande medida, pela disputa entre portugueses, franceses, ingleses e holandeses pela possessão e manutenção do território.

A definição dos locais que deveriam ser fortificados foi se delineando em função do que a experiência colonial apontava ser mais conveniente. Assim as ameaças estrangeiras às possessões lusas desde o início da colonização foram fatores importantes de mobilização de tropas nos rios da Amazônia. A disputa territorial explicada pelas construções de pontos militarmente fortificados não apenas alterava a paisagem, mas também reconfigurava a região. Abrimos esse espaço para que pudéssemos perceber que a presença militar na região é dinâmica e complexa. Sugere um intenso movimento tanto nos aspectos humanos como no material que se demarcava ao sabor das conquistas e dos conflitos. As tropas, como elemento fundamental desse processo, se organizam e se mobilizam de acordo com a exigência e necessidade da conquista que está estritamente relacionada ao curso dos rios e seus afluentes.

Nelson de Figueiredo Ribeiro a partir de um levantamento feito pela antropóloga Adélia Engrácia de Oliveira, sobre as fortificações, e através da “sistematização espacial” de suas localizações, identifica seis “grandes eixos geográficos da dominação aos quais o governo português deu um sentido militar”. São os seguintes:

“a) o eixo do braço direito da foz do Amazonas, ao longo do Rio Pará, da foz do rio Tocantins, do Rio Guamá e da baia do Guajará, estendendo-se pela costa atlântica paraense, conhecida como a região do salgado; b)o eixo do braço norte da embocadura do Amazonas, estendendo-se pela costa atlântica, até a foz do Oiapoque; é a região que compreende hoje o Estado do Amapá; c) o eixo do rio Amazonas, do começo de sua embocadura à altura da foz do rio Xingu, até a foz do rio Javari, no limite com o Peru; d) o eixo do rio Negro e seu afluente, o rio Branco; e) o eixo do rio Tocantins-Araguaia; f) o eixo do rio Madeira, continuando pelo seu afluente Mamoré e pelo rio Guaporé”4.

Ao que parece o curso dos rios da Amazônia era fundamental para a definição e construção desses pontos fortificados. Portanto, a leitura do espaço elaborado pelos portugueses se construiu em função dos principais rios e seus afluentes. Logo, a

4 RIBEIRO, Nelson de Figueiredo. A questão geopolítica da Amazônia: da soberania difusa da soberania

estratégia militar se configurava também em função desse importante aspecto. O conhecimento sobre a hidrografia dos principais rios era fundamental para sua defesa e ocupação. Está claro que para a construção dessas “redes de fortificações”5 na

Amazônia como trata Arthur Cezar Ferreira Reis, a coroa Portuguesa seguiu uma lógica de defesa estritamente relacionada com os rios. Nessa estratégia de ocupação as fortalezas tinham o objetivo “não só de defender o território ocupado, mas também de promover qualquer dissuasão de quaisquer tentativas contraditória à sua dominação”6.

Nesse caso tanto de nações estrangeiras, como também da resistência das nações indígenas. Nessa altura, surge uma questão importante: A distribuição da gente de guerra por essas fortificações segue também essa lógica?

2. A mobilização de soldados entre fortalezas, tropas e outras