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Uma no cravo e outra na ferradura : estudo das estratégias que produzem efeitos de sentidos de imparcialidade do blog jornalístico : “cartas desde Cuba”

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Academic year: 2017

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

AYLIN MARTÍNEZ VENEGAS

UMA NO CRAVO E OUTRA NA FERRADURA:

estudo das estratégias que produzem efeitos de sentido de imparcialidade no blog

jornalístico Cartas desde Cuba

São Paulo

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AYLIN MARTÍNEZ VENEGAS

UMA NO CRAVO E OUTRA NA FERRADURA:

estudo das estratégias que produzem efeitos de sentido de imparcialidade no blog

jornalístico Cartas desde Cuba

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras.

Orientadora: Prof.ª Dr.a Diana Luz Pessoa de Barros

São Paulo

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V455u Venegas, Aylin Martínez.

"Uma no cravo e outra na ferradura” : estudo das estratégias que produzem efeitos de sentidos de imparcialidade do blog jornalístico : “cartas desde Cuba”/ Aylin Martínez Venegas – São Paulo , 2015.

126 f. ; 30 cm.

Dissertação (Mestrado em Letras) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, 2015.

Orientador: Profa. Dra. Diana Luz Pessoa de Barros Referência bibliográfica: p. 95-98

1. Blog jornalístico. 2. Gênero de discurso. 3. Semiótica greimasiana. 4. Efeitos de sentidos de imparcialidade. I. Título.

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AYLIN MARTÍNEZ VENEGAS

UMA NO CRAVO E OUTRA NA FERRADURA:

estudo das estratégias que produzem efeitos de sentido de imparcialidade no blog

jornalístico Cartas desde Cuba

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Letras.

BANCA EXAMINADORA

Prof.ª Dr.a Diana Luz Pessoa de Barros – Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

Prof. Dr. José Gaston Hilgert Universidade Presbiteriana Mackenzie

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À minha família, pai, mãe e irmã, pelo amor e pela força apesar dos milhares de quilômetros de mar e terra que hoje nos separam.

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AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Professora Doutora Diana Luz Pessoa de Barros, pelo acolhimento, pela orientação certeira e pela introdução nos estudos da Semiótica de linha francesa durante o Mestrado.

Ao Departamento de Responsabilidade Social da Universidade Presbiteriana Mackenzie pela concessão da bolsa de estudos que me permitiu crescer profissional e humanamente.

A todos os professores, coordenação e secretaria do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, em especial, às Professoras Doutoras Neusa Maria Oliveira Barbosa Bastos, Ana Lúcia Trevisan e Vera Lúcia Harabagi Hanna, das quais tive a honra de ser aluna e poder ampliar meus horizontes teóricos sobre os estudos linguísticos e literários; mais do que professoras, verdadeiras mestras.

Aos Professores Doutores José Gaston Hilgert e Ivã Carlos Lopes pela leitura atenta do meu trabalho e pelas suas valiosas contribuições quando do exame de qualificação.

Aos colaboradores do Grupo de Estudos Semióticos (GES-USP) por me receberem nesse espaço de reflexão teórica e prática tão necessário para os iniciantes na Semiótica greimasiana.

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RESUMO

Concorrendo com as mídias convencionais, os blogs têm-se consolidado como meios enunciadores da atualidade informativa. Atualmente, vemos como esse suporte, quando incorporado na imprensa digital, é usado com vários fins: de modo complementar à informação proposta como “prato cheio” noticioso e como espaço de debate, de crítica aberta, para os usuários comentarem sobre determinado aspecto de interesse social, político, econômico ou cultural. O exame do blog jornalístico, na perspectiva dos estudos linguísticos, traz à luz, dentre outras questões, a dos efeitos de sentido gerados, que ganha mais relevância porquanto esse gênero constitui a intersecção de outros dois preexistentes: o blog pessoal, subjetivo e familiar, e o jornalístico, que busca transmitir a impressão de objetividade e imparcialidade. Inserida na linha de pesquisa Procedimentos de constituição dos sentidos do discurso e do texto, que integra a área de concentração dos Estudos Linguísticos do Programa de Pós-graduação em Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie, a presente pesquisa tem por escopo a análise do blog jornalístico

Cartas desde Cuba, pertencente ao jornal eletrônico BBC Mundo entre os anos 2008 e 2014. Sob a perspectiva da semiótica greimasiana, este estudo está centrado nas estratégias que produzem efeitos de sentido de imparcialidade no supramencionado blog, sendo que este, pelo fato de ora atacar o governo cubano, ora os seus opositores, foi questionado por não ostentar um posicionamento firme a respeito da situação política de Cuba. As estratégias encontradas confirmam as antecipadas nos fundamentos teóricos, de ordem discursiva (ligadas aos componentes sintático e semântico do nível discursivo) e de ordem textual (referidas à questão da intertextualidade e da interdiscursividade).

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RESUMEN

Compitiendo con los medios de comunicación convencionales, los blogs se han consolidado como medios enunciadores de la actualidad informativa. Actualmente, vemos cómo este soporte, una vez incorporado en la prensa digital, se utiliza para varios propósitos: de manera complementaria a la información propuesta como “plato fuerte” noticioso y como foro de debate, de crítica abierta, para que los usuarios comenten sobre determinado aspecto de interés social, político, económico o cultural. El examen del blog

periodístico, desde la perspectiva de los estudios lingüísticos, trae a la luz, entre otras cuestiones, la de los efectos de sentido generados, que adquiere más relevancia debido a que este género constituye la intersección de otros dos preexistentes: el blog personal, subjetivo y familiar, y el periodístico, que busca transmitir la impresión de objetividad e imparcialidad. Insertada en la línea de investigación Procedimientos de constitución de los sentidos del discurso y del texto, que incluye el área de concentración de Estudios Lingüísticos del Programa de Posgrado en Letras de la Universidad Presbiteriana Mackenzie, la presente investigación tiene por objetivo el análisis del blog periodístico

Cartas desde Cuba, perteneciente al periódico digital BBC Mundo entre los años 2008 y 2014. Desde la perspectiva de la semiótica greimasiana, el estudio se centra en las estrategias que producen efectos de sentido de imparcialidad en el blog antes mencionado, ya que, al atacar ora al gobierno cubano, ora a sus opositores, fue cuestionado por no mostrar una posición firme respecto a la situación política de Cuba. Las estrategias encontradas corroboran las previstas en los fundamentos teóricos, de orden discursivo (relacionadas con los componentes sintáctico y semántico de nivel discursivo) y de orden textual (referidas a la cuestión de la intertextualidad y la interdiscursividad).

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LISTA DE ANEXOS

ANEXO A Post Navidad a la cubana………. 99

ANEXO B PostConversación en el agromercado………. 101

ANEXO C PostPobrecitos los cubanos………. 103

ANEXO D PostY sin embargo se mueve………... 105

ANEXO E PostEl suicidio como arma política……….. 107

ANEXO F PostDemocracia a la cubana……….. 109

ANEXO G Post De protestas e ilusiones... 111

ANEXO H Post Ni escoria ni redentores………... 113

ANEXO I PostCrónica de la muerte más anunciada………... 115

ANEXO J PostLos aprendices de brujo………... 117

ANEXO K PostEl embargo que bifurca los senderos………... 119

ANEXO L Post“Buscando visa para un sueño”………... 121

ANEXO M PostLa pescadilla se muerde la cola………... 123

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO... 9

2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS... 16

2.1 O BLOG JORNALÍSTICO: CONSTRIÇÕES TECNOLÓGICAS, COMUNICACIONAIS E DISCURSIVAS... 16

2.1.1 Da homepage pessoal ao jornal eletrônico: definição, evolução e classificação de blog... 16

2.1.2 O blog jornalístico na perspectiva bakhtiniana dos gêneros do discurso... 18

2.2 A IMPARCIALIDADE JORNALÍSTICA NA PERSPECTIVA DA SEMIÓTICA GREIMASIANA... 23

2.2.1 A teoria semiótica greimasiana e seu percurso gerativo do sentido: sintática e semântica discursivas... 23

2.2.2 Além do percurso gerativo do sentido: intertextualidade e interdiscursividade... 27

2.2.3 A imparcialidade jornalística como efeito de sentido... 29

3 ANÁLISES………... 33

3.1 LENDO CARTAS DESDE CUBA... 33

3.2. “UMA NO CRAVO E OUTRA NA FERRADURA”: A ILUSÃO DE IMPARCIALIDADE EM CARTAS DESDE CUBA... 82

3.2.1 Estratégias discursivas... 83

3.2.2 Estratégias textuais………. 87

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS………. 91

REFERÊNCIAS... 95

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1 INTRODUÇÃO

Há algum tempo atrás, realizando análises de mídia, uma das funções que desenvolvíamos em Cuba como parte de nosso trabalho de comunicação institucional, nos interessamos pela forma pela qual a sociedade cubana estava sendo representada midiaticamente, dentro e fora da ilha.

No início, nos limitávamos à esfera do jornalismo cultural, por razões de interesse da própria mídia em que trabalhávamos, uma revista cultural de perfil sociopolítico. Depois, o interesse pessoal se intensificou e se fez necessário organizar a análise conforme os suportes das publicações. Assim, nos centramos no mundo digital, em especial, nos blogs jornalísticos, cujo discurso considerávamos alternativo em relação ao das mídias convencionais, tradicionalmente mais polarizado em termos ideológicos no que diz respeito a Cuba.

Dentre as redes sociais, os blogs começaram como uma forma de diarismo pessoal. Com o decorrer do tempo, tornaram-se uma ferramenta indispensável para as mais diversas profissões da sociedade. O jornalismo não ficou isento dessa revolução digital.

Numa época marcada pela saturação de informação, captar a atenção das audiências tornou-se um desafio para o profissional da comunicação. Sem dúvida, o modo de compartilhá-la implica uma vantagem midiática, uma diferenciação de interesse para os usuários, como se costuma nomear o público no âmbito digital. Assim, o feedback que o recurso dos comentários possibilita no blog intensificou as interações virtuais, constituindo um dos principais fatores pelos quais este foi aceito rapidamente como suporte midiático.

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Outro evento em que os blogs tiveram um papel crucial foi durante o atentado das Torres Gêmeas. Foram criadas na rede inúmeras páginas pessoais que registravam informações (imagens, vídeos, áudios) para os usuários conhecerem o acontecido.

Posteriormente, em 2004, quando do tsunami no Oceano Índico, aconteceu o mesmo fenômeno: se multiplicaram as informações e as referências (links) entre os blogs

pessoais (MARRERO, 2007), e não entre e pelos jornais digitais.

Antes desses acontecimentos, durante a guerra do Iraque, em 2003, já a tendência dos diários pessoais ligada à profissão jornalística atingira maiores repercussões, transformando-se em fonte direta das mídias. Assim, os warblogs, ou blogs de guerra, surgiram pela iniciativa de narrar os acontecimentos, sem que o autor tivesse, obrigatoriamente, uma formação jornalística (RECUERO, 2003).

Essas coberturas informativas de caráter “não oficial” deram lugar ao chamado jornalismo cidadão:

Los realizadores de este nuevo periodismo son sus propios promotores: los usuarios de la Red, quienes reúnen sus prácticas informativas bajo las denominaciones de periodismo participativo, ciudadano, colaborativo o periodismo 3.0.1 (MARRERO, 2007, p. 48).

Concorrendo com as mídias convencionais, os blogs têm-se consolidado como meios enunciadores da atualidade informativa e, dessa forma, têm democratizado o processo de produção e distribuição da informação na sociedade.

No jornalismo atual, vemos como os blogs são usados com vários fins: de modo complementar à informação proposta como “prato cheio” noticioso; como espaço de debate, de crítica aberta para os usuários comentarem sobre dado aspecto de interesse social, político, econômico ou cultural, num formato autoral ou coletivo; tomam a forma de crônica, de diario de viagem; também tratam de temas mais lúdicos ou domésticos, como conselhos sobre a saúde, propostas culturais, etc.

A junção entre o modelo de comunicação mais simétrico que o blog permite e os traços de diarismo pessoal que caracterizaram os seus primórdios poderia ser a causa do tom mais pessoal na escrita dos blogs jornalísticos, em que predominam textos

1 Os produtores desse novo jornalismo são seus próprios promotores: os usuários da Rede, que englobaram

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majoritariamente enunciativos, em contraposição ao jornalismo convencional, que se caracteriza por uma narrativa objetiva e impessoal no tratamento e apresentação da informação selecionada como notícia.

Um dos nossos propósito nesta dissertação é verificar como o gênero blog, subjetivo e pessoal por natureza, quando usado com fins informativos, consegue dar conta da objetividade e imparcialidade que caracterizam o discurso jornalístico, no intuito de convencer seus destinatários.

Como se sabe, a imparcialidade, aliada à neutralidade e à objetividade, é um dos valores-guias do jornalismo. É associada à “[...] pretensa capacidade de expor o mundo ‘tal qual é’ a seus leitores, ouvintes ou espectadores” (MIGUEL; BIROLI, 2010, p. 59). Com efeito, há décadas, o mito do discurso das mídias como reflexo “objetivo” do mundo foi derrubado pela sua compreensão como construção da imagem da realidade social (WOLF, 2008). Assim, pode-se afirmar que, na verdade, a imparcialidade jornalística é apenas uma ilusão decorrente da construção do texto.

Na perspectiva dos estudos linguísticos, a imparcialidade pode ser considerada um efeito de sentido tanto quanto a subjetividade ou a objetividade, para só mencionar os mais importantes. Por efeito de sentido entende-se “[...] a impressão de ‘realidade’ produzida pelos nossos sentidos, quando entram em contato com o sentido, isto é, com uma semiótica subjacente.” (GREIMAS; COURTÉS, s/d, p. 136).

Logicamente, todas as publicações jornalísticas tentam criar efeito de sentido de imparcialidade. No entanto, seus limites se encontram no próprio discurso construído, que os jornais apresentam como a única verdade possível: a sua.

Assim, temos o caso da British Broadcasting Corporation (BBC), o serviço britânico de informação pública, que diz:

Si pensamos en nuestro oficio como si fuera un juzgado, los periodistas seríamos un híbrido entre el abogado defensor y el acusador. Nunca seríamos el juez. Mientras que el jurado sería nuestra audiencia. Debemos presentarle la información de tal modo que sean ellos quienes emitan el veredicto final.2 (BBC MUNDO, 2009, s/p).

2 Se pensarmos em nosso ofício como se fosse um julgamento, nós, os jornalistas, seríamos um híbrido

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A propósito, a BBC, na sua versão digital para a comunidade hispanofalante (BBC Mundo), incluiu um blog jornalístico, cujo estudo nos permitirá verificar as questões acima levantadas e, ao mesmo tempo, satisfazer nosso interesse pela forma como a realidade cubana está sendo representada nesses suportes.

Em 14 de fevereiro de 2008, surgiu o blogCartas desde Cuba. Tratava-se de uma coluna semanal, idealizada por um dos correspondentes da emissora britânica em Cuba, Fernando Ravsberg, jornalista experiente, autor de três livros e professor universitário. Naquele momento, fazia quase 20 anos que o referido repórter, de origem uruguaia, morava em Cuba.

Com aproximadamente 400 posts publicados durante sua existência, Cartas desde Cuba tornou-se o blog mais lido da BBC Mundo (RAVSBERG, 2014d) e o que gerou o maior número de comentários, uma média de 75 por cada post publicado, dentre os blogs

do jornal digital da BBC.

Idealizada como “um espaço de reflexão sobre a vida cotidiana na Ilha”, conforme se lia na própria publicação, a coluna tratou de inúmeros temas relacionados às diversas áreas da realidade cubana, que o jornalista ora criticava, ora elogiava. Ora atacava o governo da ilha, ora os seus opositores.

O contexto discursivo no que diz respeito a Cuba geralmente é marcado pela polarização extrema, politicamente falando. Por conseguinte, desde o início, a “estranha” postura manifestada pelo blog ora provocava elogios, ora provocava revolta, tanto nos críticos quanto nos simpatizantes do processo cubano, que não aceitavam que o jornalista não tomasse uma posição firme, ou seja, a favor ou contra.

Desde los extremos del abanico político siempre se me criticó por lanzar “una de cal y otra de arena”3. Lo veían como si fuera una estrategia periodística o una forma de sobrevivir cuando en realidad no es más que el reflejo de la realidad cotidiana de la isla.4(RAVSBERG, 2014d).

3“Uma de cal e outra de areia”, literalmente. Ditado popular conhecido de longa data em língua espanhola

que se usa para indicar que uma situação possui aspectos positivos e negativos de forma alternada, do mesmo modo que, tradicionalmente, cal e areia são misturadas para formar a argamassa destinada à construção. Considera-se que a cal (prejudicial quando em contato direto com a pessoa) representa o lado ruim da situação, enquanto a areia, o lado bom.

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O blog terminou em março de 2014, quando a redação do jornal on-line pediu ao jornalista para mudar alguns elementos no post intitulado Estados Unidos y la paja en el ojo ajeno5, em que se questionava a postura norte-americana acerca dos direitos humanos, levando em conta o fato desse país manter a prisão de Guantánamo. Quando o colunista se recusou a fazer as alterações solicitadas, o jornal decidiu encerrar seu blog, mas o convidou para fazer parte de um novo projeto, de autoria plural, que substituiria aquele, convite que também foi recusado.

Se considerarmos as reações associadas à recepção de Cartas desde Cuba, poderíamos entender que o blog teve sucesso no sentido de passar a ilusão de imparcialidade para seus leitores, ao “dar uma no cravo e outra na ferradura”.

A partir dessa hipótese, é possível levantar a seguinte questão: que estratégias são usadas no texto para criar o efeito de sentido de imparcialidade? É sob esse aspecto que o estudo do blog Cartas desde Cuba pode ser considerado de interesse na perspectiva dos estudos linguísticos, uma vez que apontará os procedimentos de constituição dos sentidos, em especial, de imparcialidade do discurso.

Paralelamente, o exame de Cartas desde Cuba contribuirá para a compreensão do gênero blog jornalístico enquanto espaço de convergência dos gêneros jornalístico e blog. Assim, a pesquisa servirá para ilustrar, por exemplo, como o gênero blog jornalístico incorpora traços em princípio contrários, em razão de ser o texto jornalístico predominantemente enuncivo e objetivo, enquanto o blog é sobretudo enunciativo e subjetivo.

Com base no problema anteriormente formulado, estabelecemos o seguinte objetivo geral: analisar o blog Cartas desde Cuba, visando às estratégias que produzem efeitos de sentido de imparcialidade.

Acreditamos que a proposta teórico-metodológica da semiótica greimasiana dá conta do nosso propósito: não só pela preocupação dessa teoria com a construção dos sentidos no texto – o que é uma questão elementar – mas, sobretudo, pelo fato de conceber tal construção como o produto tanto de mecanismos internos quanto de fatores socio-históricos (BARROS, 2007).

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Com efeito, no estudo das estratégias que produzem o efeito de sentido de imparcialidade, precisam ser examinadas as estruturas discursivas em seus aspectos sintáticos e semânticos, ou seja, os mecanismos de instalação de pessoa, tempo e espaço, os temas e as figuras, assim como as estratégias de interdiscursividade e intertextualidade que contribuem para esse objetivo.

O corpus do trabalho está composto por quatorze posts. Para cada ano de existência do blog (2008-2014), foram selecionados os dois mais comentados:

1. Navidad a la cubana6, 25 de dezembro de 2008 (106 comentários) 2. Conversación en el agromercado7, 14 de fevereiro de 2008

(90 comentários)

3. Pobrecitos los cubanos8, 11 de junho de 2009 (131 comentários) 4. Y sin embargo se mueve9, 2 de abril de 2009 (123 comentários)

5. El suicidio como arma política10, 11 de março de 2010 (339 comentários) 6. Democracia a la cubana11, 9 de septiembre de 2010 (271 comentários) 7. De protestas e ilusiones12, 17 de fevereiro 2011 (129 comentários) 8. Ni escoria ni redentores13, 11 de agosto de 2011 (108 comentários) 9. Crónica de la muerte muerte más anunciada14, 5 de enero de 2012

(102 comentários)

10.Los aprendices de brujo15, 30 de agosto de 2012 (96 comentários) 11.El embargo que bifurca los senderos16, 9 de maio de 2013

(51 comentários)

12.“Buscando visa para un sueño”17, 21 de fevereiro de 2013 (50 comentários)

13.La pescadilla se muerde la cola18, 20 de fevereiro de 2014

6 Natal à cubana. (Tradução nossa). 7 Conversa no sacolão. (Tradução nossa). 8 Pobrezinhos dos cubanos. (Tradução nossa). 9 Contudo, se move. (Tradução nossa).

10 O suicídio como arma política. (Tradução nossa). 11 Democracia à cubana. (Tradução nossa).

12 De protestos e ilusões. (Tradução nossa). 13 Nem escória nem redentores. (Tradução nossa). 14 Crônica da morte mais anunciada. (Tradução nossa). 15 Os aprendizes de feiticeiro. (Tradução nossa).

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(180 comentários)

14.“Las reformas solo son fecundas...”19, 6 de março de 2014 (161 comentários)

A dissertação se estrutura em três capítulos. O que segue à Introdução, de carácter teórico, se subdivide em duas partes. Na primeira, buscamos uma compreensão do gênero

blog jornalístico, com base na noção de gênero discursivo de M. Bakhtin (2011), retomada e ampliada nos estudos de Fiorin (2006).

Na segunda parte do capítulo teórico, apresentaremos os fundamentos para a análise, a saber, a teoria semiótica greimasiana. Abordaremos, de forma breve, o percurso gerativo do sentido, com ênfase no nível discursivo e seus componentes sintático e semântico. Para além do percurso, veremos os procedimentos de intertextualidade e interdiscursividade. Finalmente, ofereceremos uma definição de efeito de sentido de imparcialidade e discutiremos como os mecanismos antes mencionados podem contribuir para essa impressão.

O capítulo de análise apresentará o exame desenvolvido em cada post que conforma nosso corpus. Já os principais resultados encontrados nas análises serão sistematizados à parte, sob o título “Uma no cravo e outra na ferradura”: a ilusão de

imparcialidade em Cartas desde Cuba, encerrando, assim, esse capítulo da dissertação.

Por fim, o trabalho será concluído no capítulo dedicado às considerações finais, quando retomaremos as principais questões levantadas na dissertação e revisaremos a posição que o enunciador constrói ao longo dos textos.

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2 FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.1 O BLOG JORNALÍSTICO: CONSTRIÇÕES TECNOLÓGICAS, COMUNICACIONAIS E DISCURSIVAS

Na primeira parte do capítulo, abordamos nosso objeto de estudo, o blog

jornalístico, levando em consideração, inicialmente, sua definição mais geral como suporte digital e objeto de natureza comunicativa para, em seguida, apresentá-lo sob a perspectiva bakhtiniana de gênero do discurso.

2.1.1 Da homepage pessoal ao jornal eletrônico: definição, evolução e classificação de blog

O blog surgiu com o objetivo de ser uma plataforma de interação na rede das redes – a internet– que permitisse que as pessoas continuassem se comunicando por meio do suporte eletrônico. Dentre as diversas razões que podemos elencar sobre a sua popularidade, talvez as principais estejam relacionadas aos baixos custos de produção e à facilidade que a sua interface proporciona para administrar os conteúdos publicados. Esses fatores, somados à possibilidade (real) de se obter um feedback mediante o recurso dos comentários, exacerbam a questão da interatividade na web.

Igualmente, outros acréscimos ao formato têm contribuído para a sua rápida aceitação entre os internautas digitais. O blog é um formato multimídia, ou seja, além do sistema textual de línguas que permite visualizar (tecnicamente) a língua escrita, admite inserir outros formatos como áudio, vídeo e imagem. A publicação dos posts, como se denomina o produto final textual hipermídia dos blogs, se organiza numa cronologia inversa, já que aparece para o usuário a atualização mais recente da publicação digital.

Como um meio de rever publicações passadas, o formato blog pode conter uma ferramenta de busca, que possui o mesmo princípio de funcionamento dos grandes buscadores, tais como Google, Yahoo, Bing: realizam a busca a partir dos chamados metadados, palavras chaves ou etiquetas atribuídas às publicações, e visualizam o resultado em forma de hiperlink. Importa especificar que as datas, os nomes dos autores, o horário, o lugar, etc., também funcionam como metadados.

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Mediante o serviço de RSS (Really Simple Syndication), que pode estar nos textos ou nos comentários dos posts, é gerado um aviso para o navegador web ou para o leitor de notícias (previamente instalado) do usuário, notificando-o da existência de conteúdos novos nesse blog. Também, o blog se mostrou mais acessível em relação à personal web page, ou homepage, já que oportuniza que os blogueiros iniciantes, com pouco conhecimento dos códigos de programação, criem blogs.

Devido à popularização do formato, surgem inúmeras tipologias de blogs associadas à educação, às empresas, às mídias, ao governo, etc., fazendo com que existam blogs pessoais, educativos, empresariais, políticos, jornalísticos, etc. Embora nosso interesse não seja, em princípio, elaborar uma tipologia dos blogs, é preciso levar em conta como esse suporte tem sido compreendido conceitualmente.

Assim, temos a proposta de Recuero (2003 apud PRIMO, 2008, p. 1), que apresenta seis categorias de blogs:

[...] a) diários, tratam basicamente da vida pessoal do autor; b) publicações, comentários sobre diversas informações; c) literários, os posts trazem contos, crônicas ou poesias; d) clippings, agregam links ou recortes de outras publicações; e) mistos, misturam posts

pessoais e informativos, comentados pelo autor.

Herring (2004 apud PRIMO, 2008), também se refere ao diário pessoal, como denominação primeira de uso do blog; aos filtros, comentários sobre atualidade; aos K-log, registro e observações sobre um domínio de conhecimento; e aos “mistos e outros”.

Essas tipologias dizem respeito à versatilidade do blog,dada pela sua diversidade temática e pela forma como se constrói o seu tecido textual. Observa-se, também, como para os autores é impossível uma conceptualização mais depurada, devido à tendência de misturar temas e estilos na prática; contudo, estão todos de acordo sobre a marca do diarismo pessoal como traço comum nos blogs.

Outras denominações são conferidas ao blog por ser um suporte multimidiático. Assim, quando há um predomínio de texto, se chama blog; quando prevalecem as imagens, flog ou fotoblog; quando predominam os áudios, trata-se de um

audioblog; quando há sobretudo vídeos, de um videoblog (ARAUJO, 2004).

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“gêneros emergentes”, entre os quais se acham o e-mail, os chats, as entrevistas on-line, as aulas virtuais, as videoconferências, as listas de discussão, o endereço eletrônico e os blogs.

Para cada “gênero emergente” Marcuschi propôs um gênero já existente. No caso dos blogs, os gêneros preexistentes seriam o diário pessoal, as anotações e as agendas. Segundo os resultados levantados pelo autor, na maioria dos casos, prevalece nos blogs

uma linguagem pessoal e informal, mas que está evoluindo para “expressões retóricas” com “alto nível de requinte e pretensões literárias” (2010, p. 71).

Embora, num primeiro momento, o blog estivesse vinculado à narração da atividade pessoal dos sujeitos, hoje, o blog pessoal já não poderia ser considerado como sua única definição. Primo (2008) critica o fato de aparecer nos “gêneros emergentes” o blog pessoal como única definição do gênero blog, pois existe uma práxis social que enriquece o meio tecnológico a partir de diversas áreas na sociedade.

Os blogs ocasionaram mudanças significativas no sistema de produção de comunicação pública. Implicaram não só a acessibilidade universal, mas também o uso eficiente dela. A propósito, cabe assinalar que a diversificação e a descentralização dos agentes comunicantes constituem uma inversão dos papeis ao enunciar o mundo, pois produzem uma maior horizontalidade nas relações comunicativas entre emissores e receptores, assim como implicam o uso do sentido da informação pública em prol de um desenvolvimento regular e equitativo da sociedade (RECIO, 2006).

2.1.2 O blog jornalístico na perspectiva bakhtiniana dos gêneros do discurso

Com base na necessidade de entendermos nosso objeto de estudo não só do ponto de vista comunicacional, mas também, e sobretudo, sob o aspecto discursivo, dedicamos as páginas que seguem à compreensão do blog jornalístico enquanto gênero do discurso.

Para tanto, precisamos partir da definição bakthiniana de gêneros discursivos. Segundo Bakthin (2011), são tipos de enunciados relativamente estáveis, associados a uma dada esfera da atividade humana e por esta são determinados:

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por seu conteúdo (temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua, mas, acima de tudo, por sua construção composicional. Todos esses três elementos - o conteúdo temático, o estilo, a construção composicional - estão indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e são igualmente determinados pela especificidade de um determinado campo de comunicação. Evidentemente, cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos

relativamente estáveis de enunciados, os quais denominamos gêneros

do discurso. (BAKHTIN, 2011, pp. 261-262, grifo do autor).

O uso do termo “gênero” diz respeito a textos que apresentam traços comuns. No entanto, como sublinha Fiorin (2006), a palavra “relativamente” aponta tanto para as fronteiras diluídas dos gêneros quanto para a sua mutabilidade. Com efeito, na medida em que a área de determinada atividade humana se diversifica e se torna mais complexa, o seu repertório de gêneros se amplia e se diferencia.

Tomemos por exemplo a atividade jornalística. No início, apenas existia o gênero notícia. Mas, a partir do desenvolvimento da imprensa de massas no século XIX, passando pelo surgimento posterior do rádio e da televisão, até o ciberjornalismo de nossos dias, é possível listar um grande número de gêneros jornalísticos para além da notícia. Dessa maneira, temos a reportagem, o editorial, a crônica, a entrevista, o comentário e assim por diante. E isso só para falar, em termos bakhtinianos, dos mais “estáveis”.

Além do mais, com o surgimento de um novo gênero, outros deixam de ser usados ou até mesmo desaparecem. Há alguns anos, a própria popularização do blog entre os adolescentes causou o enfraquecimento do gênero diário pessoal (LÉ, 2011). Nesse sentido, hoje assistimos à predominância das mídias sociais (LÉ, 2011).

Conforme Bakhtin (2011), os gêneros podem ser classificados em primários e secundários. Aqueles, predominantemente orais, são característicos do dia a dia, a exemplo do bate-papo, da piada, da conversa telefônica, etc. Já estes últimos, expressos medialmente pela escrita, pertencem à esfera da comunicação cultural mais elaborada, sendo o jornalismo um dos seus expoentes.

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estilo nas condições do gênero que não lhe é próprio como destrói ou renova tal gênero” (BAKHTIN, 2011, p. 268). O próprio caso do blog jornalístico serve para ilustrar esse fenômeno. Quando levadas para o blog, as notícias perdem seu estilo objetivo-neutro para o estilo familiar que caracteriza esse gênero digital.

Como vimos, Bakhtin enumera três aspectos que, indissoluvelmente ligados no todo do enunciado e igualmente determinados pela especificidade de um dado campo da comunicação, marcam um tipo de enunciado como relativamente estável, isto é, como gênero do discurso. Esses aspectos são o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo.

O conteúdo temático diz respeito ao domínio do sentido de que se ocupa o gênero (FIORIN, 2006). Já a construção composicional faz referência ao modo de organizar o texto. Por fim, o estilo está relacionado com a seleção de meios linguísticos lexicais, fraseológicos e gramaticais “[...] em função da imagem do interlocutor e de como se presume sua compreensão responsiva ativa do enunciado” (FIORIN, 2006, p. 62). Assim, segundo o autor, podemos encontrar o estilo oficial, o objetivo-neutro, o familiar e o íntimo.

As atuais práticas comunicativas associadas ao jornalismo digital têm permitido, nos últimos anos, a estabilização do gênero blog jornalístico (LÉ, 2011). Contudo, devemos lembrar que, embora o blog jornalístico exiba traços próprios, ao tratar-se de um gênero emergente, também apresenta traços que ora remetem ao gênero jornalístico, ora ao gênero blog (pessoal), dos quais decorre. Vejamos, a seguir, como os aspectos acima citados, a saber, o conteúdo temático, a construção composicional e o estilo, se manifestam nesse tipo de enunciado.

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Ainda no que tange ao modo de organização do texto, temos a presença do cabeçalho que antecede o corpo do texto, onde se indica o título, o autor, o local e a data; o corpo do texto propriamente dito; e fotografias e legendas que, opcionalmente, acompanham o texto. Esses elementos constituem o post, isto é, o enunciado do jornalista-blogueiro. Já a caixa de comentários, embora faça parte do suporte, corresponde ao enunciado de outro sujeito do discurso, neste caso, os leitores do blog. Ressalve-se que, às vezes, o jornalista pode fazer uso dos comentários como moderador da discussão.

A questão do post e os comentários remete a outro assunto levantado por Bakthin (2011) sobre a dimensão do enunciado e seus limites, também concernente à construção composicional do gênero. Pela possibilidade real de interação entre enunciador e enunciatário que o suporte comporta por meio da seção de comentários, o blog jornalístico apresenta uma demarcação clara dos limites do enunciado, fornecida pela alternância dos sujeitos do discurso: o enunciado do jornalista-blogueiro corresponde ao post e o enunciado dos leitores corresponde aos comentários.

A instalação no enunciado das categorias de pessoa, tempo e espaço também é considerada como um procedimento de composição do gênero (DISCINI, 2012). A esse respeito, devemos apontar para um gênero do discurso que se “move” entre dois preexistentes marcados respectivamente pela enunciatividade, no caso do blog pessoal, e pela enuncividade, no caso do discurso jornalístico.

Já no blog jornalístico, conforme o efeito de sentido que se deseje construir, o enunciador ora se instala como narrador em primeira pessoa, ora se mantém velado. Às vezes, cria-se o efeito de sentido de proximidade, outras, de afastamento. Ainda é preciso observar que a data presente no texto, que o software incorpora automaticamente, não corresponde necessariamente ao momento da enunciação, e sim ao momento em que o enunciado é veiculado na internet.

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se mantém atenuada a presença do narrador instalado no discurso citante.” (DISCINI, 2012, p. 82).

No que tange ao conteúdo temático, cabe assinalar a focalização temática (economia, política, artes, etc.) do blog jornalístico, com tendência à apresentação de assuntos ligados às notícias do jornal (LÉ, 2011); diferentemente do gênero preexistente, a saber, o blog pessoal, que trata do cotidiano e de histórias de pessoas consideradas comuns (KOMESU, 2010). Nesse sentido, o blog jornalístico remete à ideia de coluna especializada dos jornais impressos.

Por fim, no que diz respeito ao ato estilístico que lhe é característico, percebemos que, embora muitos dos blogs jornalísticos focalizem objetivamente o conteúdo de uma notícia recente, “[...] há também a possibilidade de um tom mais informal e subjetivo, devido à função que assumem no espaço do jornal eletrônico, atribuindo destaque às ideias do colunista.” (LÉ, 2011, s/p).

Em relação a esse ponto de vista da autora, devemos destacar, por um lado, o fato do blog jornalístico transitar entre um estilo objetivo-neutro, próprio do jornalismo, que usa um jargão marcado por uma “objetividade” e uma “neutralidade” (FIORIN, 2006), e um estilo familiar, que exibe uma atitude pessoal e uma informalidade em relação à linguagem, incorporando, inclusive, um jargão da rua (FIORIN, 2006); e, por outro, o fato desse gênero do discurso apresentar uma assinatura autoral, o que estimula a expressão da individualidade do falante. Essas questões tornam um pouco difícil a definição de uma expressividade padrão do gênero, o que faz com que seus enunciados possam mostrar, ora um tom de seriedade e imparcialidade, ora irônico ou simpático.

Tal dificuldade para a definição de uma expressividade padrão do gênero nos parece apontar para a sua flexibilidade estilística. No entanto, para autores como Orlandini (2007), falar do jornalismo como um gênero flexível ou criativo, isto é, não estereotipado, é um paradoxo, “[...] uma vez que os sujeitos jornalistas têm poucas dissensões de uma pragmática estabelecida.” (p. 127).

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e, sobretudo, nas políticas editorias e rotinas produtivas das mídias nas quais a prática discursiva jornalística se produz.

Contudo, também é certo que o estilo individual confere uma entonação própria ao enunciado. Esse tom é definido pela relação do enunciador com o objeto do enunciado e com os enunciados dos outros (FIORIN, 2006). Por isso, o discurso citado diz respeito tanto à estrutura composicional quanto ao estilo.

Em conclusão, conforme Lé (2011), a preocupação acerca da interatividade com o leitor digital (em estilo mais ou menos formal) revela-se como marca essencial do gênero blog do domínio jornalístico digital.

2.2A IMPARCIALIDADE JORNALÍSTICA NA PERSPECTIVA DA SEMIÓTICA

GREIMASIANA

Na segunda parte do capítulo teórico, apresentaremos os fundamentos que sustentarão o percurso de nossa análise dos posts jornalísticos. Para tanto, baseamo-nos na semiótica greimasiana, ou semiótica de linha francesa, que foi desenvolvida na Escola de Paris, tendo Algirdas J. Greimas como figura principal.

2.2.1 A teoria semiótica greimasiana e seu percurso gerativo do sentido: sintática e semântica discursivas

Os princípios fundadores da semiótica francesa têm suas raízes na corrente do estruturalismo, representada nas figuras de Ferdinand de Saussure e Louis Hjemslev, bem como no linguista Émile Benveniste e seus estudos sobre a Enunciação, além do modelo de análise narrativa dos contos populares russos desenvolvido por Vladimir Propp.

Das diversas propostas decorrentes da teoria saussuriana, a construída por Greimas destacou-se pelos avanços na análise dos textos em relação à produção e verificação da construção do sentido dos textos. A semiótica discursiva se propõe como uma teoria de significação reveladora dos mecanismos internos que geram o sentido analisando a organização dos textos verbais, não verbais e sincréticos a partir do plano do conteúdo. Como expõe Barros:

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também, ou, sobretudo, os mecanismos e procedimentos que constroem os seus sentidos. (2002, p. 187).

A análise semiótica, no entanto, não se esgota na organização linguística e discursiva do texto. Desenvolvimentos ulteriores ampliaram a proposta teórica, indicando olhar o contexto social e histórico e analisar o sentido construído em relação aos textos que circulam numa dada sociedade, os quais, por sua vez, são condicionados por uma cultura e ideologia determinada.

O núcleo da proposta teórico-metodológica greimasiana está dado pelo modelo do percurso gerativo do sentido. O percurso se apresenta de forma estratificada em três níveis, o fundamental, o narrativo e o discursivo, nessa ordem, indo do mais abstrato ao mais concreto, ou seja, do nível fundamental ao nível do discurso. Cada patamar possui dois componentes: o sintático e o semântico. Cabe esclarecer que a separação conceptual desses componentes se realiza com propósitos metodológicos, já que se articulam como um todo no texto.

No nível fundamental, como o próprio nome indica, localizam-se as categorias semióticas fundamentais. É onde o significado se manifesta por oposição semântica. A organização desses pares semânticos é feita pelas transformações sintáticas da negação e da asserção representadas no quadrado semiótico. De outra parte, os valores representados no quadrado se analisam em categorias positivas (eufóricas) e negativas (disfóricas).

No nível narrativo, os enunciados são classificados em estáticos ou de transformação. A relação de junção ou disjunção dos sujeitos com respeito aos objetos de valor propostos, no texto, nos situa no início do percurso da ação. Por meio da

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O discursivo é o nível mais concreto dentro do processo gerativo de sentido, no qual se percebem mais claramente as marcas da enunciação e as relações entre enunciador e enunciatário. Nesse patamar é que desenvolveremos nosso estudo.

No componente da sintaxe discursiva começa o nosso percurso de análise, que espera revelar quais escolhas relativas às marcas da enunciação contribuem para a fabricação do efeito de imparcialidade nos posts jornalísticos selecionados.

A profissão jornalística se mostra na sociedade como uma prática persuasiva, per se. Por sua vez, a imprensa se posiciona como possuidora de “verdades absolutas” em

relação aos leitores. Como já dissemos, a pesquisa está centrada na atividade jornalística que os blogs desempenham enquanto gênero discursivo, bem como no seu característico fazer-crer do cotidiano social.

Mesmo reconhecendo nessa prática profissional uma tendência já instaurada nos seus gêneros, pela narração “objetiva”, é possível mostrar as posições axiológicas (predominantes), bem como a construção dos efeitos de sentido como mais um mecanismo que evidencia a intencionalidade oculta de persuadir os leitores sobre determinado assunto. Nesse sentido, Barros afirma:

Há uma certa tradição de “objetividade” no jornalismo, ou seja, de manter a enunciação afastada do discurso, como garantia de sua imparcialidade. Existem, como bem se sabe, recursos que permitem “fingir” essa objetividade, que permitem fabricar a ilusão de distanciamento, pois a enunciação, de todo modo, está lá, filtrando por seus valores e fins tudo o que é dito no discurso. (2007, p. 54, grifo da autora).

Vejamos, pois, quais são os recursos do componente sintático do discurso que permitem a construção dos efeitos de sentido. Antes de mais nada, temos a debreagem, que consiste na projeção das categorias da enunciação no discurso. Esse mecanismo pode manifestar-se de duas formas: enunciativa e enunciva. As marcas explícitas do eu, aqui e

agora no enunciado produzem a debreagem enunciativa e proporcionam ao discurso efeitos de proximidade em relação ao enunciatário. Já a debreagem enunciva, apaga essas marcas e produz o efeito de objetividade no texto e de distanciamento da enunciação.

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Pode ocorrer, também, uma debreagem de primeiro, segundo e, raramente, de terceiro grau. No primeiro caso, o eu pressuposto pelo enunciado opera a debreagem do

eu do enunciado – o narrador; por sua vez, uma debreagem de segundo grau implica o actante debreado cedendo a sua voz para um interlocutor, ou seja, ocorre uma debreagem interna; por fim, uma debreagem de terceiro grau ocorreria quando a voz do interlocutor passasse para um interlocutário presente no texto (FIORIN, 2003b). Desse modo, “O jornal [...] utiliza a delegação do saber com um duplo efeito, o de objetividade e o de ‘dono da verdade’.” (BARROS, 2007, p. 57).

A ilusão de diálogo entre os interlocutores contribui para o efeito de sentido de realidade ou de referencialidade. Esses efeitos são também e mais comumente fabricados por procedimentos da semântica, e não apenas da sintaxe discursiva (BARROS, 2007). Nos referimos ao procedimento da ancoragem, do qual trataremos mais adiante.

Por outro lado, temos o procedimento da embreagem. Trata-se também de um mecanismo de instauração de pessoas, espaços e tempos no enunciado; no entanto, diferentemente da debreagem, que projeta tais categorias para fora de si, o procedimento da embreagem as neutraliza, criando o efeito de retornar à enunciação.

Como as debreagens, as embreagens podem ser classificadas em actanciais, temporais ou espaciais. Ainda, elas podem ser consideradas homocategóricas ou heterocategóricas: no primeiro caso, quando a embreagem se produz no interior da mesma categoria; no segundo, quando é usada uma categoria por outra.

Para dar conta dos efeitos que as embreagens produzem, Fiorin (1996), em As astúcias da enunciação, expõe todas as combinações possíveis de embreagens em português. Em relação à imparcialidade, as embreagens podem conservar certas marcas de objetividade que contribuem para esse efeito.

No que diz respeito à semântica discursiva, levaremos em conta seus procedimentos internos de tematização e de figurativização, que permitirão assinalar quais percursos temáticos e figuras foram utilizados para instalar os valores propostos no texto.

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desses traços semânticos proporcionará ao discurso a coerência necessária para que seja compreendido no sentido que o enunciador privilegia.

O investimento figurativo dos traços semânticos constrói o efeito de sentido de concretização dos temas abstratos, dando sensorialidade, corporalidade ao texto. Por sua vez, o recurso semântico da ancoragem concretiza as figuras dos percursos temáticos. Quando levada ao extremo, a figurativização torna-se iconização e produz efeito de realidade ou referencialidade.

Em geral, os textos jornalísticos são apenas temáticos, de modo que as figuras se encontram dispersas. No entanto, quando presentes, conforme destacamos acima, tais figuras trazem efeitos de sensorialidade ou corporalidade e de referencialidade para o texto, fazendo com que resulte mais convincente. Ao apresentar nomes próprios, datas e nomes de lugares, o jornal ancora e produz, com a iconização, efeito de sentido de realidade.

Vinculando os procedimentos da sintática e da semântica discursivas e seus efeitos de sentido ao fazer jornalístico, poderíamos assinalar, a modo de síntese, que a debreagem enunciva cria efeito de sentido de afastamento e objetividade; há com as debreagens e embreagens um jogo de vozes: pela atribuição da responsabilidade discursiva e do saber, a debreagem interna, por exemplo, produz efeito de objetividade e de “dono da verdade” para o jornal; esse procedimento, ainda, passa a impressão de realidade ou referente, ao criar a ilusão de diálogo; porém, este último efeito é associado sobretudo ao recurso semântico da ancoragem.

2.2.2 Além do percurso gerativo do sentido: intertextualidade e

interdiscursividade

Conforme já frisamos, um dos princípios de base da teoria semiótica é a compreensão de que o sentido do texto se constrói não só por meio de mecanismos de organização internos, mas também pela sua relação com o contexto, entendido, por sua vez, como “[...] uma organização de textos que dialogam com o texto em questão” (BARROS, 2007, p. 78).

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Diante da análise contextual, no entanto, surge a dificuldade metodológica da delimitação do contexto a ser considerado. Para resolver esse problema, Barros (2007) propõe o exame da intertextualidade.

O conceito de intertextualidade é aqui entendido, conforme a concepção dialógica do discurso preconizada por Bakthin, como o diálogo “[...] entre os muitos textos da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define.” (BARROS, 2003, p. 4).

A semiótica, a partir dos estudos de Fiorin (2003a), distingue intertextualidade e interdiscursividade. Ambas dizem respeito à presença de duas vozes num mesmo segmento discursivo ou textual (GUIMARÃES, 2013, p. 134). Porém, enquanto a intertextualidade incorpora um texto em outro, a interdiscursividade traz percursos temáticos e/ou figurativos de um discurso para outro.

A intertextualidade se utiliza de três processos: a citação, a alusão e a estilização. No texto para o qual é trazido, o segmento citado pode funcionar à guisa de ilustração, de tema ou pode ter uma função conclusiva (GUIMARÃES, 2013). Já na alusão, “[...] não se citam as palavras [...], mas reproduzem-se construções sintáticas em que certas figuras são substituídas por outras, sendo que todas mantêm relações hiperonímicas com o mesmo hiperônimo ou são figurativizações do mesmo tema.” (FIORIN, 2003a, p. 31).

A estilização, ao seu turno, constitui uma reprodução do estilo de outrem, entendendo estilo como “[...] o conjunto das recorrências formais tanto no plano da expressão quanto no plano do conteúdo (manifestado é claro) que produzem efeito de sentido de individualização.” (BERTRAND 1985 apud FIORIN, 2003a, p. 31).

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Tanto na intertextualidade quanto na interdiscursividade, observamos que, quando a incorporação reproduz ou reforça o sentido, se estabelecem relações contratuais entre as vozes. De outra parte, quando o sentido é alterado, podemos falar em relações polêmicas. O discurso transforma-se, assim, num espaço conflitual e heterogêneo ou num espaço contratual (FIORIN, 2003a).

Ainda sobre as vozes presentes no discurso, é necessário distinguirmos, conforme Bakhtin (1970 apud FIORIN, 2003a), o discurso bivocal do discurso objetivado. O primeiro concerne à natureza responsiva do discurso: sob a voz de um enunciador ressoa a de outro, convergindo duas vozes num único centro do discurso. Já no segundo, há diferentes centros do discurso: o enunciado do narrador, o enunciado da personagem; porém, a segunda unidade não é autônoma, sendo que se subordina à primeira. Um exemplo do discurso objetivado com dominância de traços sociológicos, como aponta o autor, pode ser encontrado nos romances de Balzac, em que se manifestam as vozes da aristocracia, da burguesia e da pequena burguesia.

O efeito de sentido que produz a presença de várias vozes no enunciado é chamado de polifonia. Distingue-se do dialogismo por ser este o princípio constitutivo da linguagem e de todo discurso. Em contrapartida, a polifonia decorre dos procedimentos discursivos e textuais acima mencionados, que instalam “[...] a complexidade e as contradições dos conflitos sociais” (BARROS, 2003, p. 6).

Assim, segundo Ducrot (1984 apud BARROS, 2003 p. 5), a polifonia atinge sua plenitude quando “[...] as vozes que dialogam e polemizam ‘olham’ de posições sociais e ideológicas diferentes, e o discurso se constrói no cruzamento dos pontos de vista”.

A monofonia, contrariamente, se produz naqueles textos que tentam esconder os diálogos que os constituem. É este um efeito de sentido característico no discurso autoritário, “[...] aquele em que se abafam as vozes dos percursos em conflito, em que se perde a ambiguidade das múltiplas posições, em que o discurso se cristaliza e se faz discurso da verdade única, absoluta, incontestável.” (BARROS, 2003, p. 6).

2.2.3 A imparcialidade jornalística como efeito de sentido

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associada à objetividade. Nessa perspectiva, as mídias são concebidas simplesmente como transmissoras da realidade social, restringindo seu papel à busca das notícias e ao uso de uma tecnologia para sua difusão.

Na verdade, tal concepção é um mito, pois esconde a atividade produtiva enunciativa das mídias. Com efeito, a notícia é uma construção: narração de um fato ou reescrita de outra narração. Além do mais, na medida em que, ao descrever um acontecimento, a notícia o define e dá forma, ela ajuda a constituir a realidade como fenômeno social compartilhado (RODRIGO ALSINA, 2009).

Essa compreensão da produção informativa como construção da realidade opõe-se à primeira, que entende a realidade social como algo exterior e autônomo em relação à prática jornalística. É essa ideia que se encontra na base do modelo liberal de jornalismo e que sustenta o mito da objetividade:

O conceito de objetividade que o capitalismo divulga é a descrição dos principais fatos desvinculados das relações de classes em que eles acontecem […] Temos, então, um reflexo falso da realidade. (RODRIGO ALSINA, 2009, p. 251-252)

Contudo, é a visão do jornalista como gatekeeper, isto é, observador externo da realidade – em contraposição à de advocate, aquele comprometido, que toma uma postura perante a realidade social –, que ainda predomina entre os profissionais da imprensa. Segundo M. Rodrigo Alsina (2009), isso evidencia a ficção do caráter apolítico do jornalista ou, no mínimo, da repressão de sua ideologia ao longo do exercício profissional.

Um conhecido ditado do mundo do jornalismo contribui para o que acabamos de dizer: “a notícia é sagrada, o comentário é livre”. Porém, tanto na apuração e redação da notícia, quanto no comentário, o jornalista enfrenta escolhas múltiplas ligadas à seleção e ao tratamento dos fatos. No intuito de dar conta da riqueza e da complexidade do real, a notícia cria, na verdade, uma ilusão do real.

Em termos jornalísticos, tal ilusão se produz seguindo algumas estratégias, conforme assinala Tuchman:

1. Apresentar a possibilidade de contrastar a verdade pretendida, mostrando claramente quem são as fontes.

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3. O uso das aspas. O texto fica como se fosse dito por outra pessoa. Isso pressupõe um distanciamento do jornalista e, portanto, não é o jornalista quem está fazendo a afirmação da verdade. Por outra parte, podemos afirmar que o uso da citação acontece para apoiar hipóteses pessoais, apresentando-as como se tivessem sido extraídas da lógica “natural dos acontecimentos”.

4. Estruturação da informação de uma forma adequada. Isto é, em primeiro lugar são apresentados os fatos essenciais.

5. Isolamento da informação da opinião e dos fatos dos comentários (1980 apud RODRIGO ALSINA, 2009, p. 249).

Tudo o que delineamos anteriormente aponta para a possibilidade de considerarmos a imparcialidade como um efeito de sentido do ponto de vista linguístico. Uma vez que a construção da notícia implica um processo de produção discursiva e, ao mesmo tempo, de elaboração textual, pode-se (e deseja-se) conseguir uma impressão de imparcialidade, como resultado do processo, visando ao convencimento do leitor.

Na imprensa, a objetividade, a imparcialidade e a neutralidade se tornam garantia do profissionalismo, no que diz respeito aos jornalistas, e de credibilidade, no que tange ao público. A análise interna dos textos mostra, porém, que não existe texto objetivo nem imparcial, mas apenas textos que produzem o efeito de sentido de objetividade ou de imparcialidade. Nas palavras de Barros:

[...] as escolhas feitas e os efeitos de sentido obtidos não são obra do acaso, mas decorrem da direção imprimida ao texto pela enunciação. Ressalta-se o caráter manipulador do discurso, revela-se sua inserção ideológica e afasta-se qualquer ideia de neutralidade ou de imparcialidade do texto. (2007, p. 78).

O efeito de imparcialidade é particularmente almejado na abordagem de temas polêmicos (BREWER, 2011), situação em que o jornalista deve guardar para si suas opiniões e evitar mostrar-se tendencioso no momento de apresentar visões distintas, considerando que as fontes, elas próprias, não são imparciais.

Do ponto de vista discursivo, como procuramos mostrar, o efeito de imparcialidade é decorrente das projeções da enunciação no discurso, com ênfase para aqueles procedimentos ligados à delegação da voz; da escolha dos temas e das figuras; e dos diálogos que o texto em questão estabelece com outros textos ou discursos. Analisaremos cada um desses elementos.

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criando o efeito de sentido de objetividade. Esse procedimento encena a realidade do fato como externa e alheia em relação ao enunciador.

Por meio das debreagens internas, se dá voz às pessoas do discurso. Mediante o discurso direto e as citações, recria-se a ilusão de diálogo. Se se acrescentam nomes, datas e lugares, por meio da ancoragem, provoca-se um efeito de realidade que produz a impressão de que o jornal apresenta a única verdade possível sobre o fato.

Mais especificamente, o efeito de imparcialidade guarda relação com a delegação da voz a posições diferentes. Esta estratégia tenta reproduzir as complexidades do tecido social, uma vez que as diferentes vozes dão conta das ideologias associadas a camadas ou classes sociais diversas.

Porém, como também frisamos, o próprio enunciador possui um posicionamento sobre o que escreve, por sua vez, condicionado pela sua inserção social e ideologia. Essa posição vai se apresentar no discurso como voz dominante. Assim, as vozes trazidas para o discurso no intuito de criar um simulacro de imparcialidade, na verdade, produzem uma “falsa” polifonia, uma vez que parecem favorecer a sua opinião, ou seja, os seus valores, a sua ideologia.

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3 ANÁLISES

3.1 LENDO CARTAS DESDE CUBA

Na primeira parte do capítulo, analisaremos os posts selecionados do blogCartas desde Cuba, com o intuito de identificar os mecanismos e procedimentos sintáticos, semânticos, intertextuais e interdiscursivos, apontados no capítulo anterior, que contribuam para a construção do efeito de imparcialidade jornalística.

3.1.1 Análise do postNavidad a la cubana

Navidad a la cubana trata dos sentidos atribuídos por diferentes camadas da sociedade cubana à celebração do Natal, após a restauração pelo governo do feriado de 25 de dezembro – restauração que fora impulsionada pela visita à ilha do papa João Paulo II em 1998.

Com o triunfo da revolução em 1959 e a declaração, a posteriori, de sua natureza socialista, considerou-se a prática religiosa incompatível com a nova sociedade em construção, baseada nos princípios do materialismo dialético. As relações entre o Estado e a Igreja ficaram extremamente tensas e as tradições religiosas foram desaparecendo, sendo apenas conservadas por algumas famílias. As gerações de jovens das décadas de 70 e 80, educadas em escolas laicas, cumpriram um papel importante no exorcismo de qualquer vestígio de religiosidade de seus lares, já que até mesmo as imagens dos santos eram consideradas um desvio ideológico.

Foi só a partir de 1990, com a crise advinda da queda do mundo socialista na Europa do Leste, que a prática religiosa voltou para os templos e lares cubanos, a princípio timidamente, mas depois com força inédita durante as últimas décadas. Com efeito, a prática religiosa trouxe consolo e conforto para muitas camadas do povo perante a crise. No entanto, as tensas relações entre a Igreja e o Estado não experimentaram mudança até os últimos anos do século XX: inicialmente, com a visita de Fidel Castro ao Vaticano e, num segundo momento, com a presença na ilha do papa João Paulo II.

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No que tange à sintaxe discursiva, vemos que aproximadamente a metade do post

apresenta acontecimentos anteriores ao agora da enunciação – a exemplo do explicitado no oitavo parágrafo: “Es verdad que algunas familias se juntan ahora para una cena de Noche Buena”20 (RAVSBERG, 2008b, s/p, grifo nosso). Apesar dessa projeção da enunciação, o post é predominantemente enuncivo.

Apenas no sexto parágrafo se entrevê a presença do eu da enunciação no pronome pessoal oblíquo “nos” e no possessivo “mi” (meu):

Se llegó a perder tanto la tradición que, durante la visita del Papa, un cubano entrevistado para la TV sueca nos respondió que "el 25 de diciembre fue cuando crucificaron a Cristo", una frase que hizo alucinar a mi colega nórdico.21 (RAVSBERG, 2008b, s/p, grifo nosso).

O fato de estarmos na presença majoritária de um enunciado enunciado, pode dever-se em primeiro lugar ao intuito de dar conta de acontecimentos “históricos” – ou, no mínimo, ligados à história da perda da tradição da celebração do Natal em Cuba. No que diz respeito ao efeito de imparcialidade, a escolha enunciva constitui uma ótima estratégia para criar o efeito de objetividade convencionalmente associado à imparcialidade jornalística.

Por outro lado, o enunciador-narrador consegue criar um efeito de polifonia ao reunir no discurso próprio diversos pontos de vista em relação à celebração do Natal em Cuba. É essa a segunda estratégia que visa à imparcialidade. Assim, podem ser identificadas várias vozes: o discurso do governo, o da Igreja, o de instituições do Estado (embora contestadoras) e o do povo.

Acerca da posição do governo cubano, observamos uma “evolução” no entendimento do Natal, que apresenta três momentos: 1) os anos em que constituía um desvio ideológico grave; 2) quando, após a visita do Papa, os enfeites natalinos foram interditados por estarem vinculados ao nascimento de Jesus; e 3) quando os enfeites não são mais proibidos, mas vendidos nas lojas estatais.

A posição do governo no segundo momento é incorporada no texto mediante uma relação interdiscursiva por citação. No caso, o enunciador-narrador assume o viés irônico

20 É verdade que agora algumas famílias se reúnem para a ceia de Natal. (Tradução nossa).

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que a circular (o ofício) utiliza para referir-se ao Papai Noel, chamado de “anciano barbudo”22, e à ligação existente entre o mesmo e o nascimento de Jesus, questionada por tratar-se de “[...] un hecho ocurrido en una región desértica donde no abundan los renos y los trineos resultan un tanto inútiles.”23 (RAVSBERG, 2008b, s/p).

A fotografia que acompanha o post concretiza a posição do governo a respeito do Natal no terceiro momento acima mencionado. Observa-se nela uma imagem do saguão do Hotel Nacional de Cuba. Na instantânea, convivem a bandeira cubana e uma árvore de Natal. O fato de incluir a bandeira na tomada parece-nos totalmente proposital: “a coexistência é possível” poderia ser a mensagem.

Para a Igreja, o resgate do feriado de 25 de dezembro constituiu a oportunidade “[...] para retomar una de sus festividades más importantes, en la que se celebra el origen de su fe.”24 (RAVSBERG, 2008b, s/p). Já a posição do cubano simples é representada por meio da ignorância religiosa: uma pessoa, quando perguntada sobre a data, responde que se trata do dia em que Jesus morreu.

O intelectual Alfredo Guevara e a instituição que dirigia, o Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficas (ICAIC), são usados como figuras que concretizam o tema da oposição interna ao governo – ao menos, no que diz respeito à proibição dos enfeites natalinos. Guevara, embora revolucionário genuíno e amigo pessoal de Fidel Castro, nunca simpatizou com ideias absurdas provenientes dos burocratas do Ministério da Cultura, do Partido Comunista de Cuba (PCC) ou do governo. Por isso, “[...] en un franco acto de rebeldía ordenó adornar cada cine con uno de estos árboles, provocando que muchos cubanos los pusieran también en sus hogares.”25 (RAVSBERG, 2008b, s/p).

Quanto aos discursos do Estado e da Igreja, o enunciador-narrador apresenta a figura do intelectual como uma terceira posição que relativiza a visão polarizada do assunto decorrente das posições extremas acima referidas. A inserção de um terceiro

22 Velho barbudo. (Tradução nossa).

23 Um fato ocorrido em uma região desértica onde não existem renas e os trenós são um pouco inúteis.

(Tradução nossa).

24 Para retomar uma de suas festividades mais importantes, na qual se celebra a origem de sua fé. (Tradução

nossa).

25 Num claro ato de rebeldia, ordenou enfeitar cada cinema com uma dessas árvores, incitando muitos

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discurso é outra das estratégias que o enunciador-narrador utiliza para criar o efeito de sentido de imparcialidade.

Apesar do efeito de polifonia que a convergência de discursos conflitantes garante, é possível perceber que o enunciador-narrador tenta fazer prevalecer a ideia própria de que, embora ocorra o resgate da celebração do Natal, ela não é mais uma festividade predominantemente religiosa, mas também não é comercial, como acontece em outras latitudes. Para tanto, o destinador se utiliza das figuras do discurso com o objetivo de concretizar e dar sensorialidade ao tema da dessacralização do Natal em Cuba.

A perda do sentido religioso é concretizada por meio de figuras como cabarés, clubes noturnos, ressaca, etc., todas contrárias à figura do lar, da ceia em família, ou seja, o excesso versus o comedimento, o público versus o privado; esses mesmos clubes estão “lotados até o teto”, enquanto que “as igrejas não lotam nunca” e são frequentadas pelos “mesmos fiéis de sempre”; as casas são enfeitadas com árvores e imagens de Santa Claus, não têm o menino Jesus; e os símbolos natalinos vêm da China.

Por outro lado, a celebração de Natal é contraposta ao Réveillon, “[...] la fiesta en que se tira la casa por la ventana”26 (RAVSBERG, 2008b, s/p). Mais uma vez o excesso é que caracteriza a celebração, o excesso e os prazeres mundanos, que são apresentados por meio de figuras da ordem sensorial do gosto: carne de porco, rum de boa qualidade, torrone e sidra.

Ao analisarmos o post, concluímos que diferentes estratégias são usadas ao longo do texto para a construção do efeito de imparcialidade. E, mesmo que nos últimos trechos (apesar de actancialmente enuncivos) seja perceptível a dominância do discurso que diz que o Natal em Cuba não é mais uma festividade religiosa, na conclusão do post, o enunciador-narrador valoriza ambos os discursos, passando a impressão de imparcialidade:

[…] parece tan lógico que los cristianos tengan derecho a celebrar el nacimiento del Niño Jesús como que el resto de los ciudadanos aprovechen el feriado para cenar en familia, salir de parranda o simplemente descansar.27(RAVSBERG, 2008b, s/p)

26 A festa em que se gasta mundos e fundos. (Tradução nossa).

27 Parece tão lógico que os cristãos tenham o direito de celebrar o nascimento do Menino Jesus, assim como

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