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CAPÍTULO 2. ENQUADRAMENTO TEÓRICO-TEMÁTICO

2.3 Estratégia Retro/Heritage

Assumimos o princípio de que todos os produtos e marcas possuem um ciclo de vida (têm um início, um ponto alto e um fim). Na perspectiva de Paul Earl (2008), fundador da River West Brands, empresa de recuperação de marcas antigas, o processo de declínio de uma marca deriva da força de conglomerados de marcas, os grupos, como a Johnson & Johnson. O mesmo refere “brands that didn’t have the potential for global scale got squeezed to the bottm shelf, or out of existence” (Walker, 2008).

O significado dos produtos retro para os consumidores depende bastante da memória que estes têm sobre os produtos. Rob Walker elucida-nos para esta ideia recorrendo ao exemplo da marca de café Brim: “depending on how old you are, there’s a fair chance that there’s some echo o the Brim brandi n your brain” (2008). A recuperação de um produto ou de uma marca entretanto desaparecida no mercado depende do grau de reconhecimento e de memória que ainda persiste na sociedade acerca do produto. Foi assim que a empresa dos E.U.A. River West Brand conseguiu recuperar a Brim, partindo do facto que entre os consumidores com idades superiores aos 25 anos existe uma consciência nacional da marca de cerca de 92% (Walker, 2008).

Os esforços de marketing retro tornam-se bastante mais fáceis se partirmos da reconstrução de uma marca antiga, em detrimento de um crescimento desde o zero. O reconhecimento de uma marca antiga compensa em tempo e em dinheiro. O trabalho dos marketeers torna-se ainda mais facilitado quando existe “brand equity”. Segundo Rob Walker, este facto resulta da combinação de dois elementos, a familiarização dos consumidores com as marcas e a opinião positiva acerca das mesmas. Paul Earl explica a lógica de “brand equity” no seio da sua empresa: primeiramente é proporcionado pelo reconhecimento. Este é sobretudo aquilo que as marcas procuram assegurar, considerando não existir o produto no mercado, apenas resta a memória, sendo esse o ponto de partida para a reintrodução das marcas e produtos antigos no mercado, Earl afirma: “all that exists is memory. We’re talking consumer’s memories and starting entire businesses” (Waker, 2008: s/pp.).

Paradoxalmente, Paul Earl aponta outra oportunidade interessante relativa a marcas e produtos antigos fora do mercado: além da memória que os consumidores possuem, é também importante a falta dela, “there is opportunity not just in what we remember but also in what we misremember” (Walker, 2008). A carga simbólica de uma marca passa também pela identidade que a mesma exprime. No caso de marcas nacionais, estas têm o potencial de reforçar o sentimento patriótico, aumentando o apelo dos consumidores de optar pelo que “é deles”. Paul Earl concorda com esta ideia no caso americano, “when a brand goes away, a piece of Americana goes away” (Walker, 2008).

Stephen Brown et al. apresentam a tendência retro nas marcas com base numa nova e diferente estratégia de extensão das marcas, traduzindo-se, assim, num fenómeno interessante e sem precedentes na evolução do consumo, “the rise ofretro brands places marketing in an interesting conceptual quandary” (2003:19). Este fenómeno responde por um lado aos imperativos de marketing de criar e diversificar a oferta para os consumidores. Adicionalmente, oferece originalidade, reintroduzindo marcas originais sem necessidade de recorrer a imitações (2003:19).

Os três autores desenvolveram uma conceptualização teórica acerca do marketing retro no sentido de compreender o sentido do termo e implicações sobre o consumo. Com o apoio de autores como Lisa Peñaloza (2001), reconhecem a importância que o contexto cultural assume enquanto valor a incutir no produto. Para Stephen Brown, existe uma ligação entre o crescimento da procura por produtos retro e as características demográficas da população. O aumento do tempo médio de vida e o envelhecimento demográfico proporcionam o aumento da memória individual e colectiva que, por sua vez, se traduz na procura pelos bens que por remeterem aos tempos de infância e juventude, transmitem conforto e reconfortam o peso dos anos (1999:367). Por seu turno, os mesmos produtos antigos que fazem parte da memória dos mais velhos não passam despercebidos aos consumidores mais jovens. Assim, os produtos retro são reconhecidos e valorizados pelos jovens que reconhecem os tempos de privação de acesso a produtos e serviços, “by seeing at first hand the drudgery, deprivation and sheer destitution f life in times past, today’s youth may be induced to appreciate their good fortune and treat their elders and betters with due respect and thereafter” (Brown, 1999:368). Stephen Brown caracteriza o século XX como uma época nostálgica provocada pelo fim de século. Inclusivamente, existe uma predominância da nostalgia em sociedades que de alguma forma viveram ou ainda vivem num estado de caos, “those experiencing troubles, turbulence and transformation” (1999:368). As marcas antigas, devido à carga temporal simbólica que veiculam, assumem o efeito de equilíbrio, conforto e de esperança para todos aqueles que vivem momentos conturbados e de instabilidade (Brown, et al., 2003:20). Brown sustenta esta ideia, “retro advertising exploits the past in order to humanise the present” (1999:367). Neste sentido, acreditamos na fidelidade às marcas nutrida pelos consumidores e que poderá traduzir-se no entusiasmo e receptividade a marcas antigas.

No que concerne à carga nostálgica instaurada nas sociedades pós-modernas, é feita a alusão a duas variáveis nostálgicas, cuja interligação é determinante para o marketing. Trata-se da nostalgia individual, remetente para os ciclos de vida do indivíduo, e da nostalgia comum, associada a épocas e acontecimentos marcantes na vida da comunidade. O impacto das marcas antigas reside, pois, no sentimento nostálgico que existe em cada actor social e na própria sociedade, isto porque “old brands serve to bind consumers to their past and to the communities that shared those brands” (Brown, et al., 2003:20).

Em termos de marketing, a estratégia a enveredar deve passar pelo reposicionamento das marcas, através do rejuvenescimento das mesmas. Por sua vez, o rejuvenescimento de marcas antigas implica desbravar as características originais das marcas e que se constituem como heranças, “brand heritage is perceived as using marketing-mix variables that invoke the history of a particular brand, including all its personal and cultural associations” (Brown et al., 2003:20).

O fenómeno retro espelha uma sobreposição das noções de nostalgia, herança da marca e revivalismo da marca. Uma das vantagens das marcas antigas é proporcionar um regresso ao passado e a momentos marcantes que fazem parte da memória dos consumidores. Contudo, é um facto que as mesmas, enquanto heritage, correm o risco de manter as mesmas características e funcionalidades originais. Existe, pois, uma diferença entre retro e heritage. O conceito de retro aplicado ao marketing traduz-se numa recuperação das marcas e produtos antigos numa versão melhorada e adaptada à actualidade, isto é, às exigências e necessidades dos consumidores contemporâneos, “retro brands are distinguishable from nostagic brands by the element of updating. They are brand new, old-fashioned offerings” (Brown et al., 2003:20).

Stephen Brown reconhece a amplitude do fenómeno frisando o sentido ambíguo e abrangente do marketing retro: tudo é susceptível de se tornar retro, “so ubiquitous is retro-marketing, indeed, that it is quite difficult to think of na unaffected product category” (1999: 364). Partindo do grande potencial dos produtos em adquirir o estatuto retro, o autor apresenta o conceito tripartido em categorias: repro, retro e repro-retro. O fenómeno repro constitui a continuação do produto e marcas antigas, mantendo as características iniciais. A noção repro vai ao encontro do conceito de heritage (referido anteriormente). O marketing repro, ou heritage, é a variante mais frequente do fenómeno, visto ser a que implica menos esforços de marketing, “it is the least demanding from na organisational resources standpoint” (Brown, 1999:365). Por seu turno, o autor define a variante retro enquanto uma combinação do passado com o presente, de forma a apresentar um produto com os principais traços originais, mas melhorado. Um dos melhores exemplos desta variante de marketing é o Vokswagen Beetle (Brown, 1999:366). Por fim, referimos, ainda a versão repro-retro do fenómeno. Esta última expressa uma nostalgia pela nostalgia, isto é, uma forma de reviver um passado que entretanto já foi revivido. O autor dá como exemplo os espectáculos do Grease em tour em 1999, “revivals of 1970s originals, set in the 1950s” (Brown, 1999:366).

Stephen Brown contrapõe a ideia de que o posicionamento retro resume o número de vendas. De facto, as estratégias de marketing baseadas neste posicionamento podem ser uma forma de assegurar o volume de vendas favorável (1999:367). Inclusivamente, Brown, Kozinets e Sherry (2003:29) apontam dois grandes motivos para o sucesso do retro-marketing no contexto actual. Em primeiro lugar, a dificuldade em assegurar a originalidade e o facto de a ideia primária já existir (a criação de novas marcas com ideias novas e originais é cada vez mais difícil devido à saturação do mercado), “stylistic innovation is impossible, that everything has alreadybeen done” (Brown, 1999:369). O reaproveitamento e recuperação de produtos e marcas antigas parece cada vez mais a solução mais viável, “all that remains is to mix, match and Play with the pieces of the past” (Brown, 1999:369). Por fim, estes factores são reforçados pela lealdade e confiança que antigos consumidores depositam nas marcas antigas, isto porque segundo Stephen Brown mais facilmente os consumidores preferem os produtos já testados e utilizados em detrimento dos novos e em fase experimental (1999:369).

O consumo retro reúne, na perspective de Stephen Brown, características como irreverência e ironia indo ao encontro da essência do pós-modernismo, marcado pela diversão, humor e pela postura jocosa e rica que o autor tipifica em 4 P’s, “parody, persiflage, pastiche and playfulness, with just a dash of plagiarism and dollop of pasquinade” (1999:369). O fenómeno retro tenderá a repetir-se, na medida que assume um carácter cíclico, repetitivo, determinado pela consciência do passado e simultaneamente do tempo presente (Brown, 1999:370).

CAPÍTULO 3. O MERCADO RETRO/HERITAGE PORTUGUÊS

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