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ANEXO I Post Crónica de la muerte más anunciada

3 ANÁLISES

3.1 LENDO CARTAS DESDE CUBA

3.2.1 Estratégias discursivas

As estratégias discursivas que vamos examinar estão ligadas aos componentes sintático e semântico do nível discursivo. Dentre as estratégias discursivo-sintáticas, temos a debreagem enunciva, o jogo do enunciativo e do enuncivo e a embreagem actancial. Já no caso das estratégias discursivo-semânticas, temos o jogo de vozes temático-figurativas.

3.2.1.1 Debreagem enunciva

A debreagem enunciva cria o efeito de sentido de objetividade, tão almejado no caso do discurso jornalístico. Com efeito, ao apagar as marcas da enunciação, esse procedimento sintático produz a ilusão de afastamento em relação à enunciação. A debreagem enunciva serve para esconder a atividade produtiva enunciativa das mídias, apresentando-as como meras transmissoras da realidade social, uma vez que mascara a construção (subjetiva) do enunciador.

Oito dos quatorze posts analisados foram escritos com base nesse procedimento, ou, ao menos, usaram majoritariamente esse recurso, pois alguns não são totalmente enuncivos – mas também não chegam a configurar uma debreagem alternada. São posts em que o enunciador-narrador cria a ilusão de apresentar no discurso a realidade mesma da ilha, sem filtros subjetivos.

Essa estratégia atinge sua plenitude no post El embargo que bifurca los senderos. Conforme já mencionamos, a escrita dessa entrada do blog baseou-se no diálogo com um editorial da revista da igreja católica em Cuba. Salvo alguns fragmentos enunciativos trazidos do editorial, o restante do post é totalmente enuncivo. O enunciador-narrador cria um contexto discursivo enuncivo para inserir esses trechos enunciativos, passando a impressão de olhar “objetivo” diante do conteúdo do editorial.

3.2.1.2 Jogo do enunciativo e do enuncivo

O jogo do enunciativo e do enuncivo provém da construção do discurso por meio do procedimento sintático da debreagem alternada. A alternância entre o efeito de objetividade, decorrente da debreagem enunciva, e de subjetividade, que emana da debreagem enunciativa, é que produz esse jogo.

Com essa estratégia, o enunciador-narrador cria a impressão de se afastar ou se aproximar da enunciação, apresentando perspectivas variadas no discurso. Embora de ordem sintática, esse recurso também está ligado ao jogo de vozes e contribui para a criação do simulacro de imparcialidade ao relativizar as perspectivas apresentadas no texto.

Seis dos posts analisados utilizam esse procedimento, sendo que os segmentos enunciativos apresentam a perspectiva do enunciador-narrador, por sua vez, actante da narrativa, já que esses posts incluem relatos de experiências em que o enunciador- narrador se desempenha como sujeito da narrativa. Especificamente em Conversación en el agromercado, Democracia a la cubana e Pobrecitos los cubanos, os segmentos enunciativos correspondem a pequenas histórias que o enunciador introduz com o objetivo de concretizar os percursos temáticos, ou seja, exercem uma função de figurativização. Os trechos enuncivos, ao seu turno, encenam o afastamento, e o enunciador assume antes o papel de observador, determinando um ou mais pontos de vista sobre o discurso e dirigindo seu desenrolar (BARROS, 2007).

3.2.1.3 Embreagem actancial

A embreagem actancial constitui uma neutralização da instância da enunciação de pessoa, pressupondo, portanto, uma debreagem. Dito de outro modo, trata-se da substituição da pessoa enunciada por uma outra.

Segundo a combinação escolhida, a embreagem actancial pode criar diferentes efeitos de sentido. No caso da nossa pesquisa, analisamos as combinações encontradas e enfatizamos as que contribuem para a construção do efeito de sentido de imparcialidade: o uso da primeira pessoa do plural pela primeira do singular – plural de modéstia – e da primeira pessoa do plural pela terceira.

O uso do plural de modéstia, conforme Fiorin (1996), visa à diluição da subjetividade decorrente do eu no nós. Ocorre, portanto, uma neutralização da instância da enunciação e, ao mesmo tempo, o efeito de subjetividade é amenizado.

Já no caso do emprego da primeira pessoa do plural pela terceira, há, na verdade, uma terceira pessoa indeterminada. Além do mais, não se trata de um nós inclusivo, pois o enunciador não compartilha da posição apresentada, ainda que expressa na pessoa nós. Essas embreagens actanciais estão diretamente ligadas à questão da delimitação das posições discursivas, como se observa no post Crónica de la muerte más anunciada, no qual o enunciador-narrador contrapõe seu exercício jornalístico ao das mídias de Miami. Trata-se do único post em que encontramos ambas as embreagens utilizadas no sentido supramencionado. Embora o sujeito da enunciação diga nós, é evidente que não se trata do mesmo: há um nós referido ao enunciador-narrador, que se guia por fatos comprovados e não publica boatos, e há um outro nós que não informa, mas faz previsões; o enunciador não se inclui nesse nós, ao contrário, rejeita essas posições. Aqui, o uso da primeira pessoa do plural pela terceira tem a função de atenuar a crítica.

Ambas as combinações contribuem para o efeito de imparcialidade, pois, enquanto uma dilui a subjetividade, a outra apresenta posições discursivas divergentes. 3.2.1.4 Jogo de vozes temático-figurativas

Conforme vimos nas análises, no que tange ao tema abordado em cada post, se apresentam dois discursos, um que corresponde ao enunciador-narrador, ou mesmo a um ponto de vista alheio, mas com o qual ele se identifica, e outro que corresponde à posição contrária. Há, portanto, a presença de polifonia, uma vez que o enunciador delega a voz a perspectivas diferentes.

No post Conversación en el agromercado, por exemplo, o governo cubano é visto como parceiro por uns, por outros, como ameaça. De igual modo, em El suicidio como arma política, o suicídio é apresentado como um ato heroico, por um lado, e como um absurdo, por outro. Em Democracia a la cubana, o período pré-revolucionário é referido como o paraíso por uns, mas, por outros, é visto como uma etapa de corrupção, violência e de grandes desigualdades sociais.

Com efeito, cada tema tratado exibe oposições desse tipo, que o enunciador- narrador, aliás, vai desenvolver apresentando argumentos a favor de uma perspectiva ou outra. Para tanto, utiliza os procedimentos de tematização e figurativização.

Em relação à figurativização, é preciso salientar o papel das fotografias que acompanham os posts. Em 8 dos 14 posts analisados (Navidad a la cubana, Pobrecitos los cubanos, Y sin embargo se mueve, De protestas e ilusiones, Ni escoria ni redentores, “Buscando visa para un sueño”, La pescadilla se muerde la cola, “Las reformas solo son fecundas...”), as fotografias contribuem muito para a construção dos percursos figurativos de um dos dois discursos presentes no texto: o do enunciador-narrador.

Quanto à tematização, vemos de que forma em El suicidio... o percurso temático da condenação ao suicídio se estende ao longo do texto pelo uso da repetição dos seus traços semânticos (atentado contra a própria vida, medida desesperada, passo no vazio, autodestruição, suplício autoinfligido, automartírio). Do mesmo modo ocorre com o percurso temático da incompetência profissional das mídias de Miami e seus traços semânticos em Crónica de la muerte más anunciada (profecias do exílio anticastrista, boatos, previsões, porta-vozes de funerária).

Os exemplos acima mencionados, ao mostrarem a maior recorrência de certos traços semânticos sobre outros, evidenciam que, embora nos textos estejam presentes dois discursos, há dominância de uma voz sobre outra.

Isso também pode ser observado em relação aos procedimentos de intertextualidade e interdiscursividade, a serem apresentados no próximo item, pois, apesar do enunciador-narrador estabelecer muitas vozes, no fundo, elas não estão em pé de igualdade. Efetivamente, muitas dessas vozes favorecem a posição do enunciador- narrador, criando uma falsa polifonia.

Ainda sobre o jogo de vozes temático-figurativas, salientaremos um outro procedimento: a inserção do terceiro discurso. Esta é uma das estratégias de imparcialidade mais significativas dentre as encontradas nas análises. O enunciador a usa com o intuito de fornecer uma terceira perspectiva em relação aos dois discursos conflitantes que aparecem no texto. Essa perspectiva, na verdade, constitui um termo complexo (FONTANILLE; ZILBERBERG, 2001), uma vez que, por meio da concessão, se valoriza ambos os discursos, criando, assim, a percepção de não privilegiar nenhum deles.

Esse recurso também se baseia em procedimentos intertextuais e/ou interdiscursivos, que serão abordados na seção destinada às estratégias de ordem textual.

A inserção do terceiro discurso está presente em 5 dos 14 posts analisados. Os casos mais ilustrativos são os posts Navidad a la cubana, em que o terceiro discurso ganha corpo na figura do intelectual Alfredo Guevara e traz uma outra perspectiva em relação às posições discursivas da igreja e do governo cubano sobre a celebração do Natal na ilha, e Democracia a la cubana, que é introduzido pelo cantor José Luis Ferrer, que manifesta o desejo de um futuro diferente para o país tanto no que se refere à Cuba pré- revolucionária quanto à pós-revolucionária.

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