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ESTRATÉGIAS DE CONTROLE: AS FORÇAS LOCAIS E O COMANDO

2 ESCRAVIDÃO E CONTROLE: O GOVERNO DOS ESCRAVOS E OS AGENTES

2.3 ESTRATÉGIAS DE CONTROLE: AS FORÇAS LOCAIS E O COMANDO

Dentre as 21 correspondências classificadas como demandas internas ao governo treze (62%) foram enviadas pelos oficiais investidos nos corpos militares aos governadores. Destas, duas eram averiguações referentes aos despachos do governador diante das solicitações feitas pela população, tratadas anteriormente. Do restante, distinguimos oito casos relativos ao controle da escravaria,236 a ocorrência de fugas, ao combate e repressão da ação de quilombolas e, a suspeita de associação entre homens livres e escravos fugitivos, que será tratado a parte.

Antes, porém, se faz necessário salientar que na documentação analisada foram encontradas quinze referências às fugas e a formação de quilombos que, geralmente, aparecem na historiografia como as mais clássicas e típicas formas de resistência à escravidão. Nos papéis do governo são identificadas uma e outra, com maior incidência para a primeira. Visto que, dos 70 documentos que tratam das ações escravas e o controle da ordem escravista, teve-se acesso a treze casos de fugas de

235 Esse documento será explorado no terceiro capítulo quando trataremos da sublevação dos escravos

ocorrida na vila de Guaraparim, estando contabilizado no cômputo dos 45 documentos que se referem a esse evento. In: APEES, Correspondências recebidas pelo Governo da Capitania (1787-1814), livro 004, doc. 38.

236 Um desses casos também fora tratado no tópico anterior, quando mencionamos o escravo que fora

cativos na capitania do Espírito Santo, entre 1781 a 1821, o que perfaz 18,6% do total arrolado.237 Se fossemos considerar uma média ao longo dos quarenta anos que abrangem o recorte temporal, o valor seria relativo a menos de 1 fuga por ano como assunto de correspondências oficiais.

Entre as fugas individuais ou coletivas, os números de fugidos podem ser dimensionados em torno de 815 cativos. Destes, 400 ou mais relacionam-se à fuga coletiva que fora denunciada por Silva Pontes em 1800. Ao considerar a estimativa da população escrava, próxima a 6.834 indivíduos, conforme levantamento de 1790, o número de fugidos perfaz cerca de 6% da escravaria existente à época. É necessário ressaltar que do restante, cerca de 400 escravos são referentes à sublevação na vila de Guaraparim, ocorrida nas fazendas do Campo e Engenho Velho. Ainda assim, para o ano de 1813, do qual se tem estas informações, os 415 fugidios representariam cerca de 4% do total da população escrava, que remonta para mais de 12.000 cativos em 1812. Ao excluir os sublevados de Guaraparim, tem-se o percentual de 0,1% dessa população. Ou seja, apesar de a historiografia apresentar a fuga como realidade no cotidiano das sociedades escravistas americanas, na capitania do Espírito Santo a ação não aparece como preocupação consistente nas fontes analisadas.

Se esses dados revelam, por um lado, o baixo índice de escravos fugidos em comparação com os percentuais da população escrava na capitania; por outro, eles podem ser significativos quanto à estabilidade da escravidão em terras capixabas. Seguindo caminho aberto por Manolo Florentino e Márcia Amantino, considera-se que, “embora as fugas e as comunidades de escravos fugidos constituíssem formas clássicas de resistência à escravidão, de algum modo o seu estudo pode igualmente ensinar algo acerca de tamanha estabilidade”.238 Ao recuperar a natureza política do

fenômeno da escravidão, ambos os historiadores observaram que entre senhores e escravos se estabeleciam, antes de mais nada, relações de poder. Aos senhores cabia a obrigação de fazer a escravaria produzir e obedecer. Desta forma, lançavam

237 Foram encontradas cinco menções às fugas escravas na documentação referente à sublevação de

Guaraparim. E, em um documento, o Capitão-mor daquela vila, Gaspar Manoel de Figueroa, informara ao governador sobre a situação nas fazendas Campos e Engenho Velho e também, sobre a prisão de um negro que encontrava-se refugiado naquela vila, sem, contudo, ter relação com o levante.

238 FLORENTINO, Manolo e AMANTINO, Márcia. Uma morfologia dos quilombos nas Américas,

mão de estratégias políticas, a fim de legitimarem a dominação. E, dentro dessa lógica, as resistências apontavam para os limites que se colocavam ao domínio senhorial, garantindo “ao escravo algum espaço para a negociação de demandas” no embate cotidiano.239

Ao lado da baixa incidência de fugas, observa-se que seu estudo pode revelar as fissuras que se abriam nas relações de dominação, assim como os mecanismos desencadeados no combate a essas reações. No tocante aos oito casos tratados neste tópico, todos foram notificados ao governador por oficiais militares, com exceção de um feito pelo próprio senhor. Em alguns, observou-se que os oficiais detinham conhecimento prévio acerca das ocorrências, por meio de requerimentos de averiguação enviados. Essas correspondências parecem ter servido não só para anunciar a ação contra os insurgentes, como também sobre as fugas; a fim de que os oficiais ficassem atentos quanto à passagem dos fugitivos pelas vilas. Entretanto, o contato com a documentação não permitiu mapear a circularidade das informações. As participações a que se teve acesso possibilita afirmar apenas a existência de uma rede de comunicação entre autoridades dirigentes e oficiais militares, responsáveis pela execução da ordem de apreensão. Estabelecia-se, assim, a interdependência entre essas autoridades para o combate das fugas de cativos. As correspondências permitiram também verificar a enunciação dos resultados obtidos ao governo central da capitania, quando se informavam os eventos escravos.

O Alferes Comandante da Segunda Companhia da vila da Victória e também Comandante do distrito de Carapina, Antônio Bonifácio Pereira, em 16 de novembro de 1812, participou ao governador a ação contra os quilombolas, responsabilizados pela tentativa de assassinato ao soldado do Regimento de Milícias, Antônio das Neves Marins. Quatro dias antes, os quilombolas teriam ido ao sítio de Maruípe, residência do oficial, e colocado fogo em sua casa. A tentativa de incêndio fora frustrada por um índio que buscou apagá-lo. Porém, parecem ter os negros se voltando contra o indígena, que se encontrava “em termo de perder a vida”240. Ao ter ciência do acontecido, foram tomadas as providências a fim de pegarem os quilombolas. O comandante convocou o furriel e vários soldados da sua companhia e os fez marchar até o quilombo no “mato da praia, que vai da Passagem, a (?) de Camburi”. No

239 FLORENTINO; AMANTINO, 2012, p. 262.

entanto, o ataque não resultou na prisão dos quilombolas, visto que “por quantas de serem atacados se refugiarão”.241 Apenas o cabra João, escravo de Antônio de Almeida, fora preso. Este, porém, tentara resistir à prisão defendendo-se com uma arma e acabou por desferir um tiro contra o furriel, que por pouco não morreu. Somente após levar uma “bordoada” na cabeça é que conseguiram amarrar o dito escravo, tomaram sua espingarda e o conduziram para o Corpo da Guarda Principal da vila da Victoria, onde fora entregue.

Mas o que teria motivado a atitude dos quilombolas contra o soldado? É possível supor que havia um problema específico entre os quilombolas, ou algum deles, e Antônio Marins. O que teria feito ele contra os quilombolas: violentado ou delatado os fugitivos? Ou seja, cumprido sua função policial, ou teria rompido algum tipo de acordo pessoal com eles? Em se tratando da complexa realidade social da colônia, sabe-se que, em alguns casos, oficiais militares e escravos fugidos estiveram lado a lado. A multiplicidade dessas relações pode ser exemplificada pela representação feita pelo oficial Francisco de Almeida Barcellos, do quartel de Anadia no ano de 1813. Em que pedia sua transferência para outro destacamento, visto não consentir com a postura de seu comandante, que, aliás, ainda nos tempos do governo de Tovar, além de ter desertado, havia acoitado escravos fugidos em sua casa.242

A estratificação não impediu o entrelaçamento das diversas categorias que conformavam a sociedade. Ainda que cada um ocupasse lugar específico no edifício social, esses indivíduos conviveram e partilharam a mesma realidade. Decorre daí o fato de o índio sair em defesa do praça.243 Em conformidade com a documentação, parece que, nesses casos, parte da população nativa tenha se posicionado ao lado das forças repressoras.244 Outras realidades parecem se cruzar diante desse fato. A fala do comandante sobre os quilombolas terem se refugiado, poderia remeter a uma rede de informações que os ligavam à população? Ou seria apenas o fato de os

241 APEES, Correspondências recebidas pelo Governo da Capitania (1787-1814), livro 004, doc. 47. 242 Ibidem, doc. 120.

243 Em um sentido contrário, outros trabalhos apontam para as relações mútuas entre indígenas e

negros fugidos ou quilombolas. Cf. FUNARI, Pedro Paulo de Abreu. A arqueologia de Palmares: sua contribuição para o conhecimento da história da cultura afro-americana. In: REIS e GOMES, 1996, p. 26-51. VOLPATO, Luiza Rios Ricci. Quilombos em Mato Grosso: resistência negra em área de fronteira. In: REIS e GOMES, 1996, p. 213-239.

244 Mas, é necessário salientar que parcela significativa dos indígenas eram considerados “gentios

bárbaros” e configuraram empecilho à ocupação do interior, seja por colonizadores, ou por escravos em fuga.

cativos terem conhecimento da reação militar diante do atentado? Ou, seria o caso de a sociedade capixaba não ser tão estratificada como se supunha?

Donald Ramos, observou, para a realidade mineira Setecentista, que a “comunidades de escravos fugidos vivam em paz com a sociedade envolvente”. Em Vila Rica, “os calhambolas exploravam ouro e cultivavam alimentos e em seguida negociavam em vendas do centro urbano”.245 A proximidade dos quilombos em relação às áreas

urbanas e a expressiva população de cor facilitaria a circulação dos quilombolas e, por conseguinte, a comunicação e as trocas comerciais efetuadas com escravos ou indivíduos livres. Realidade semelhante parece ter encontrado Mary Karasch em estudo sobre os quilombos na capitania de Goiás, no século XVIII, em que verificou a existência de um comércio ilícito do ouro e a troca “por mercadorias de que precisavam em seus esconderijos, tais como armas, munições, cachaça e tecidos”.246

As autoridades, mesmo obtendo informações quanto ao refúgio, e organizando expedições repressivas, nem sempre conseguiam alcançar êxito em suas empreitadas. O fato de se refugiarem, como precaução aos ataques, informados, muitas vezes, por essas redes de solidariedade, apareceram na historiografia, como um dos principais obstáculos ao controle e combate desse fenômeno.

A mobilidade do contingente escravo em fuga parece ter sido facilitada pela cumplicidade com outros elementos, como também pela significativa presença da população de cor nos quadros demográficos dessa sociedade. Na capitania, por volta de 1812, metade da população era composta por escravos, e não é difícil imaginar que a outra parcela tivesse presença relevante de pardos e mestiços. A observação de Patrícia Merlo, para os anos finais do governo de Francisco Alberto Rubim apontam para a predominância da população de cor entre os habitantes da capital, os “mulatos, pardos e mestiços deveriam representar pouco mais de 70%” dessa população.247

Talvez, esses sejam os motivos que competiram para o sucesso de algumas fugas, ou pelo menos, aumentaram o tempo longe do cativeiro.

A considerável presença da população de cor em Vitória e a complexidade da relação entre livres e escravos também foi observada para a segunda metade do século

245 RAMOS, 1996, p. 187.

246 KARASCH, Mary. Os quilombos do ouro na capitania de Goiás. In: REIS e GOMES, 1996, cap. 10,

p. 241.

XIX.248 Geraldo Antonio Soares, a fim de compreender os significados da liberdade

para escravos e libertos, deparou-se com um inquérito policial de 1872 que exemplifica a cumplicidade entre escravos e sujeitos livres e as dificuldades em se distinguir os cativos diante de uma sociedade predominantemente de cor. Tratou-se de uma queixa apresentada por Antônio Gonçalves Laranja contra o liberto Ângelo Marcelino Pinto, na qual este teria “seduzido” seu escravo de nome Ignácio que se encontrava fugido. Ainda no inquérito, uma testemunha afirmou ter visto o réu conduzir o escravo, entretanto, não sabia naquela hora que se tratava de um cativo e, por isso, não deu relevância ao fato.249 O documento analisado pelo historiador constitui

exemplo das dificuldades em se diferenciar, ao menos visualmente, livres e escravos, em Vitória.

Poderia ser esse o caso de João, escravo do Convento de Nossa Senhora da Penha, que estava fugido há mais de dois anos e fora encontrado na vila de Guaraparim, vivendo através do “exercício” do furto. O comandante do distrito, Gaspar Manoel de Figueroa, informava em 19 de agosto de 1813, que mandou prendê-lo e o recolheu à cadeia desta vila, “até ser remetido a Vossa Senhoria”, o que fez na ocasião do relato. O preto quilombola, como fora chamado por Gaspar Figueroa, vivia “ocupado em tirar esmolas” para o convento antes de sua fuga.250 A atividade exercida pelo escravo denota a mobilidade que este gozava em seu cativeiro. Não se pode afirmar que tenha sido a restrição de suas andanças o motivo para a fuga.

O rompimento de acordos firmados entre senhores e escravos resultou em diferentes formas de resistência.251 Como as petits marronages252 ou fugas-reivindicatórias253 que

248 CAMPOS, 2003, p. 95.

249 SOARES, Geraldo Antonio. Esperanças e desventuras de escravos e libertos em Vitória e seus

arredores ao final do século XIX. Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 26, nº 52, 2006, p. 115-

140.

250 APEES, Correspondências recebidas pelo Governo da Capitania (1787-1814), livro 004, doc. 142. 251 Em relação aos níveis da ação escrava contra seus proprietários, referencia-se por Jonh Thorton,

que em sua análise sobre as resistências, fugas e rebeliões escravas, no contexto de formação do mundo atlântico, classificou a ação escrava em três níveis: a resistência cotidiana que afetaria a produção, a fuga para negociação (petit marronage) e a fuga para libertação, conspiração ou formação de quilombos (grand marronage). Para o historiador norte-americano, a busca por melhores condições de vida no cativeiro foi, geralmente, a principal motivação para as variadas formas de resistência escrava. Conferir: THORTON, John Kelly. Resistência, fugas e rebeliões. In: A África e os africanos na

formação do mundo atlântico, 1400-1800. Rio de janeiro: Elsevier, 2004. cap. 10, p. 355-393.

252 O conceito de petit e grand marronnage foi elaborado pelo historiador Gabriel Debien, que “em

francês, o termo marronnage incluiu todas as formas de absenteísmo, da fuga à rebelião”. Ibidem, p. 356.

253Em sua análise Manolo Florentino e Márcia Amantino preferiram os termos “fugas-reivindicatórias”

configuravam, no geral, em fugas individuais, em que os escravos se refugiavam nas proximidades do cativeiro, e buscavam, por meio do afastamento de suas funções, alargar seus espaços de autonomia dentro da escravidão.254 Outro caso de fuga temporária tornou-se conhecido graças a um requerimento feito na Secretária do Governo sobre o recebimento de uma dívida. O governador logo tratou de enviar um despacho ao Alferes Comandante José Francisco de Melo para que averiguasse a alegação. O oficial informou, em 1 de dezembro de 1813, que a dívida ainda estava pendente. Devido ao fato de que a escrava, que fora separada em inventário para a quitação dos débitos deixados por sua senhora, “depois de andar alguns dias” na vila da Victória, “pôs se em fuga”.

Os suplicados “me responderam não tinham dúvida alguma” quanto a obrigação, mas que essa seria cumprida, apenas, com a venda da dita escrava. Ocupado com outros despachos, o alferes deparou-se com a escrava fugida na vila. Mandou apanhá-la e a entregou aos suplicados para que fosse vendida e a dívida prontamente quitada.255 A fuga individual parece ter sido motivada pelo fato de a escrava não aceitar ser vendida e ter de se submeter a novos senhores. Sidney Chalhoub, em trabalho sobre as diferentes visões em torno da liberdade e do cativeiro no limiar da abolição, revelou a perspicácia e as estratégias formuladas por cativos que se encontravam na iminência de serem negociados. Desvendando, os interesses e a racionalidade com que agiam, a partir da experiência no cativeiro e do reconhecimento dos seus direitos.256 Ao se manifestarem em favor dos direitos ignorados, os escravos referiam-se a condições mais justas de vida dentro da escravidão. A negação desses direitos, por sua vez, competiu para a ocorrência das mais variadas formas de resistência, dentre as quais, as fugas.

No entanto, nem todas as fugas tiveram caráter reivindicatório. Dois casos parecem revelar o rompimento com a condição cativa. O primeiro, quem relatou foi o próprio

deles, Eduardo Silva já havia utilizado essa denominação. Cf. SILVA, Eduardo. A função ideológica da

brecha camponesa. In: REIS e SILVA, 1989.

254 Considera-se pertinente a classificação de John Thorton quanto aos níveis da ação escrava, no

entanto, o historiador considera que os escravos iam além do que as circunstâncias da escravidão lhe permitiam, buscando com seus próprios meios e condições, “alterar o sistema e suas regras” (2004, p. 355). A essa visão preferiu-se a noção de “espaço de liberdade”, no qual os insurretos buscavam encontrar dentro do sistema uma maior autonomia, reconhecendo, porém, a existência de uma fronteira que delimitava suas ações.

255 APEES, Correspondências recebidas pelo Governo da Capitania (1787-1814), livro 004, doc. 246. 256 CHALHOUB, 1989.

senhor da escrava. Em 6 de março de 1813, Joam de Mello Coutinho, afirmou ter vindo da vila de São Mateus para a vila da Victoria a procura de sua escrava de nome Luiza, “que a dois anos, e meio a esta parte lhe fugiu”. Apesar da busca, suas expectativas foram frustradas. Além de não a encontrar, justificou-se na Secretária de Governo, sobre a vinda de Belchior, cativo que trouxera em sua companhia e encontrava-se preso por estar sem despacho. A documentação denota a intromissão do Estado na mobilidade urbana. A licença para circular de uma vila a outra era requisito necessário a todos os vassalos. Mas, a exemplo da atitude desse senhor e do que fora afirmado por uma das testemunhas, essa lei era letra morta, pois, segundo o costume, muitas pessoas vinham daquela vila para esta sem proceder ao despacho.257

O auto de justificação feito pelo senhor constitui fonte sobre a fuga. Chama atenção o fato de ele não ter recorrido ao arbítrio do governador na procura por sua escrava. Coutinho, era natural da vila da Victoria, e considerado pessoa bem-criada e de bom comportamento. Além de escravos, era dono de fábrica de fazer farinha na vila de São Mateus. Diante da exposição, o juiz ordinário Francisco Xavier Nobre, permitiu a ele que retornasse para seu domicílio levando consigo o escravo. O desenrolar dos fatos permitem argumentar que Luiza não teria aceitado a mudança para outra vila. Lançando mão da fuga individual, como forma de retornar ao convívio de seus pares. Torna-se possível imaginar que o sucesso de sua fuga tenha se dado graças à rede de sociabilidade que ela mantinha na vila da Victoria. Visto que seu senhor retornara a São Mateus, sem ao menos ter notícias sua. Interessante pensar também, que a escrava fizera travessia em sentido contrário, visto que aquela região a época era reduto de desertores, negros fugidos e quilombolas, por se encontrar distante dos centros de poder da capitania.

O outro caso que parece denotar fuga-rompimento fora informado por Manoel dos Santos, Comandante do distrito da vila de São Salvador dos Campos de Goitacazes. Atento à recomendação sobre a fuga de um soldado desertor, um marinheiro e duas escravas, o oficial comunicou em 10 de janeiro de 1814, ao governador, a prisão do soldado e de uma das escravas fugidas, que foram remetidos à cadeia desta vila.258 Quanto à outra escrava não se obteve informação. O afastamento do seu local de

257 APEES, Correspondências recebidas pelo Governo da Capitania (1787-1814), livro 004, doc. 63. 258 Ibidem, doc. 379.

vivência pode denotar a tentativa de se romper definitivamente com a condição que vivia, ou pelo menos, com seu senhorio.

Dentre os casos de apreensão de escravo fugitivo, a exortação feita pelo Padre João Leite Eleonor Freitas a 19 de maio de 1814 sobre possível levante de escravos armados nos arredores da vila da Victória causava grande temor.259 O relato do religioso ao governador Francisco Alberto Rubim mostrou-se singular diante da documentação analisada. Segundo o pároco, os “camaradas” pedestres apanharam nos matos um escravo daquele convento “e no mesmo instante o remeteu para o destacamento”. Para o eclesiástico, a ação dos oficiais encontraria explicação no fato de que os pedestres temiam “algum levante de alguns” escravos “que andam nos